Como o campeão mundial dos transplantados mudou norma no Banco do Brasil
Rodrigo Machado sempre foi um apaixonado por esportes. Pegou gosto pelas piscinas na infância e começou a treinar, até se tornar um nadador federado (filiado à federação para participar de campeonatos). Seu sonho era representar o Brasil nas Olimpíadas.
Aos 17 anos, porém, os tempos que registrava no cronômetro não eram suficientes para ele se profissionalizar. Rodrigo parou de competir, mas não largou o esporte. A atividade física era importante para a qualidade de vida do bancário, que ingressou no Banco do Brasil aos 20 anos. Aos 40, completou sua primeira meia maratona (21 km de corrida de rua).
Meses depois, começou a sentir cansaço, fadiga e tontura. Internado no hospital em novembro de 2012, foi diagnosticado com leucemia – câncer que atinge a medula óssea.
O esporte se tornou um aliado para a sua recuperação. “São três pilares de suma importância para o paciente. O primeiro é ter fé, pensar positivo. O segundo é a alimentação, para evitar os efeitos colaterais da medicação. O terceiro, a atividade física, que faz bem tanto para o corpo quanto para a alma, porque durante longas internações a cama é tentadora e podemos ter pneumonia ou depressão”.
Logo no primeiro ciclo de quimioterapia, constatou-se que sua irmã Renata era 100% compatível como doadora de medula óssea. “Foi uma maravilhosa notícia”, relata.
Em abril de 2013, Rodrigo foi submetido ao transplante. Foram 100 dias de isolamento, período em que é maior o risco de rejeição do corpo à medula.
Tudo correu bem durante o processo de reabilitação até 2015. Rodrigo retomou suas atividades no Banco do Brasil. Em agosto daquele ano, correu mais uma meia maratona.
“Vida normal, né? Só que não”
A frase acima dita por Rodrigo descreve o início de uma nova batalha pela vida. Meses após ele correr a meia maratona, sentiu dores abdominais. Fez alguns exames e passou por uma cirurgia aberta exploratória. Em janeiro de 2016, foi diagnosticado o sarcoma granulocítico, um raro tumor sólido extramedular, derivação da leucemia, ou seja, um novo câncer de sangue.
“Iniciei o segundo tratamento, mais complexo que o transplante de medula óssea. Foi uma quimioterapia muito forte, com nutrição parenteral [pelas veias]. Diferentemente do primeiro tratamento, eu não tinha a atividade física como suporte, pois não podia me movimentar. Daqueles três pilares, me agarrei a apenas um, a fé. Segui em frente, sempre acreditando”.
Após três meses de internação, Rodrigo iniciou um novo processo de reabilitação, um tratamento contínuo de infusão de células doadas pela sua irmã Renata. Durante uma dessas infusões, descobriu a existência dos Jogos Mundiais para transplantados.
“Aos poucos, aquele sonho de criança de disputar uma Olimpíada se tornou realidade.”
A volta para as piscinas
Abril de 2017. Era a última semana para a inscrição nos Jogos Mundiais para Transplantados. Rodrigo tinha consulta com sua médica, um ano após a alta hospitalar.
- Você está lindo! Não houve nenhuma infecção. Está tudo certo, Rodrigo.
Ele tomou coragem, colocou os formulários do Mundial já preenchidos sobre a mesa e disse:
- Doutora Maria Cristina, lembra que comentei na última consulta sobre os Jogos para transplantados?
- Lembro. Você quer muito ir?
- Sim!
- Se é o seu sonho, então vá. Seja feliz!
Liberado pelo departamento médico, o nadador tinha dois meses para se preparar. Estava longe das piscinas havia oito anos. Encontrou um lugar para nadar e um treinador, o Valter.
Todo dia, antes de cair na água, consultava os tempos registrados pelos últimos vencedores do torneio mundial. Era uma forma de se motivar, para ver onde tinha que chegar.
O corpo doía com os treinamentos. E o seu técnico não o deixava parar.
