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Ela fez regata grávida de 7 meses. E a filha hoje é campeã mundial de vela

Família Grael: Andrea, Marco e Martine, da esq. para dir., e Torben, no centro - Reprodução/BlogdoAxelGrael
Família Grael: Andrea, Marco e Martine, da esq. para dir., e Torben, no centro Imagem: Reprodução/BlogdoAxelGrael

Roberto Oliveira

Do UOL, em São Paulo

26/04/2015 06h00

Andrea Soffiatti começou a velejar aos dez anos. “Eu achava aquilo incrível, ver crianças com independência de timonear um barco sozinhas, sem nenhum adulto por perto. Me encantava essa liberdade.”

Quando começou a escolinha de vela, na Lagoa Rodrigo de Freitas, mal sabia ela que o esporte mudaria sua vida para sempre e proporcionaria grandes alegrias a sua família. Hoje, 41 anos depois, ela também responde por Andrea Grael – mestre em veterinária, mulher do multicampeão da vela Torben Grael e mãe de Marco e Martine Grael, campeã mundial da categoria 49erFX com a parceira Kahena Kunze, no ano passado, em Santander, na Espanha.

Aos 24 anos, Martine Grael é hoje uma grande aposta da vela brasileira, mas sua relação com o esporte começou antes mesmo de ela nascer. E ninguém melhor para contar essa história que sua mãe.

“A Martine começou a velejar na minha barriga. Eu fiz uma regata só com tripulação feminina, em 1990, de Santos pro Rio. Umas amigas me convidaram mas não sabiam que eu estava grávida. Eu ia fazer o timão do barco e na época não falei nada, porque queria muito fazer aquela regata. Aceitei o convite e aí no final eu falei: ‘Só tem um detalhe, estou de barriga’. Foi uma surpresa”, revelou Andrea ao UOL Esporte durante o Campeonato Mundial de Vela Soto 40, disputado na praia de Jurerê, em Florianópolis, no início do mês.

“Aí eu fui, completei a prova, foi ótima, tava com sete meses, foi a primeira regata da Martine, com sete meses de um lado pro outro da minha barriga. E o legal é que eu não sabia se era menina, aí quando ela nasceu eu comentei com as tripulantes: ‘Só pra confirmar, meninas, a tripulação era de fato 100% feminina’”, brinca ela, com fala rápida e gestos pouco comedidos.

Hoje especialista em veterinária de aves, Andrea chegou a conquistar títulos importantes enquanto competiu à vera. Foi vice-campeã brasileira da classe Optimist e depois sagrou-se campeã brasileira de Laser.

“Aí vieram os filhos e eu não quis mais, eu não tinha condição de fazer campanha olímpica e cuidar dos filhos, só que o Torben também estava em campanha olímpica de alto nível. Na época para mim não foi coisa muito fácil. Acabei optando por cuidar da garotada e de outras coisas da carreira do Torben. Começei a velejar só por prazer, fazendo meu máximo e dando meu limite. Até hoje eu adoro sumir por aí, tenho um barquinho pequeno ainda. Eu vou, vou, vou…É uma higienie mental maravilhosa. E eu que ensinei meus filhos a velejar’, diz mais uma vez em tom de brincadeira, sempre bem humorada.

“Ninguém vive de vento”
Ainda na adolescência, Andrea começou a competir. “Também sou muito competitiva”, revela. “Nas competições acabei conhecendo o Torben por acaso, a gente tava disputando uma regata no Laser, naquele clima de adversário, você queria matar todo mundo, eu olhava pra cara dele e queria matar ele, queria que ele ficasse atrás de mim. Aí veio a amizade, começamos a frequentar os mesmos grupos e começamos a namorar uns dois anos depois. O bacana é que quando nós dois começamos ele era um velejador qualquer. É muito legal eu ter feito parte dessa estrada em ascendência dele”, conta.

A relação de Andrea e Torben foi se tornando cada vez mais íntima, até que os dois decidiram se casar alguns anos depois de se conhecerem numa regata de vela. Mas em qualquer casamento, além de amor, é preciso ter dinheiro.

“A gente não tinha dinheiro nenhum, os dois viviam ralando. Ele começou a ganhar um dinheirinho aqui, outro ali, aí meu pai pediu uma reunião particular. E veio com a pérola, falando sério: ‘Vocês vão casar, tem a vida toda pela frente, não dá pra ficar vivendo de vento, né’”, contou Andrea aos risos.
Na época, Torben construiu um pequeno estaleiro, onde fabricava barcos de competição para vender aos amigos. “Foi a maneira que ele tentou de não viver de vento.”

Mas quando se trata de barco a vela, viver de vento é o que faz a família Grael. E Torben logo conseguiu os primeiros patrocínios e convites para comandar tripulações mundo afora.

Construtor, piloto, mecânico. E jogador de xadrez
Torben Grael não é um velejador comum. E não é só pelos títulos olímpicos e mundiais. Quando está num barco a vela, ele se transforma em personagem. Fora d’água, é tranquilo; no mar, fica agitado. Quando comanda uma tripulação - grita, vai para um lado do barco, xinga, volta ao lado oposto, se agacha, olha por debaixo das velas, conversa com um, reclama com outro, mais um palavrão, não para um minuto sequer.

Mas por quê? Andrea explica: “O Torben pensa igual a xadrez, ele pensa na quinta jogada adiante, não está pensando só naquela jogada ali. Então para chegar naquele quinto passo adiante, o passo de agora tem que ser dado de outra forma. É isso o pessoal não entende, por isso ele fica maluco, porque o pessoal não vê o que ele está enxergando. Para ele é muito simples, só que as pessoas que estão ali não entendem as coisas como ele. Eu sempre digo isso a ele”.

Sem poupar elogios ao maridão, bicampeão olímpico e dono de cinco medalhas dos jogos, ela continua: “Ele é completo, ele vê tudo, ele sabe tudo. Se colocar ele na proa do barco, ele sabe o que fazer; se pedir para ele pra desempenar uma peça, ele sabe fazer. É como se ele fosse o construtor, o piloto e o mecânico ao mesmo tempo. Ele tem o domínio do barco inteiro. Quando o Torben entra num barco a vela, ele vira um personagem, vira outra pessoa, ele incorpora o barco. Ele é super calmo e tranquilo, mas no barco não. Parece que ele liga no 220 volts, entrou ali, acabou a brincadeira, é muito legal”.

Para os Grael o barco é uma igreja; e a vela, uma religião. Eles velejam juntos de cruzeiro de vez em quando. Cozinham a bordo, se divertem, brigam, fazem as pazes, tudo em alto mar. Pode até não parecer, mas é uma família como outra qualquer. Com a diferença que nem todo mundo consegue “viver de vento”.