'O esporte é visto como inimigo da educação', diz Magic Paula em painel
Sediado na Casa UOL Esporte, o painel "Política pública de acesso ao esporte" reuniu nomes de peso para discutir o papel do governo e de iniciações esportivas no Brasil.
Comandado por André Hernan, o debate contou com a presença de Magic Paula, uma das maiores jogadoras da história do basquete mundial, Iziane Castro Marques, ex-jogadora da seleção brasileira de basquete e secretaria nacional de esportes de alto rendimento do Ministério do Esporte, e Verônica Hipólito, velocista que disputará os Jogos Paralímpicos de Paris.
Um dos primeiros assuntos abordados no painel foi a dificuldade em apresentar novas modalidades para crianças e jovens.
"Acredito que o acesso é dificultado porque nas escolas as crianças não conseguem ter esse acesso desde muito cedo", argumenta Iziane. "A gente tem uma cultura clubista no Brasil. Isso dificulta muito o acesso ao esporte. Então, realmente, o futebol é mais fácil. Eu lembro quando eu era criança, fazia a bola até com um saco plástico, meia. Qualquer coisa a gente faz e joga e inventa uma trave lá. Para os outros esportes é mais difícil, para o basquete, para o jiu-jitsu, tem suas particularidades."
Para Magic Paula, a falta de respeito da população para com quadras e centros esportivos públicos também afeta a difusão de esportes. "A gente fala que precisa de instalações e, às vezes, acontece de se construí-las e a gente depreda essas instalações. Então, em todo lugar que eu passo, eu olho para uma cesta de basquete e não tem aro. A gente não tem essa cultura de preservar os espaços públicos que nós mesmos podemos utilizar. Acho que faltam bastante locais, principalmente para a gente se desenvolver, para praticar outras modalidades."
"A gente não tem essa cultura que outros países têm de começar essa prática esportiva na escola", seguiu Paula. "Infelizmente, a gente [é visto] como inimigo da educação. O esporte é inimigo da educação".
Para a velocista, as Olimpíadas inspiram, a cada quatro anos, novas gerações de esportistas a conhecer novas modalidades, muito graças à visibilidade que esses esportes ganham na mídia. "Eles passam a ver que podem fazer outras coisas. Que não é só de futebol que a gente vive."
O governo e o incentivo ao esporte
Dos 276 atletas brasileiros competindo nos Jogos Olímpicos de Paris, 246 são beneficiários do programa Bolsa Atleta, segundo Iziane. De acordo com a secretária, o Ministério do Esporte investe cerca de R$60 milhões por ano no esporte de alto rendimento. Para Paula, a prioridade do governo deveria ser outra. "Eu entendo que talvez muitos atletas que estão hoje lá, disputando a Olimpíada pelo Brasil, talvez não estivessem lá se não tivessem passado por um projeto social ou por clubes, né? Somos um sistema político do país, mas nem é um sistema falido."
"Será que o papel do governo é investir o maior montante do recurso dela para o alto rendimento? Não seria [papel] das empresas?", questionou a craque. "Hoje, nenhum governo, nem municipal, nem estadual, nem federal, consegue manter projetos sociais. Não tem equipe, não tem profissionais, não tem gente executando. E eu acho que o papel das ONGs aí é muito forte nesse sentido. É muito no educacional, é muito no trabalho lúdico, mas é assim que surgem os atletas, né? Então, eu me pergunto muitas vezes se é papel do poder público, estadual, municipal e federal, só investir no alto rendimento."
Apesar de concordar com a necessidade de maior investimento público na base, Verônica ainda não vê empresas investindo o bastante no alto rendimento para justificar um aporte menor do governo. "A gente vê aí muitas campanhas rolando aí na TV de apoio a atletas. Mas você não constrói uma medalha de ouro, de prata, de bronze no ano de Olimpíada. Você constrói em dois, três, quatro ciclos olímpicos. Então, eu acho que falta um pouco essa visão do marketing das empresas. Não adianta investir só naquele que é capaz de chegar lá e ganhar uma medalha. E tem muitos ganhando medalha aí que ninguém investiu, que ninguém acreditava que podia chegar lá", disse a velocista, citando o exemplo de Caio Bonfim, medalhista de prata na marcha atlética. "O Caio demorou três Olimpíadas para conseguir conquistar uma medalha, e quantos patrocínios privados ele tem? Zero. Privado, nenhum."
Como bem lembrou a secretária, o Ministério do Esporte passa por um período de reconstrução, tendo sido extinto durante o governo Bolsonaro. "Isso diminui, consideravelmente, todo o seu recurso, né? Então, hoje, nós estamos nos reestruturando novamente. E isso demanda tempo, né? No primeiro ano de governo, você tem um orçamento, e, no segundo ano, buscando mais recursos para promover mais políticas públicas."
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Quero receberPara Paula, a falta de investimento no esporte fica visível em toda a esfera pública. "A gente já começa pelo secretário de esportes das cidades, que ele é a última pasta que recebe um dinheirinho assim; que é um cara que não é nem do meio, que não entende, que não é capacitado, não estudou, não fez nada para estar naquele cargo." Como bem lembrou a ex-atleta, é necessário um diálogo entre o Ministério do Esporte e outras pastas para que o esporte seja visto como questão de saúde pública e educação.
"Hoje, nós temos um acordo de cooperação, tanto com o Ministério da Saúde, como com o Ministério da Educação, para que a gente possa, justamente, também adentrar aí nesses setores com o esporte, para que esse diálogo seja ainda muito melhor", afirmou Iziane.
PARTICIPE
Os painéis da Casa UOL Esporte acontecem de segunda a quinta-feira, às 18. As ativações na Octavio House, em São Paulo e têm entrada gratuita.
Onde: Octavio House, Av. Brig. Faria Lima, 2996.
Quando: de 27 de julho a 11 de agosto.
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