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Banido do ciclismo por doping, Lance Armstrong diz: "Faria tudo de novo"

Dan Roan

Editor da BBC Sport

26/01/2015 17h22

Considerado por muitos o maior ciclista de todos os tempos até ter sido banido do esporte por doping dois anos atrás, Lance Armstrong falou pela primeira vez desde 2013 sobre o caso que o transformou de herói a vilão do ciclismo mundial.

Em entrevista exclusiva à BBC, Armstrong admitiu que, sob as mesmas circunstâncias, se voltasse no tempo, não teria mudado a decisão que tomou em 1995, quando começou a se dopar para disputar as principais competições do ciclismo.

"Se eu estivesse correndo agora, em 2015, não, eu não faria isso de novo porque não acho que você precisa fazer", disse. "Mas se você me levasse de volta a 1995, quando o doping era completamente disseminado, eu provavelmente faria tudo de novo."

Lance Armstrong se tornou um ídolo mundial após ter se recuperado de um câncer e vencido a Tour de France (Volta da França), principal competição do ciclismo, por sete vezes consecutivas, entre 1999 e 2005. Ele se aposentou naquele ano, mas decidiu voltar em 2009, quando voltou a sofrer acusações de doping. O ex-ciclista americano acabou banido do esporte em 2012 pela Usada (Agência Americana Anti-Doping), que comprovou o uso de substâncias ilícitas por Armstrong enquanto competia.

O americano era alvo de acusações de doping desde que se recuperou do câncer, em 1996. Armstrong negou veementemente as alegações por mais de uma década.

Até que em 2012, a Usada apresentou um relatório de mil páginas provando o uso de substâncias ilícitas - e de um esquema de troca ilícita de amostras em exames de urina - pelo ciclista americano e o baniu do esporte. Com o resultado da investigação, Lance Armstrong se disse "cansado" de ter de provar sua inocência e afirmou que não iria mais recorrer da decisão da Usada. Assim, ele perdeu todos os seus troféus do Tour de France e todos os outros títulos conquistados ao longo da carreira.

Em janeiro de 2013, Armstrong admitiu pela primeira vez o uso do doping em uma entrevista à apresentadora de TV Oprah Winfrey ( assista a um trecho aqui).

Após a entrevista, ele foi forçado a deixar a instituição de combate ao câncer que ele mesmo criou, a Fundação Lance Armstrong, perdeu seus patrocinadores e ficou distante da imprensa pelos últimos dois anos.

Leia a entrevista completa de Lance Armstrong à BBC:

BBC: Lance, já faz dois anos desde que você admitiu o doping, como ficou a sua vida depois disso?

Lance Armstrong: As consequências de tudo isso foram pesadas, talvez até mais do que eu imaginava. E a forma como contei minha história, no programa da Oprah, ainda que eu ache que ela tenha feito um bom trabalho, ou pelo menos fez o melhor para ela, acabou sendo um pouco brutal. Tem sido bastante difícil lidar com isso, é preciso ter paciência.

Parece que existe alguma luz no fim do túnel... meu maior medo era de chegar aquele dia em que o meu filho mais velho falaria... – meus dois filhos mais novos são muito pequenos para saberem disso ou mesmo para seus colegas de classe saberem -, mas vai chegar um dia que eles vão ter 13, 14 ou 15 anos e vão chegar em casa arrasados, dizendo "pai, ouvi isso no corredor" ou "li isso nas redes sociais, é verdade ou não?". Isso acabaria comigo.

BBC: E com relação ao doping? Você faria de novo?

Lance Armstrong: Se eu estivesse competindo em 2015, não, não faria de novo porque eu não acho que você tem que fazer isso de novo. Mas se você me levar de volta para 1995, quando tudo isso era completamente disseminado, eu provavelmente faria de novo. As pessoas não costumam gostar de ouvir isso.

BBC: Mas essa é sua resposta sincera?

Lance Armstrong: Sim, é uma resposta sincera, mas é uma resposta que precisa de alguma explicação e eu analiso tudo. Quando eu tomei aquela decisão, quando minha equipe tomou aquela decisão, quando todo o pelotão tomou aquela decisão, nós entendemos – foi uma decisão ruim na hora errada. Mas aconteceu.

