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Foto de trans isolada no pódio reacende debate sobre inclusão no esporte

17/03/2022 - Foto mostra a nadadora transgênero Lia Thomas no topo pódio sozinha enquanto as demais medalhistas --Emma Weyant, Erica Sullivan e Brooke Forde-- posam juntas - Reprodução/BBC
17/03/2022 - Foto mostra a nadadora transgênero Lia Thomas no topo pódio sozinha enquanto as demais medalhistas --Emma Weyant, Erica Sullivan e Brooke Forde-- posam juntas Imagem: Reprodução/BBC

23/03/2022 18h34

Uma foto de uma nadadora transgênero sozinha, isolada no primeiro lugar do pódio de uma competição, enquanto as três nadadoras que tiraram segundo, terceiro e quarto lugares posam juntas sorrindo, longe da vencedora.

A imagem foi registrada por uma fotógrafa na semana passada em Atlanta, quando a americana Lia Thomas fez história: ela se tornou a primeira nadadora transgênero a ganhar o título universitário mais importante dos Estados Unidos, com uma vitória no nado livre feminino de 500 jardas.

A foto desencadeou uma série de polêmicas que viralizaram nas redes sociais, com debates televisivos nos EUA e posts de influenciadores levantando diversas perguntas: as nadadoras americanas estariam excluindo a atleta transgênero? O gesto poderia ser interpretado como uma forma de protesto? Atletas transgêneros devem competir nas categorias femininas?

O que aconteceu?

Thomas nadou durante três temporadas pela equipe masculina da Pensilvânia antes de iniciar uma terapia de reposição hormonal na primavera de 2019.

Desde então, ela quebrou diversos recordes para sua equipe feminina de natação da universidade.

A federação americana, USA Swimming, alterou em fevereiro as suas regras, passando a permitir que atletas transgêneros nadem em eventos de elite, estabelecendo critérios que visam reduzir qualquer vantagem tida como injusta, como a exigência de testes de testosterona por 36 meses antes das competições.

Thomas conquistou o título nadando em quatro minutos e 33,24 segundos. Emma Weyant, da Virgínia, que havia conquistado a prata nos 400m medley individual nas Olimpíadas de Tóquio, terminou 1,75s atrás em segundo, e Erica Sullivan ficou em terceiro.

Emocionada, Thomas deu entrevista na saída da piscina: "[Estar aqui] é tudo para mim."

'Alegações falsas'

A foto foi republicada na conta de Instagram de Caitlyn Jenner, celebridade transgênero que já foi medalhista olímpico no decatlo masculino. Jenner vem defendendo Thomas em diversas entrevistas para televisões americanas.

"Ver essa imagem e comentar tudo na semana passada foi tão desanimador e me lembra totalmente o quão importante é apoiar o esporte feminino, que é uma das razões pelas quais me formei", postou Jenner, que possui 12 milhões de seguidores no Instagram.

Uma das primeiras sugestões a surgirem nas redes sociais é a de que as três nadadoras estariam deliberadamente protestando contra Lia Thomas.

No entanto, Erica Sullivan —que aparece na foto usando um chapéu de cowboy— negou a acusação e publicou outra versão da foto. Ela disse que apoia Lia Thomas e que a foto vem sendo espalhada como notícia falsa pelas redes.

"Ser submetida a alegações falsas na mídia da direita devido a esta foto com minhas amigas próximas de Tóquio não é algo que acontece todos os dias", escreveu Erica no post, em referência às outras nadadoras que competiram com ela nos Jogos de Tóquio de 2021.

"Como a foto ainda está circulando, pensei que seria mais fácil postar a foto que pretendia junto com outra foto minha apertando a mão de Lia depois de seu INCRÍVEL 500 nado livre. "

Erica Sullivan, que é abertamente gay, recentemente escreveu um artigo para a revista Newsweek com o título: "Por que tenho orgulho de apoiar atletas trans como Lia Thomas".

"Recebi uma plataforma para defender minha comunidade, e não posso ficar em silêncio enquanto vejo os direitos fundamentais de uma colega nadadora serem colocados em debate", escreveu Sullivan, no artigo. "A nadadora da Universidade da Pensilvânia, Lia Thomas, foi injustamente visada apenas por isso ? por ser quem ela é, uma mulher transgênero."

"Como qualquer outra pessoa neste esporte, Lia treinou com disciplina para chegar onde está e seguiu todas as regras e diretrizes colocadas diante dela. Como qualquer outra pessoa neste esporte, Lia não vence todas as vezes. E quando o fizer, ela merece, como qualquer outra pessoa neste esporte, ser celebrada por seu sucesso conquistado com muito esforço, não rotulada de trapaceira simplesmente por causa de sua identidade."

Reações

A vitória da atleta transgênero desencadeou uma série de reações.

Antes da competição, manifestantes contra e a favor da participação de Lia Thomas na competição realizaram protestos do lado de fora do complexo de piscinas em Atlanta.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, assinou um decreto reconhecendo a vice-campeã Emma Weyant como a verdadeira vencedora da prova.

"Eles [os organizadores do torneio] estão colocando ideologia à frente da oportunidade para as mulheres atletas e acho que algumas pessoas têm medo de falar", disse o político republicano.

A nadadora húngara Reka Gyorgy protestou contra a decisão dos organizadores de deixar Lia Thomas competir. Gyorgy perdeu um lugar na final por um ponto.

"Dói bastante. Esta é a minha última reunião da faculdade e me sinto frustrada. Parece que aquele lugar final foi tirado de mim por causa da decisão da NCAA [entidade organizadora da competição] de deixar alguém que não é uma mulher biológica competir", escreveu Reka Gyorgy em carta aos organizadores.

Gyorgy disse reconhecer que Thomas está "fazendo o que ela ama e merece esse direito", mas disse que "gostaria de criticar as regras da NCAA que permitem que ela compita contra nós".

"Estou escrevendo esta carta agora na esperança de que a NCAA abra os olhos e mude essas regras no futuro. Isso não promove nosso esporte de uma maneira boa e acho que é desrespeitoso contra as nadadoras biologicamente femininas que estão competindo na NCAA."

Outros dirigentes e ex-atletas também reagiram à polêmica.

"Acho que a integridade do esporte feminino, se não fizermos isso direito, e na verdade o futuro do esporte feminino, é muito frágil", disse Sebastian Coe, ex-medalhista olímpico e presidente da World Athletics, órgão dirigente do atletismo mundial.

"Olhe para a natureza das meninas de 12 ou 13 anos. Eu me lembro que as minhas filhas regularmente ultrapassavam os colegas do sexo masculino em sua classe, mas assim que a puberdade chega, uma lacuna se abre e não se fecha mais. O gênero não pode superar a biologia."

"Você não pode ignorar o sentimento público, claro que não. Mas a ciência é importante. Se eu não estivesse satisfeito com a ciência que temos e os especialistas que usamos e as equipes internas que têm trabalhado isso por um longo tempo, se eu não estivesse confortável com isso, este seria um cenário muito diferente."