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Na Rota do Rali Dakar 2010 - Vida de touareg

Klever Kolberg é colunista do <b>UOL</b> durante o Dakar - João Pires/Divulgação
Klever Kolberg é colunista do <b>UOL</b> durante o Dakar Imagem: João Pires/Divulgação

Klever Kolberg

Especial para o UOL Esporte

05/01/2010 07h00

O Dakar 2007 para mim e para meu co-piloto Eduardo Bampi começou com o sobe-e-desce típico de uma montanha russa. No primeiro dia, em Portugal, um ótimo resultado, perto do topo. Depois, ainda em terras portuguesas, uma escorregada na curva e problemas mecânicos que nos levaram a um passo do fundo do poço. Mas ainda faltava muita prova. Aos poucos, começamos a nos reerguer. Recuperamos várias colocações. Retomamos o ritmo e voltamos a andar entre os 20 primeiros (entre 180 carros) na sexta etapa, já nas temidas dunas gigantes da Mauritânia. 

Em Zouerat, um improvável vilarejo no meio do deserto, conseguimos alugar uma casa para ter uma noite mais tranqüila de sono. Parecia uma boa idéia. Quatro paredes brecam o vento e isolam do constante barulho de motor que faz a trilha sonora dos acampamentos. Na manhã seguinte, no entanto, descobrimos que a casa havia sido invadida e todo nosso dinheiro levado. Em vez de levantar, arrumar as coisas, tomar café da manhã e nos concentrarmos para mais um dia de luta com o deserto, tivemos que tentar, com um fino fio de esperança, encontrar os ladrões. Fomos inclusive dar queixa em uma cabana no meio do deserto, onde diziam, funcionava o posto policial local. Nada adiantou, é claro. 

Com o bolso vazio e o humor ferido, encaramos a sétima etapa. A Especial (trecho cronometrado) começou com uma pequena tempestade de areia. Pequena, mas suficiente para confundir o cérebro de boa parte dos navegadores. Nos encontramos e seguimos até o km 100, quando pedras se juntaram à areia e nos obrigaram a um ziguezague infernal. Como o Mitsubishi tem proteção que não acaba mais, encaramos o maldito terreno sem problema. No km 124, para tristeza geral da nação, o carro travou. A ponta da tampa do diferencial traseiro havia rachado, deixando o óleo vazar. Sem diferencial, não tem tração. Sem tração, é impossível andar na areia fofa. 

Quando estávamos parados, à espera de ajuda, o André Azevedo, piloto do caminhão da equipe brasileira, passou por nós. Nem pedimos ajuda porque sabíamos que ele não tinha a peça. Três horas depois, chegaram dois dos nossos caminhões de apoio, mas, quem diria, sem o tal diferencial no respeitável estoque. Coincidência ou não, o mesmo problema havia ocorrido com os outros carros que compartilhavam nossa estrutura de apoio. Pior. Os caminhões já faziam às vezes de guincho resgatando dois carros quebrados. Eles seguiram em frente e nos deixaram ali, sem lenço, sem documento e sem mapa, esquecido na casa por conta do tumulto criminoso da manhã.. 

Com o GPS bloqueado pelo regulamento do rali e sem mapa, como sair dali? Que dia! Daqueles que você se pergunta: O que estou fazendo aqui? Afinal isso não é serviço militar obrigatório. Mas no Dakar não é permitido perder a calma ou simplesmente estacionar o carro e sair andando. No Saara não passa táxi. Minha experiência dizia que bem depois dos veículos retardatários viriam os touaregs, os habitantes do deserto. Eles costumam seguir o rastro da corrida para varrer o deserto, recolhendo tudo deixado para trás pela caravana. Bingo! Muitas horas depois, lá estavam eles. Após uma longa negociação, eles e uma picape 4x4 suaram para nos tirar do atoleiro e nos levar até o acampamento, onde chegamos apenas na manhã do dia seguinte.

*O piloto de rali Klever Kolberg participou 21 vezes do Dakar, dez de moto, 11 de carro e uma como chefe de equipe. Ele escreve artigos exclusivos para o UOL Esporte sobre os bastidores da maior e mais difícil competição off road do mundo. A 31ª edição da prova começa no dia 1º de janeiro de 2010 em Buenos Aires e chega na mesma cidade no dia 17 de janeiro