Local com melhor onda do Rio é marcado por tragédia, esgoto, pedras soltas e vergalhões
O carioca Fábio Aquino é um dos melhores bodyboarders do Brasil. Coleciona troféus nacionais e internacionais.
Mas também uma grande derrota: juntamente com outros atletas que frequentam o canto esquerdo da praia de São Conrado, bem como a ONG Salvemos São Conrado, Aquino vem denunciando há anos o que chama de descaso das autoridades com o local, palco das melhores ondas para a prática do bodyboard no Rio de Janeiro.
Neste artigo para a BBC Brasil, o atleta denuncia o esgoto in natura despejado no mar, as pedras soltas como resultado da dinamitação da rocha em obras da infraestrutura sanitária da região e os detritos de material de construção - como vergalhões -, que põem em risco a vida de banhistas.
Um quadro a que se soma a tragédia do desmoronamento da ciclovia Tim Maia, que matou pelo menos duas pessoas na quinta-feira.
No mesmo dia do desmoronamento, Aquino e outros atletas gravavam, na praia, um vídeo mostrando a destruição parcial do calçadão e o risco para os frequentadores do local.
"Praticamente todas as manhãs, saio de casa em direção a São Conrado, bairro em que está localizada a praia que frequento desde 1987.
Como frequentador assíduo, posso afirmar que o local sempre sofreu com o descaso do poder público. Nos anos 80, convivíamos, no canto esquerdo da praia, exatamente em frente a um hotel cinco estrelas, com uma pequena língua negra que trazia todo o esgoto in natura, ou seja, a céu aberto e sem qualquer tratamento, de todo o bairro de São Conrado, inclusive da comunidade conhecida como Rocinha.
Já na década de 90, essa língua negra se transformou em um rio de esgoto que deixava toda a extensão da praia poluída. Bastava uma simples caminhada na praia para entender a gravidade da situação. O cheiro forte e a poluição da água, que a deixava marrom, eram os sinais evidentes de que alguma coisa estava muito errada.
Os problemas continuaram nos anos seguintes. Quando chegamos ao século 21, o governo do Estado do Rio de Janeiro iniciou uma grande obra com a promessa de sanar os problemas de poluição da praia de São Conrado.
E assim, com um projeto mal elaborado, os governantes apenas tiraram a língua negra que ficava exposta na praia e a jogaram para o Costão da Niemeyer. Para quem não sabe, o Costão da Niemeyer é composto por uma pedra rochosa sólida e, para que a tubulação de esgoto pudesse passar, dinamitaram a rocha para que fosse feito um túnel por dentro da montanha, a fim de levar até o mar o rio de esgoto que existia na frente do hotel.
Todo esse trajeto da tubulação que desviou o esgoto foi escondido pela areia e por um enorme deck de concreto. Sinceramente, até hoje não sei como, na época, eles conseguiram todas autorizações ambientais para tal feito.
A quantidade de pedras que esta intervenção depositou no fundo da praia gerou um perigo constante para os banhistas que frequentam a praia.
Há pouco menos de duas semanas, por exemplo, presenciei um acidente que ocorreu com outro bodyboarder, que é promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ele poderia ter se machucado seriamente já que bateu em uma dessas pedras.
Isso sem falar no esgoto que, lançado do alto da rocha, se espalha - com ajuda da corrente marítima - e contamina toda a orla de São Conrado.
Este ano, estamos passando pelo fenômeno climático chamado El Nino (El Niño são alterações significativas de curta duração, 15 a 18 meses, na distribuição da temperatura da superfície da água do Oceano Pacífico, com profundos efeitos no clima). Por conta disso, a praia de São Conrado está quase sem areia no seu canto esquerdo. As pedras que foram depositadas no fundo do mar durante a obra que supostamente resolveria a questão do esgoto ficaram expostas e as ondas passaram a quebrar com mais intensidade no paredão construído para esconder o esgoto.
Na manhã de quinta-feira, fui à praia checar as ondas e já estava preocupado com o que poderia ter acontecido com essa frágil estrutura de esgotamento sanitário em razão do forte swell (ondulações) que chegara na noite anterior, junto com uma variação de maré muito grande devido ao período de Lua cheia.
Chegando lá me deparei com uma triste cena: a obra realizada apresentava grandes buracos no piso, com o mar passando por baixo, e a rampa que se destinava a levar os banhistas do calçadão para a areia acabou descolando da estrutura. Não é preciso ser engenheiro ou mesmo técnico de obras para entender o risco nesta outra parte da infra-estrutura da orla.
Alertei para esse risco em um vídeo pela manhã e, pouco tempo depois, presenciei a queda de parte da ciclovia da Niemeyer, inaugurada como legado olímpico em janeiro deste ano. Apesar de sempre achar que alguma coisa poderia estar errada durante a sua construção, já que os pilares eram finos e os moldes eram encaixados neles como se fosse um jogo de montar do meu filho, nunca pensei que a mesma pudesse cair.
Passo frequentemente no local da queda, uma vez que esse trajeto liga o Leblon a São Conrado, e percebia que a ciclovia estava sendo construída muito rapidamente, sem que houvesse um chumbamento ou concretagem entre os moldes e nos pilares.
A verdade é que tudo se encaixou para uma profecia desastrosa para a cidade olímpica. Maré alta, ondas grandes, dia de sol, feriado nacional, muitas pessoas passeando pela ciclovia, bodyboarders e surfistas de olho nas ondas, e o mais grave: um possível descaso do governo e dos responsáveis pela obra com padrões de segurança adequados.
Nós, surfistas, que vivemos no mar e do mar, tivemos esse olhar crítico desde o inicio. Por que a empresa que executou essas obras não teve? Por que não fomos convidados a opinar sobre o projeto? Era necessário que pessoas morressem para que os governantes entendessem que as ondas poderiam bater no local “desencaixando” por baixo a ciclovia de sua estrutura?
Sabe o que eu vejo agora? Que foi preciso acontecer uma catástrofe para que todos voltassem as suas atenções para a praia de São Conrado, um mais bonitas do Brasil, com um dos IPTUs mais caros do país, e que está nadando em cocô há anos?
Será que estamos realmente preparados para receber as olimpíadas esse ano? Essa foi a pergunta que veículos de comunicação de várias partes do mundo me fizeram. Sinceramente, não soube responder."
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