'Eu tinha tudo que eu busquei e não tinha nada', diz Xuxa sobre depressão
A Casa UOL Esporte sediou, na última segunda-feira (29), o painel "Saúde mental e esportes", que reuniu atletas e especialistas para discutir um tema que ainda é visto como tabu tanto no esporte profissional quanto na sociedade em si. Apresentado por André Hernan, o debate contou com as presenças do ex-nadador e medalhista olímpico Fernando "Xuxa" Scherer, a jogadora de vôlei Gabriela Candido e os psicólogos do esporte João Ricardo Cozac e Marina Gusson, que buscaram desmistificar o tratamento psicológico no mundo esportivo.
Medalhista nos jogos de Atlanta e Sidney, Xuxa comentou sua experiência pessoal com a depressão, que se agravou após sua aposentadoria das piscinas. "Quando paro de nadar, entro em depressão e tento tirar minha vida", contou o ex-atleta, que hoje dá palestras que abordam saúde mental. "Quando chego [nesse ponto], eu falo 'mas como assim? Eu tenho tudo que todo mundo sonhou, tudo que eu quis, tudo que eu busquei, tenho tudo e não tenho nada.' Porque [a depressão] dá um vazio enorme."
Gestor da Associação Paulista da Psicologia do Esporte e do Exercício Físico (APPEE), Cozac lembrou dos sentimentos mistos que acompanham a aposentadoria de grandes atletas de alto rendimento. "A gente fala que os atletas muitas vezes têm duas mortes. Primeiro termina a carreira e depois a morte física. E essa primeira morte, quando vem, simbólica da questão do esporte em si, quando você não tem uma assistência, uma possibilidade, uma possibilidade de fazer um trabalho nessa parte, é muito ruim."
O psicólogo também lembrou que a vida de um atleta de alto rendimento não é, necessariamente, saudável do ponto de vista psicológico. "Até que ponto [o esporte profissional] exige que os atletas cheguem em limites que, sem uma atenção e uma assistência especializada, tendem a adoecer? Tendem a adoecer na parte física e na parte mental. E eu diria que tem outros aspectos importantes, como a necessidade de abdicar de muitas coisas na vida em prol do esporte. Então, muitas vezes acontece que você não tem a convivência familiar que você gostaria, não tem a possibilidade de estudar, não tem a possibilidade de conviver, de ter o desenvolvimento social que é super importante para a constituição da identidade. E a gente é muito aquilo que a gente faz. Quando a gente deixa de fazer, gera uma angústia."
Presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP), Marina Gusson lembrou da pressão sofrida por atletas profissionais, especialmente em épocas de grandes competições. "Não é só o atleta que se cobra. A gente tem o Brasil inteiro assistindo ele. É internacional a transmissão, e ele não quer frustrar as pessoas que acreditam nele, e a gente também não quer se frustrar."
Para Gusson, as expectativas e a pressão da torcida têm grande impacto no psicológico dos atletas. "Muitas vezes, as emoções vêm de uma forma que não necessariamente vai ser o que ele vai levar daquela experiência."
Tabu
Convivendo com a síndrome do pânico, Gabi Candido lembrou de quando pediu dispensa da seleção brasileira após sua primeira convocação e da falta de apoio que recebeu no meio esportivo. "Quando pedi dispensa da seleção, tive críticas de atletas que eu admirava muito. Pessoas que, para mim, eram espelhos. Ouvi muitas coisas ruins de pessoas que eu esperava apoio, sabe?"
"A gente tá começando a falar [de saúde mental], mas fala muito pouco ainda", seguiu a ponteiro do Unilife. "Lembro que, antes de eu ter falado sobre isso, nunca tinha ouvido falar".
"Esse tema ainda é um tabu", afirmou Gusson. "A gente está aqui conversando sobre isso, é uma desconstrução de um tabu, mas ele ainda existe." Para a psicóloga, a resistência de atletas não é o único obstáculo para o cuidado na saúde mental de profissionais. "O psicólogo do esporte, muitas vezes, é colocado como uma oficina. Então, [atletas] têm que estar performando, a máquina tem que estar tinindo, e se você não conseguir, tira você, leva lá na oficina, que aí eles colocam o psicólogo em uma sala, bem distante, de preferência, isolado, para você consertar aquela peça que não está funcionando, para que você me devolva ela funcionando bem. Se você não conseguir devolver ela funcionando bem, eu troco a peça. Isso não é saúde mental. Isso é uma estrutura esportiva adoecedora de indivíduos, atletas e comissão."
Com o tema ainda polêmico no meio esportivo, muitos atletas preferem não fazer acompanhamento psicológico com os profissionais de seus clubes, escolhendo tratamentos particulares em segredo. "Nesses últimos oito ou dez anos, a quantidade de jogadores de futebol das séries A e B, de clubes que têm psicólogos, buscando nosso trabalho em paralelo, é uma enormidade", contou Cozac.
"Eu tenho notado que os atletas, eles estão mais abertos, eles estão notando o sofrimento, eles percebem na cara deles que é legítimo", disse Gusson. "É o que os dois estavam falando. Cada um sabe da sua dor, sabe o tamanho que isso tem e sabe agora, cada vez mais, que isso pode prejudicar a minha carreira, que é o que eu mais quero. Só que, se isso não pode acontecer lá dentro do meu clube, eles estão conscientes. Então, o futebol, quando a gente fala, não são os atletas necessariamente."
Para Xuxa, o estado de medo imposto aos indivíduos pela sociedade também é grande responsável pela pressão mental sofrida não só por atletas de alta performance, mas pela população de modo geral. "Você fica com medo, aí você se retrai, aí começa a aprisionar quem verdadeiramente você é, aí você aprisiona a sua voz, aí você tem medo de subir no palco, aí você tem medo de falar em público, aí você tem medo de expressar a tua verdade, e a verdade te libertará, não é? (...) A gente só veio, só nasceu pra uma coisa, realizar o teu sonho. Só que o que eles fazem? [Falam] 'não vivam o teu sonho, você não pode ser quem você é, você não pode chegar lá, você não pode conquistar, porque eu quero me manter no poder e me perpetuar no poder', porque se você tiver voz, você vai fazer o que tem que ser feito, e esses do poder vão cair no poder, seja no esporte, seja no comitê olímpico, seja na política, seja aonde for. Se você, ser humano, tiver uma voz, ninguém te para, e eles querem te parar, porque não querem que você seja próspero, abundante, livre de todo esse sistema de medo."
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Onde: Octavio House, Av. Brig. Faria Lima, 2996.
Quando: de 27 de julho a 11 de agosto.
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