'Viro noite para deixar tudo 100%': a vida do mecânico do ciclismo olímpico
Uma bicicleta de mountain bike tem mais de 20 componentes que, juntos, fazem tudo girar em harmonia durante cada competição, cada treinamento. Para isso, as peças precisam estar alinhadas, e o grande responsável por isso é o mecânico. Os ajustes realizados pelos profissionais fazem diferença nas curvas das pistas espalhadas pelo mundo.
O UOL conversou com Carlos Renato da Silva Almeida, mecânico da equipe de Henrique Avancini — o maior ciclista do Brasil há quase 10 anos. Ele falou sobre a importância do seu trabalho para a modalidade de alto rendimento e contou como decidiu seguir a carreira, de certa forma 'invisível' aos olhos da população em geral.
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"O mecânico tem que ficar atento a tudo. A bicicleta tem de estar 100%. É como uma frase do André de Mateus, que era engenheiro da Stock Car: '99 não é 100'. Sempre sigo essa forma de pensamento. O que tiver de fazer, até a hora que precisar, tem que ficar pronto. A bike tem que passar confiança", destacou o profissional apelidado de Renatinho.
"O piloto confia 100% em você porque ele tem que estar confiante 100% na bicicleta. Ele tem que ter tranquilidade para focar somente na corrida. Então, eu já virei diversas vezes a noite para consertar ou revisar alguma coisa", acrescentou.
O interesse de Renatinho pelas bicicletas começou quando ele ainda era criança. Ele curtia mexer nas bikes dele e dos amigos que, segundo o mecânico brincou, foram como cobaias.
"Ao passar do tempo, eu comecei a frequentar lojas e a área que eu mais gostava sempre foi a oficina. Então eu ficava ali conversando com os mecânicos, tirando dúvidas e tudo mais. Foi desta maneira que eu fui aprendendo", explicou Renatinho.
Essa curiosidade levou o profissional a começar um trabalho em uma loja de bicicletas dos amigos. Foram nove anos cuidado de bikes e se aperfeiçoando até que ele foi convidado para trabalhar como mecânico de competições de automobilismo.
"Foram quatro anos nesta área. Eu trabalhei na parte de manutenção de freio, suspensão e direção. Comecei com carros importados de alto rendimento, na categoria GT3, como Lamborghini, Audi R8, Mercedes e Aston Martin. Todos eram de extrema cavalaria. Depois, eu fiquei alguns anos na Stock Car e era bem trabalhoso, muitas horas de serviço", relatou.
Renatinho voltou a trabalhar com o "seu primeiro amor" quando — durante uma etapa da Stock Car, em 2015 — foi convidado por Ruy Avancini para integrar a equipe do filho Henrique e cuidar das bikes da loja, em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
"O Ruy montou um projeto chamado Ava Project. A ideia era desenvolver atletas sub-23 para a iniciação no profissionalismo. Ele me chamou pra fazer parte dessa equipe, e Henrique, na época, já era contratado da Caloi e eu fazia as competições dele aqui no Brasil. Também participava de algumas provas internacionais", detalhou Renatinho.
Honra olímpica
Desde que conheceu a família de Henrique Avancini, Renatinho já participou de duas Olimpíadas (Rio-2016 e Tóquio-2020) e está aguardando a convocação para a terceira, agora em Paris. Ele integraria a equipe de Ulan Galinski.
"Sempre gostei de esporte, né? Ainda mais de bicicleta, sempre vivendo nesse meio. Poder participar das Olimpíadas é uma honra. Representar o nosso país e ver o tamanho da confiança no nosso trabalho é realmente incrível, um reconhecimento grande. Me sinto muito grato por fazer o que eu faço, porque amo o que faço", destacou o mecânico.
Assim como em todas as competições, durante as Olimpíadas, os atletas levam uma equipe responsável por cuidar da bicicleta. O trabalho já começa muito tempo antes da viagem.
"Antes das competições, a gente revisa tudo na loja. Quando volta de qualquer corrida, é a mesma coisa: revisa tudo, troca o que tem de trocar, revisa o que tem de revisar", detalhou Renatinho.
"Quando chega na competição, a gente faz a manutenção, conferimos as peças para ver se está apertado, se não há nenhuma avaria... É para estar sempre inteira, perfeita. É assim que passamos confiança ao atleta", comentou.
A saudade dos filhos
Renatinho não esconde que ama o que faz e o único lado ruim de tudo isso é a distância da família. O mecânico é casado e tem dois filhos, mas quando está viajando procura criar artimanhas para estar pertinho dos seus entes queridos.
"Eu tento sempre ligar todos os dias, por vídeo, tento falar com eles, encaixar um horário em que eles estejam em casa... Às vezes, eu estou na Europa e fica mais difícil, mas sempre damos um jeito", disse Renatinho.
"Quando estou no Brasil, eu vou com o meu filho andar de bicicleta, ele curte, está sempre me chamando. Tem que compensar todas as viagens, né? E aproveitar o máximo possível. No final de semana a gente sempre sai, faz alguma coisa, tem que distrair, passar o máximo de tempo possível com eles", concluiu.