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Maracanã, templo do futebol brasileiro, largado à própria sorte

20/01/2017 14h21

Rio de Janeiro, 20 Jan 2017 (AFP) - Gramado ruim, corrimãos enferrujados e roubos em série: o mítico estádio Maracanã está abandonado, por causa de um imbróglio político-legal que ameaça transformar o templo do futebol brasileiro em um grande elefante branco em desuso.

O gigante estádio do Rio de Janeiro, reformado para a Copa do Mundo de 2014, ainda brilhava há quatro meses, durante o calor das Olimpíadas.

Mas, desde 29 de dezembro, a casa de Fluminense e Flamengo foi abandonado e os 78.838 lugares não voltaram a ser preenchidos. A luz foi cortada e a escuridão tomou conta do espaço.

O palco da final do Mundial de 2014 foi reformado com um valor faraônico de 1,2 bilhão de reais, quase o dobro do orçamento inicial. Um poço de superfaturamento e suspeitas de corrupção.

Os clubes mais importantes da cidade, que começam a temporada na semana que vem, estão impacientes com a não resolução do problema.

"Essa situação é muito preocupante. Cada dia que passa o estádio se deteriora mais. Espero que as autoridades consigam encontrar uma solução rápida", disse à AFP o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Melo.

Além disso, o governo do Estado do Rio está afogado em um mar de dívidas, incapaz de pagar os servidores públicos há meses.

O Maracanã está no meio de uma confusão administrativa muito complicada. Desde 30 de outubro, o estádio deveria ser gerenciado pela concessionária Maracanã SA, que emprestou o campo por oito meses para o comitê organizador dos Jogos Olímpicos Rio-2016.

- Maracanã refém -O consórcio, controlado pela Odebrecht, gigante da construção civil investigada em diversos casos de corrupção, enviou um comunicado à AFP dizendo que "por enquanto não retomamos a posse do estádio e responsabilizamos o Comitê Rio-2016 por não cumprir com os compromissos de devolvê-lo no mesmo estado que antes da competição".

Mario Andrada, diretor de comunicações da Rio-2016, admite que é preciso algumas pequenas reformas, mas garante que até o final de janeiro tudo estaria pronto.

Respondendo às provocações do consórcio, Andrada garante que a Rio-2016 restaurou o estádio e o deixou "em melhores condições do que antes", ainda que tenha sido "forçado a realizar uma série de trabalhos de manutenção de responsabilidade da concessionária".

Mario Andrada acusa a Maracanã SA de "usar o Maracanã como refém para humilhar o Estado e fazer pressão para se livrar da responsabilidade do estádio".

A Maracanã SA pensou em rescindir o contrato em junho de 2016, "por não respeitar as cláusulas originais", assinadas em 2013.

Dois meses depois da assinatura, o governo do Estado do Rio mudou as regras do jogo, cedendo à pressão popular, que bradou contra a demolição de uma escola e dos estádios de natação e atletismo anexos ao Maracanã. O contrato previa a construção de um estacionamento e um shopping no lugar dessas instalações.

O consórcio anunciou que teve prejuízo de 173 milhões de reais entre 2013 e o fim de 2015.

No sábado passado, uma ordem judicial obrigou a Maracanã SA a "retomar as operações de manutenção do estádio imediatamente". Mas o consórcio anunciou que vai apelar da decisão.

A Odebrecht, envolvida no mega escândalo de corrupção da Petrobras, tenta abandonar o estádio há meses. A transição não deve ser nada suave.

- Flamengo irritado -Dois grupos de compradores franceses estão disputando o estádio: a GL Events se juntou aos ingleses da CSM e aos holandeses da Amsterdam Arena, por um lado. A concorrência vem da Lagardère, que se uniu com a brasileira de marketing esportivo BWA.

Os candidatos, porém, demoraram em apresentar as "peças faltantes" à Comissão Avaliadora.

O presidente do Flamengo opinou: "tivemos sérios problemas com a BWA, que era a responsável pela comercialização de ingressos dos nossos jogos no ano passado. Não tem possibilidade que jogarmos no Maraca se esses atravessadores administrarem o estádio".

A opção agora é um boicote. O maior time carioca pede um papel de protagonismo na gestão do estádio, o que teria sido prometido pela GL Events.

Enquanto isso, os arredores do Maracanã oferecem cenas de desolação. Os turistas não podem visitar o estádio e muitos deles se conformam com selfies na entrada. Se bisbilhotarem pelas portas enferrujadas, conseguem ver o estado ruim do gramado.

Para piorar a situação, a Federação de Futebol do Rio (Ferj) denunciou o roubo de televisões, extintores de incêndio e cadeiras das arquibancadas. O busto do jornalista Mario Filho, falecido em 1966 e que dá nome ao estádio, também foi roubado.