'Não somos bandidos': funcionários do Jockey reagem à proibição de corridas

As corridas de cavalos aconteceram normalmente neste sábado (29), no Jockey Club, em São Paulo. Nem parecia que, no dia anterior, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tinha sancionado uma lei que proíbe esse tipo de competição em toda a cidade.

No fim da manhã de hoje, as arquibancadas de madeira e o salão de apostas do Jockey Club foram ganhando vida normalmente. Chegavam funcionários, apostadores, proprietários de cavalos e espectadores de turfe.

Assim como consolidado pós-pandemia, o público era pequeno. Era um dia normal.

O UOL conversou com funcionários e fãs das tradicionais corridas de cavalo para entender a situação após a sanção. Ontem, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, vereador Milton Leite (União Brasil), afirmou que iria com policiais ao Jockey Club neste fim de semana para impedir a realização dos eventos. Não aconteceu.

"Foi em um tom de ameaça que ele [o vereador Milton Leite] falou. Disse que traria a polícia aqui. Não somos vagabundos ou bandidos. Ele não tem o direito de fazer isso. São mais de cinco mil famílias que dependem direta ou indiretamente das atividades do Jockey Club. Os cavalos não sofrem maus tratos, não é um jogo de azar. Muitos idosos vêm aqui, porque é um refúgio".

Eliane Tiburcio, 54, caixa das apostas, e a filha Laura Zerbini, 17, que cresceu no clube

Em nota ao UOL, Milton Leite disse que o problema não são os funcionários, mas as dívidas do Jockey Club com a prefeitura.

"Os funcionários têm o nosso respeito. Porém, São Paulo também exige respeito. É preciso informar na reportagem que, da prática do turfe, o Jockey Club evoluiu para uma má gestão que acumula dívidas de mais de R$ 600 milhões de reais com a prefeitura. Recursos que, pagos, poderiam beneficiar toda a população que quita em dia seus impostos."

"Entendemos que existe sofrimento animal nas corridas de cavalo, por isso a proibição. Já passou da hora da propriedade do hipódromo, que é da cidade de São Paulo, voltar como bem público e ser transformada no parque João Carlos Di Gênio, conforme aprovado no Plano Diretor."

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Milton Leite, presidente da Câmara Municipal de SP

A arquitetura do local, com construções de 150 anos preservadas, levam quem passa por lá ao passado. Ao mesmo tempo, remetem ao luxo dos restaurantes requintados. É neste local que os habitués se divertem há mais de 50 anos.

Os frequentadores antigos estão tranquilos e acreditam que as atividades vão continuar. Creem que a ação é ligada à politicagem de ano de eleições municipiais e entendem que o Jockey e sua tradição é maior que tudo isso.

"Eu era treinador aqui. Venho semanalmente ao Jockey há 60 anos. Tenho certeza de que não vão fechar e acabar com essa história. Eu não acredito [que o Jockey irá fechar]. Uma vez, o Jânio Quadros [presidente nos anos 60] tentou mexer aqui e botaram ele para correr"

João Ramalho, 87 anos, treinador aposentado.

Valentino Carazzato, 78, concorda com Ramalho. "Falar que vai trazer a polícia aqui... Ele [Milton Leite] não tem a menor noção. Não tem chance. Isso é bobagem", disse.

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Os funcionários, porém, estão preocupados com o possível fechamento. A maioria deles trabalha no Jockey há mais 20 anos e dependem do clube para sustentar as respectivas famílias. Apesar disso, há uma positividade no ar, já que a lei precisaria ainda passar por cima da lei federal que protege o local.

"Por mais que o Jockey passe segurança para a gente dizendo que estamos assegurados pela lei federal, a gente fica com medo. Eu trabalho aqui há mais de 20 anos e dependo daqui. É difícil para a gente, mas estamos firmes e fortes. Vamos esperar que o justo seja feito. Existe a lei federal de 84 e estamos assegurados por isso. A lei municipal não pode passar por cima", falou Marcia Paz, supervisora de apostas.

Marcia Paz se referiu à Lei 7191/84, que dispõe sobre as atividades da equideocultura no país. A coordenação, fiscalização e orientação do setor são responsabilidade do Ministério da Agricultura, ou seja, na esfera federal. Entende-se, então, que uma lei municipal não pode revogar uma lei federal.

"A gente tem que manter a positividade, o Jockey está tomando providências, mas o medo existe. Estamos torcendo para que todo acabe bem. Eu falo por todos os funcionários, proprietários, turfistas. Envolve tudo. Não é uma coisa pequena", falou Eliane Tiburcio.

Entenda o caso

Câmara Municipal aprovou projeto para proibir corridas de animais com apostas ou em jogos de azar. Segundo o texto, o objetivo da proibição é acabar com a exploração de animais em competições. A lei dá até 180 dias para os estabelecimentos da cidade encerrarem essas atividades.

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"Proprietários de cavalo, tirem os seus cavalos de lá, porque serão presos", declarou Leite durante sessão legislativa quinta-feira (27). "É bom que o Jockey Club e outros comecem a preparar outro destino, outro endereço, porque aquilo é da prefeitura. E queremos tomar posse."

Aliado de Nunes, vereador disse que irá ao Jockey acompanhado de agentes. Ele afirmou que terá ao seu lado o Centro de Controle de Zoonoses e a Guarda Civil Municipal para impedir as competições de cavalos.

Milton Leite disse que o espaço é da prefeitura e que eles querem tomar posse. A lei deve impactar diretamente na permanência e nas atividades do Jockey Club, cuja transformação em parque municipal foi incluída na nova lei do Plano Diretor, que entrou em vigor no ano passado.

A votação na Câmara foi unânime e não nominal —quando os vereadores favoráveis precisam apenas "permanecer como estão". O projeto de lei teve autoria do vereador Xexéu Tripoli (União Brasil), que chamou a decisão de "um momento histórico para o Brasil".

A diretoria do Jockey Club de São Paulo disse lamentar a aprovação do projeto. "Além de demonstrar total desconhecimento sobre o esporte, a proposta sinaliza para a população um claro interesse em tentar desconstruir a história centenária do Jockey Club de São Paulo, bem como de abrir espaço para absurda tentativa desapropriar o terreno do Hipódromo de Cidade Jardim para possível especulação imobiliária", declarou a entidade, em nota ao Estadão.

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