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Brasileiro que virou desafeto de Pistorius lamenta 'perda' para esporte paralímpico

Marcelo Crescenti e Renata Mendonça

Da BBC Brasil, em Milão (Itália) e em São Paulo

12/09/2014 06h52

Grande admirador de Oscar Pistorius no passado, o brasileiro Alan Fonteles, também paratleta e biamputado, virou desafeto do sul-africano nos Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012.

À época, ele surpreendentemente venceu o favorito Oscar Pistorius na final dos 200m T44 e ficou com o ouro. Derrotado, o sul-africano – condenado nesta sexta-feira por homicídio culposo da namorada, Reeva Steenkamp - deixou a prova dizendo que Alan teria usado próteses maiores do que as permitidas no regulamento, causando um mal-estar entre os dois.

Desde então, Alan e Pistorius nunca mais se falaram, nem competiram juntos. Segundo o brasileiro, aquele que era seu antigo "ídolo" nas pistas não chegou nem a lhe pedir desculpas pelas acusações feitas após a derrota na prova olímpica.

Mas independente da "mágoa" que tenha ficado pelo episódio, o brasileiro admite que o rival fará bastante falta nas pistas e lamentou o fato que acabou tirando o sul-africano do esporte.

"Não tenho muito o que falar sobre isso, infelizmente é um caso a se lamentar… foi um fato lamentável, que só ele pode explicar. É um atleta de grande nível que está saindo do esporte, mas infelizmente isso aconteceu", disse Alan Fonteles à BBC Brasil.

Modelo

Pistorius foi acusado de assassinar Reeva na casa dele em Pretória na madrugada de 14 de fevereiro de 2013 com quatro tiros disparados através da porta do banheiro em que ela se encontrava. O julgamento foi acompanhado com grande interesse pela mídia internacional.

A Justiça sul-africana absolveu Pistorius da acusação de ter tido intenção de matar a namorada, mas condenou-o por homicídio culposo. A sentença ainda não foi anunciada. As leis do país preveem uma punição de até 15 anos de cadeia pelo crime.

Oscar Pistorius virou uma lenda do esporte, não só por todas as suas conquistas no atletismo paralímpico – foram seis medalhas, sendo quatro de ouro -, mas principalmente por ter sido o primeiro paratleta a disputar uma Olimpíada, em 2012.

Alan Fonteles reconhece que Pistorius foi um grande modelo do esporte paralímpico e que sua ausência será uma grande perda para a modalidade. Ainda assim, ele reforça que outros grandes atletas poderão assumir o lugar do sul-africano como "exemplo" para as crianças portadoras de deficiência que queiram se engajar no esporte.

"Acho que isso (a ausência de Pistorius) não pode prejudicar o esporte paralímpico, o esporte paralímpico nao depende de um atleta só, são vários atletas que fazem o movimento paralímpico", disse. "Claro que existe uma grande imagem sobre o Pistorius, mas existe sobre outros atletas também, então eu acho que nenhum atleta prejudica a imagem do movimento paralímpico, existem muitos outros atletas pra poder suprir essa perda."

Desafeto

Oscar Pistorius e Alan Fonteles competiram pela primeira vez juntos na Paralimpíada de Pequim, em 2008. O sul-africano já era um atleta experiente, tinha corrido também nos Jogos de 2004, e conquistou dois ouros na China. Já o brasileiro estava apenas começando, tinha 16 anos e observava Pistorius como um ídolo que queria alcançar.

"Em 2012 eu cheguei focado, coloquei pra mim que eu podia ganhá-lo, então foi uma experiência incrível", contou Alan, que viu Pistorius chegar como grande favorito para os 100m e 200m T44 em Londres, mas acabou tirando o ouro do rival nos 200m. Depois de começar bastante atrás, o brasileiro conseguiu uma arrancada no fim, cruzando a linha de chegada em primeiro.

Só que o paratleta sul-africano, que tinha ficado ainda mais famoso por também ter competido na Olimpíada daquele ano – o primeiro paratleta a conseguir o feito -, saiu da prova criticando bastante o brasileiro e dizendo que ele tinha "trapaceado".

"Não foi uma corrida justa. Vendo o replay, não entendo como é possível avançar, estando oito metros para trás, nos 100 metros (finais), para depois vencer. É absolutamente ridículo", disse à época. ''Sem querer tirar o mérito de Alan, mas esses caras estão bem mais altos, não dá para competir'', acrescentou.

Desculpa

No dia seguinte à derrota, porém, Oscar Pistorius pediu desculpas publicamente por ter "estragado o momento" de Alan.

"Eu jamais iria diminuir o momento de triunfo de outro atleta. E quero me desculpar pelo momento em que fiz meus comentários, após a corrida de ontem'', afirmou. "Eu creio que existe um problema aqui e saúdo a oportunidade de discuti-lo com o CPI (Comitê Paralímpico Internacional). Mas reconheço que levantar essas preocupações imediatamente ao sair da pista foi um erro. Aquele foi o momento de Alan e eu gostaria de deixar registrado que tenho respeito por ele."

Mas segundo Alan Fonteles, o pedido de desculpas de Pistorius nunca foi feito a ele pessoalmente. Depois do episódio, os dois chegaram a se encontrar na Vila Olímpica em Londres, mas o sul-africano sequer o cumprimentou, e a "amizade" que os dois cultivavam pelo menos dentro das pistas ficou abalada.

"Ele disse que pediu desculpas pra mim, mas não chegou a desculpa, ele só falou na mídia mesmo. Esse pedido nunca chegou diretamente pra mim. Mas ele é um bom adversário, não tenho nada para falar dele a não ser esse episódio que aconteceu em Londres", disse.

"Depois disso, eu não corri mais com ele, mas claro que ficou difícil estar do lado dele depois disso. Ele foi um espelho pra mim, eu estava correndo com ele e de repente você vê esse ídolo fazer uma coisa de 'ah, eu não soube perder, eu vou achar uma coisa que me favoreça'. Então isso prejudicou bastante nossa amizade ali na pista, porque eu não tinha amizade com ele fora, era só ali no momento da competição."