Quando Lance Armstrong fez aquilo, eu sei o que aconteceu por causa disso. Eu sei o que aconteceu com o ciclismo como esporte de 1999 a 2005. Eu vi seu crescimento, sua expansão. Eu sei o que aconteceu com a indústria do ciclismo. Sei o que aconteceu com a empresa Trek Bicycles,– passando de 100 milhões em vendas para um bilhão.

Sei o que aconteceu com a minha Fundação (Fundação Lance Armstrong), que passou de uma arrecadação zerada para uma arrecadação de US$ 500 milhões ajudando três milhões de pessoas com câncer. Será que todas essas pessoas... será que nós queremos voltar atrás com isso? Acho que ninguém responderia "sim".

Mas o que nós queremos e o que eu quero, não me importo com o que os outros querem, vou te dizer o que eu quero fazer. Eu gostaria de mudar o homem que fez essas coisas, talvez eu não mudasse a decisão, mas mudaria o jeito como esse homem agiu. O jeito que tratou outras pessoas, a forma como ele continuou brigando. Era muito bom brigar no treino, na corrida, mas você não precisa chegar em uma coletiva de imprensa, ou em uma entrevista, ou quando te abordam na rua, e brigar. Quer dizer, eu estaria brigando com você agora. Esse era o homem que realmente precisava mudar e que não pode voltar.

BBC: Se você fosse esse homem na rua, ou um fã do ciclismo, você perdoaria Lance Armstrong agora?

Lance Armstrong: Bom... acho que isso não é justo. Olha, eu não vou mentir pra você. Sendo egoísta, eu diria que sim, estamos chegando perto desse momento. Mas isso sou eu dizendo, minha palavra não importa mais. O que importa, em última análise, é o que coletivamente essas pessoas na rua pensam – seja a comunidade do ciclismo ou a comunidade do câncer. Veja, claro que eu gostaria de poder voltar às pistas, quem não gostaria? O que é muito frustrante... é que se a minha mãe ficasse com esclerose múltipla amanhã – e ainda bem que ela não tem esclerose múltipla -, e isso fosse algo que eu quisesse ajudar e trabalhar por ela, e se eu quisesse correr a maratona de Boston e arrecadar US$ 100 mil para a Associação de Esclerose Múltipla, eu não poderia, e não é só que não poderia correr, eu não poderia andar, não poderia nem correr um pouco e andar nas estações de apoio e finalizar a maratona em mais de 4 horas, mas levantando US$ 100 mil em arrecadação... eu simplesmente não posso fazer isso.

BBC: Mas isso é errado?

Lance Armstrong: Não sei como alguém pode pensar que isso é certo.

BBC: Mas isso não é a natureza da punição, para ela impedir outras pessoas de fazerem o mesmo? Para que ela possa servir de exemplo? Alguns defendem isso...

Lance Armstrong: Às custas dos outros? Não tenho benefício nenhum correndo uma maratona lentamente... onde estão os outros "jogadores" nesta história? Eu entendo, tenho que ser punido, mas temos que olhar para o todo – não temos que olhar para o todo?

BBC: Mas você encabeçou tudo – não foi apenas o doping, foi o bullying, a intimidação, os depoimentos mentirosos, o fato de ter traído seus amigos...

Lance Armstrong: Algumas dessas coisas são verdade, outras não são. Com certeza houve uma desonestidade que eu acho que é lamentável e imperdoável, mas o fato de ter encabeçado o bullying, isso não é totalmente verdade.

BBC: Mas você não colaborou com a Usada (Agência americana antidoping) e outros colaboraram. Aí tem mais uma inconsistência. Talvez se você tivesse colaborado, teria uma punição menor, seria banido por dois anos, quem sabe. Não sabemos, porque você não colaborou.

Lance Armstrong: E isso é uma grande questão... o que a Usada vai dizer a você, o que ouvimos mil vezes, é "Demos a Lance Armstrong a mesma chance que demos aos outros". Ouvimos isso. Mas se você perguntar para George Hincapie, Christian Vande Velde, Dave Zabriskie, Tom Danielson – qualquer um deles, eles vão te contar como foi. A chamada é assim: "você não será punido, aqui está o que precisamos ouvir". Eu nunca recebi essa chamada.

BBC: Você contou mais para o Circ (Comissão de Reforma do Ciclismo) do que contou no programa da Oprah? Chegou a dar mais detalhes para eles?