- Valter, meu braço está doendo...
- Ainda bem, isso mostra que você tem braços.
Entre um tiro e outro de velocidade, parava...
- Tô morrendo, Valter.
- Tá nada, você está respirando. Cinco segundos para sair de novo. Vamos lá!
Em junho de 2017, Rodrigo embarcou para Málaga, na Espanha.
O sonho de competir
Mais de 2 mil atletas transplantados, procedentes de 52 países, disputaram os XXI Jogos Mundiais para Transplantados, em Málaga. A primeira edição do Mundial ocorreu em 1978, com a presença de 99 atletas.
Quem idealizou a competição foi o médico britânico Maurici Slapack, com a missão de motivar os pacientes, mostrar à sociedade que há vida após o transplante e fomentar a doação de órgãos.
Podem participar transplantados de rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas ou medula óssea, cuja cirurgia tenha ocorrido há pelo menos um ano, com autorização médica para competir.
Rodrigo Machado representou o Brasil em cinco provas de natação. Conquistou duas medalhas de ouro e três de prata, além de ter obtido um recorde mundial.
“Por causa da leucemia e do transplante de medula óssea, realizei um sonho de criança e participei de uma Olimpíada. As medalhas são de extrema importância, só que o mais importante foi conhecer os verdadeiros campeões da vida, de quem virei amigo. Hoje faço parte da Corrente do Bem, para incentivar as doações de órgãos e de sangue."
A mudança de norma no Banco do Brasil
Rodrigo contou sua história durante a etapa São Paulo do Inspira BB, evento organizado pelo Banco do Brasil, em novembro de 2017. Foi aplaudido de pé pelo público.
Após a apresentação do campeão dos transplantados, subiu ao palco da Sala São Paulo o então presidente da instituição, Paulo Caffarelli, para anunciar uma mudança nas normas internas do Banco do Brasil.
Nas vezes em que Rodrigo ficou afastado por mais de seis meses do trabalho por causa da doença, ele foi descomissionado – perdeu as promoções que obtivera durante sua trajetória no banco e voltou a ser escriturário, o cargo inicial na instituição.
Caffarelli disse que isso não aconteceria mais e funcionários afastados, em casos semelhantes ao de Rodrigo, retornariam sem perder as comissões conquistadas durante a carreira.
A assessoria de imprensa do Banco do Brasil informa que as normas foram alteradas, conforme divulgado por Caffarelli na ocasião. “O benefício em questão está vigente, valendo para funcionários que tiverem neoplasia maligna ou doença ocupacional com CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) emitida pelo Banco e Carta de Concessão do benefício do INSS”.
Como está Rodrigo hoje?
Aos 46 anos, Rodrigo Machado é assessor de relações no Banco do Brasil. O tratamento continua, e a cada dois ou três meses ele recebe células doadas por sua irmã Renata. A previsão é que as infusões de células ocorram até junho de 2019.
O nadador segue competindo. Na última semana de outubro, viajou à Argentina para participar dos Jogos Latino-americanos para Transplantados. Retornou da cidade de Salta com seis medalhas no peito – quatro de ouro em provas individuais e duas de prata nas provas de revezamento.
Meses antes, em julho de 2018, foi aos Estados Unidos e ganhou cinco medalhas de ouro nos Jogos Americanos para Transplantados, que serviu de seletiva para o Mundial de 2019, a ser realizado em Newcastle, na Inglaterra.
Rodrigo está feliz não somente pelos seus resultados. “Na Argentina, tivemos o maior número de atletas brasileiros em uma competição para transplantados: 20 no total. E foi o maior número de medalhas conquistadas”, conta.
“O objetivo é motivar as pessoas a acreditarem em si próprias e mostrar a importância da atividade física. Não sou um super-homem, muito menos um superatleta. Sou uma pessoa comum, graças a um gesto de amor da minha irmã doadora. Então doe você também”, finaliza o campeão das piscinas e da vida.
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