Ela se reinventou, correu pelo Corinthians e virou referência aos 64 anos

*Jackeline Melo, em relato ao repórter Vanderlei Lima

Meu nome é Jackeline Melo, tenho 48 anos, sou arquiteta e filha de Maria dos Reis de Oliveira Melo, uma mulher que se reinventou aos 64 anos e descobriu na corrida que o mundo era do tamanho dos seus sonhos.

Maria é uma mulher que vai completar 72 anos em 6 de janeiro. Casou-se cedo, aos 22, e, como a maioria das moças maranhenses daquela geração, foi criada para servir. Serviu obedientemente ao marido, mudou-se para São Paulo e teve filhos. O tempo passou e logo se viu separada, aos 32 anos, com três filhos e nenhuma autonomia financeira.

Viveu com o que meu pai quis e pôde oferecer. Com dignidade, mas muita submissão, buscou na costura, seu talento nato, uma forma de se sustentar.

Avançamos no tempo: o ano é 2015. Ela veio morar em Caieiras-SP para me ajudar nos cuidados dos meus filhos gêmeos. A rotina com as crianças, sua boa culinária e o inevitável aumento de peso chegaram junto com dores articulares. Maria, com 1,44m de altura, alcançou os 70kg, muito acima dos 56 kg habituais.

Ela começou a evitar fotos, entristeceu e não via solução para perder o peso que a incomodava. Como esportista amadora, sugeri que ela fosse para a academia, mas isso era um tabu. Mulher servil e sem vaidades, Maria não se via entre jovens na academia. Sua criação anulou qualquer possibilidade de se reconhecer como merecedora ou atraente.

Minha mãe nunca se maquiou, nunca foi a festas ou usou joias, e, nessa fase, nem queria ser fotografada. Ela se dedicou aos outros e anulou os próprios sonhos. Não era triste, mas o prazer de fazer algo por si nunca foi uma possibilidade que ela vislumbrasse.

Depois de muita insistência, ela aceitou ir à academia em maio de 2015. Em poucos meses, estava fazendo musculação para fortalecer o corpo e caminhando na esteira. O objetivo era emagrecer, mas nada acontecia. Então, como corredora amadora e conhecedora do esporte, sugeri que ela tentasse correr para acelerar o metabolismo. Ela tinha feito exames e estava saudável para a prática, mas faltavam fôlego e condicionamento. Só tinha sua garra e vontade. Isso bastava.

Como uma formiguinha, pavimentou seu caminho. No início, corria 20 segundos e ficava esbaforida. Semanas depois, já corria 5 ou 10 minutos. Apesar das dificuldades, persistiu. Aos poucos, começou a correr mais, desafiou-se a sair para as ruas com colegas da academia e, no tempo dela, foi evoluindo. Percebi o sorriso surgir, o brilho que ia transformar sua vida.

Para acelerar o processo, dei o "tiro de misericórdia": inscrevi-a em uma corrida de rua, do time de coração dela, Corinthians, a Timão Run. A medalha de participação era o símbolo do time. Contei para ela e disse que, se não corresse, não poderia ganhar a medalha, uma mentira estratégica, já que andar também seria permitido.

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O grande dia chegou. Em novembro de 2015, ela correu os 5 km com paixão e lágrimas nos olhos. Cruzou a linha de chegada com um brilho que emocionou a todos nós, eu, minha irmã e meus filhos. Naquele dia, ela descobriu o que queria para a vida.

Nunca senti meu coração pulsar tão forte Maria dos Reis de Oliveira Melo

Desde então, a paixão só cresceu. Maria já correu muitas provas, conheceu cidades como Rio de Janeiro, Brasília e fora do Brasil. Participou de provas de montanha, como o Brasil Ride em Botucatu, e se tornou expert em pace, marcas esportivas e técnicas de corrida.

Maria dos Reis, São Silvestre 2024
Maria dos Reis, São Silvestre 2024 Imagem: Arquivo Pessoal

Sua transformação foi interna e imensa, passando a enxergar a vida com otimismo e a certeza de que é capaz e merecedora. Foi isso que eu senti da minha mãe.

Perder peso deixou de ser prioridade, mas veio naturalmente. Ela atingiu o peso desejado, tornou-se referência em Caieiras, corre pelas estradas e matas e coleciona pódios e troféus de primeiro lugar na faixa etária.

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Hoje, é atleta da melhor idade na cidade, representando Caieiras nos Jogos Regionais do Idoso (JORI). Viaja para correr com sua equipe e inspira muitos com seu exemplo de superação.

Maria dos Reis 7ª São Silvestre
Maria dos Reis 7ª São Silvestre Imagem: Arquivo Pessoal

Hoje, minha mãe está preparada para mais uma edição da São Silvestre, será a sétima participação. A paixão pela corrida transformou sua vida e a todos ao seu redor.

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