Lance Armstrong: Eles me pediram para não compartilhar detalhes das duas reuniões, no momento eu posso dizer que, com todo o respeito a eles, independente das perguntas que eles fizeram... eu fui totalmente sincero e transparente. Nesse momento da minha vida, não estou indo lá para proteger ninguém. Só tenho que proteger sete pessoas, e todas elas têm o sobrenome Armstrong.

BBC: Uma das maiores críticas a você, porém, é que na sua entrevista com a Oprah, você não disse como era feito, como o doping foi orquestrado. Foi isso que você fez agora?

Lance Armstrong: Como o quê foi orquestrado?

BBC: O doping.

Lance Armstrong: Mas todo mundo sabe isso, não?

BBC: Bom, não ouvimos nada de você naquela ocasião.

Lance Armstrong: Não quero entrar aqui no que eles perguntaram ou não – ou no que eu respondi ou não. O que posso dizer é que tudo o que eles me perguntaram, eu respondi. Estamos nessa situação porque os Estados Unidos, o Departamento de Justiça, e a FDA (órgão do governo americano que controla alimentos e medicamentos no país) e os agentes federais, obrigaram pessoas a responder perguntas com ameaça de prisão.

BBC: Mas não estamos nesta situação porque você trapaceou? Alguns diriam que esse é o real motivo para estarmos nessa situação.

Lance Armstrong: Quem, eu? Ou todos nós?

 

BBC: Bem, você e outros. Não é o fato de pessoas terem ido atrás deles para saber a verdade... é o fato de isso ter acontecido em primeiro lugar. A raiz do problema.


Lance Armstrong: Claro – mas não acho que ninguém dessa geração teve agentes federais monitorando a porta de suas casas com armas dizendo "você vai responder minhas perguntas"... Sinceramente, nos últimos dois anos, eu não sei se eu fiz ou não fiz algo que eu disse que faria. Eu fiz bem dizendo o que eu disse. Nós conversamos sobre a comissão internacional, eu disse que seria o primeiro cara a ajudar, e eu fui. Por 15 anos, eu fui um completo idiota para um monte de pessoas ou dezenas de pessoas. Eu disse que tentaria fazer tudo certo com essas pessoas e para qualquer um que me desse audiência, eu estava lá.

BBC: Você se arrepende de ter desistido da aposentadoria em 2009?

Lance Armstrong: Muito.

BBC: Por quê? Por que você foi pego?

Lance Armstrong: Não, bem, foi a ponte para o passado. Se eu não voltasse, a vista sobre a água ficaria muito distante. A volta foi a ponte. Mas isso foi uma decisão minha, então preciso assumir a responsabilidade disso. Foi um dos grandes erros da minha vida e eu não tenho um bom motivo para explicar por que eu quis voltar, não tinha nenhum motivo pra isso. Mas se eu não tivesse voltado, não estaríamos sentados aqui tendo essa conversa.

BBC: Mas isso vai reforçar a ideia de alguns críticos que dizem que você se arrepende de ter sido pego, mas não de ter feito o que fez em primeiro lugar, isso mostra uma ausência de remorso. E sem isso, eles estão relutantes em seguir em frente e perdoar. Você entende isso?

Lance Armstrong: Sim, entendo, mas veja, acho que todos nós... se eu voltar para 1995, e alguns começaram mais cedo, alguns começaram mais tarde, mas se considerássemos isso como a estaca zero, acho que todos nós estaríamos arrependidos. Mas você sabe do que nós estamos arrependidos? De termos sido colocados nessa posição. Nenhum de nós gostaria de estar nessa posição. Todos teríamos adorado ter competido homem contra homem, pão, água, todos limpos, de forma natural, chame do que quiser. Estamos arrependidos, sim, estamos arrependidos por termos sido colocados em uma posição e nós olhamos em volta como crianças desesperadas e pensamos, "Deus, tenho que voltar Plano (onde nasceu), talvez voltar para a escola, ou conseguir um emprego, trabalhar em uma loja de bicicletas ou em uma empresa". Ou outro pensou em volta para o leste da Europa, ou para os campos da França...

BBC: Mas há algo de errado nisso? Ok, você não teria uma carreira glamourosa, mas pelo menos teria sua integridade.

Lance Armstrong: Bem... talvez não. Conheço pouquíssimas pessoas que mantêm sua integridade, então.