Topo

Nove anos depois do acidente, ainda se surfa em Fukushima

Surfista Koji Suzuki pega onda em Minamisoma, na costa de Fukushima - Charly Triballeau/AFP
Surfista Koji Suzuki pega onda em Minamisoma, na costa de Fukushima Imagem: Charly Triballeau/AFP

Minamisoma, no Japão

10/03/2020 14h47

Como todas as manhãs, faça chuva ou faça sol, Koji Suzuki, de 64 anos, pega sua prancha e vai até a praia para domar as ondas que batem contra a costa de Fukushima, um dos lugares mais bonitos do Japão.

Sua praia de Minamisoma fica a cerca de trinta quilômetros ao norte da usina nuclear de Fukushima Daiichi. O surfista ainda guarda na memória imagens do dia 11 de março de 2011, quando um gigantesco tsunami causado por um terremoto submarino de magnitude 9,0 devastou a costa nordeste do Japão.

As águas levaram seu bairro inteiro, cerca de 70 casas, e também sua loja de surfe. "Perdi minha casa, meu emprego, minha loja. Minha mãe morreu durante a evacuação e meu pai alguns meses depois", disse ele à AFP.

"Perdi tudo, menos o surfe", diz ele, lembrando-se daquele dia em que saiu de carro para fugir do tsunami, deixando tudo para trás, exceto duas pranchas curtas que estavam por acaso em seu carro.

Quando ele voltou ao local, no verão de 2011, a praia ainda estava coberta por escombros de casas.

A catástrofe de Fukushima Daiichi, o pior acidente nuclear da história depois de Chernobyl, na União Soviética, continuou a causar vazamentos radioativos, forçando 160.000 pessoas a deixarem suas casas.

''Fukushima nunca se recuperará'

"Era uma visão angustiante, mas o oceano, por outro lado, ainda estava lá, como sempre (...) e eu disse a mim mesmo que se não voltasse para a água, essa costa estaria morta por toda a eternidade", explica Suzuki.

Depois de se certificar de que os níveis de radioatividade não eram perigosos, ele entrou na água uma manhã quando os salva-vidas ainda vasculhavam a praia em busca de pessoas desaparecidas.

Ele retomou naquele dia sua prática diária do surfe, como sempre fez durante décadas.

"Eu surfo cerca de 250 dias por ano", diz ele saindo da água, com a prancha curta debaixo do braço. "Faço uma pausa no Reveillon e no dia seguinte. No resto do ano, venho ver o mar todos os dias".

Nove anos após a tragédia nacional, o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, quer fazer das Olimpíadas de Tóquio 2020 uma vitrine do progresso na reconstrução da região de Fukushima, onde o revezamento da chama olímpica deve começar no dia 26 de março.

O surfe também será pela primeira vez uma modalidade olímpica este ano, mas os testes serão realizados na praia de Tsurigasaki, em Chiba, ao leste de Tóquio.

Suzuki diz apreciar o fato de Fukushima ser apresentado como um local seguro durante o evento olímpico, mas não acredita nos "Jogos da reconstrução" proclamados pelo governo.

"Fukushima nunca se recuperará", disse ele. "Nunca poderei voltar para onde morava e continuar com minha loja... Fukushima vai ficar estigmatizada na história para sempre".

Sabor da água salgada

O Japão enfrenta o desafio do que fazer com cerca de um milhão de toneladas de água contaminada armazenada em cisternas gigantes na fábrica de Fukushima Daiichi.

Essa água radioativa do sistema de refrigeração, das águas subterrâneas e das águas pluviais é filtrada para remover a maioria dos isótopos, com exceção do trítio.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) apoia o governo japonês em seu projeto de despejar a água no Oceano Pacífico.

Mas a vizinha Coreia do Sul questiona a segurança dessa medida, enquanto os pescadores da região temem por sua reputação.

No verão passado, a cidade de Minamisoma abriu oficialmente a praia aos visitantes pela primeira vez desde o acidente.

"Foi maravilhoso ver as crianças entrarem nas ondas. Elas nunca haviam sentido o gosto da água salgada", diz Suzuki.

O surfista não consegue imaginar uma vida sem o surfe. "Quando eu tiver 70 anos e for difícil lidar com uma prancha curta, vou considerar a mudança para a longa".