Topo

Fé, futebol e Erdogan: o primeiro título do Basaksehir, um time sem torcida

Basaksehir, time turco sem torcida, vence primeiro título da sua história - Anadolu Agency/Anadolu Agency via Getty Images
Basaksehir, time turco sem torcida, vence primeiro título da sua história Imagem: Anadolu Agency/Anadolu Agency via Getty Images

Lara Villalón e Ilya U. Topper

Em Istambul, na Turquia

28/07/2020 11h15

Em apenas sete anos, o Istambul Basaksehir passou de um mero time municipal a campeão turco, com uma surpreendente ascensão que tem muito a ver com a política, dinheiro e ideologia do presidente da Turquia, o islamista Recep Tayyip Erdogan.

O clube, que conta no elenco com o experiente atacante Robinho e com o lateral Junior Caiçara, foi coroado vencedor da chamada Super Liga no último dia 19, e a taça foi entregue ontem, em um evento na casa do time, o Basaksehir Fatih Terim Stadium. A festa, no entanto, foi silenciosa, não só porque a presença de público no estádio estava vetado devido à pandemia do novo coronavírus, mas também porque o Basaksehir não tem torcida.

Mais fé que torcida

Nem mesmo em seu próprio bairro, uma extensa urbanização moderna, composta de complexos residenciais com jardins, um guarda na entrada, parques, um riacho artificial cercado de grama e flores, um salão de festas municipal...

Casais e famílias inteiras passeiam pelo parque, a maioria deles usando o véu que caracteriza os seguidores do AKP (Partido Islâmico Justiça e Desenvolvimento), fundado por Erdogan, que governa a Turquia desde 2002. Há também as senhoras com o nicabe preto, que caracteriza os grupos mais fundamentalistas.

Há muita fé na vizinhança, mas, ao que parece consideravelmente menos futebol: você vê mais mesquitas do que bandeiras do clube, mesmo com a façanha realizada na última semana.

"Torcedor do Basaksehir? Não, eu não", respondem os transeuntes, um após o outro, enquanto o estádio moderno brilha de tão novo. Três jovens, que mal chegaram à idade adulta, justificam sua falta de interesse: "O clube é muito jovem e não tem raízes aqui", argumentaram em entrevista à Agência Efe.

Instrumento político

O Basaksehir foi criado em 2014, transformando a antiga equipe municipal de Istambul, o Istambul Büyüksehir Belediyesi, fundada em 1990 e que alternava nas duas primeiras divisões desde 2007, sem estádio próprio.

A equipe adotou o nome Basaksehir (Cidade das Espigas), um bairro residencial na periferia noroeste de Istambul, recebeu um estádio novinho em folha na mesma região e começou uma escalada constante, terminando em quarto lugar no Campeonato Turco em 2015 no ano seguinte e foi vice-campeão em 2017.

O jornalista esportivo turco Bagis Erten explicou à Efe como aconteceu uma ascensão tão rápida. "Por duas razões: porque fizeram algumas coisas bem e porque eles têm o apoio do governo", opinou.

"Em primeiro lugar, estar baseado em Istambul é uma vantagem na atração de jogadores estrangeiros. Eles tinham um bom treinador, Abdullah Avci. Financeiramente, o clube se saiu muito bem: sempre pagou seus jogadores na hora certa, um ponto-chave que não é tão comum na Turquia", completou.

Por outro lado, há o total apoio do governo, que está determinado a construir um clube que incorpore os valores da ideologia islâmica e conservadora, algo que não poderia ser dito dos "três grandes" de Istambul, Galatasaray, Fenerbahçe e Besiktas, todos eles com mais de um século de história.

"Primeiro eles tentaram com o Kayserispor (da conservadora Anatólia), depois com o Kasimpasa (do bairro homônimo de Istambul, onde nasceu Erdogan), mas falharam. Então eles tentaram com um clube sem adeptos, sem história, mais fácil de moldar", comentou Erten.

Dinheiro não faltava: em 2015, o clube assinou um acordo de patrocínio com a empresa de saúde Medipol, que possui um excelente hospital e uma universidade particular, e é dirigida por Fahrettin Koca, ministro da saúde da Turquia desde 2018.

O clube de Erdogan

Muitos chamam Basaksehir de 'O clube de Erdogan', e não faltam motivos para isso. As cores da equipe são laranja, azul e branco, exatamente como as do AKP. A linha de bandeiras em frente ao estádio pode ser confundida com um momento de campanha eleitoral.

Além disso, o presidente do clube é Göksel Gümüsdag, um conselheiro do partido em Istambul que é casado com a sobrinha de Emine Erdogan, a esposa do chefe de Estado.

O próprio Erdogan - como um jogador de futebol apaixonado em sua juventude - disputou o amistoso que marcou a inauguração do Fatih Terim Stadium e desde então nunca deixou de convocar a juventude do AKP para entrar para o clube. Mas nisso ele falhou.

"Basaksehir não tem uma base no jogo, não tem torcedores, não conseguiu criar uma cultura futebolística, nem é um modelo para outros clubes, porque seu sucesso está no apoio do governo, sequer tem um estilo próprio de futebol", descreveu Erten.

Os melhores jogadores

"Eles têm os melhores jogadores que você pode comprar no mercado, mas não têm mais nada", resumiu o jornalista, que enxerga um simbolismo no fato de que o Basaksehir ganhou o campeonato exatamente no ano da pandemia do novo coronavírus, quando não é permitida a entrada de espectadores no estádio.

"Com a pandemia, as outras equipes estão todas na mesma situação que Basaksehir, e assim eles puderam vencer", finalizou o especialista.