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Na Rota do Dakar 2010 - Cidade invisível

Klever Kolberg é colunista do <b>UOL</b> durante o Dakar - João Pires/Divulgação
Klever Kolberg é colunista do <b>UOL</b> durante o Dakar Imagem: João Pires/Divulgação

Henrique Skujis*

Especial para o UOL Esporte

11/01/2010 07h01

A convite do piloto Klever Kolberg, escrevo a coluna de hoje sobre o Dakar. Ele me pediu que falasse sobre o que mais me marcou durante as minhas quatro participações como jornalista na prova (1997, 1998, 2005 e 2006).

Missão difícil. Mas das mil imagens, sensações e reflexões que mexem com o corpo e com a mente de quem vai para o Dakar, uma que até hoje causa espanto e mostra o tamanho dessa prova é a de um pelotão uniformizado erguendo e encaixotando o acampamento inteiro todo santo dia. Pelas mãos daquelas pessoas, uma “cidade” surge do nada e desaparece no nada em poucas horas. De noite, está na Mauritânia. De manhã, no Mali.

O acampamento, batizado no Dakar de Bivouac (termo francês para designar acampamentos de guerra), muda sua localização de um dia para o outro. Casas, restaurantes, hospitais, oficinas mecânicas, escritórios, borracharias, postos de gasolina são empacotados para seguir nas primeiras horas da manhã a bordo de dezenas de aviões, helicópteros, carros e caminhões até o próximo endereço. Quando seus milhares de habitantes chegam, Bivouac já está montada, quase idêntica à antecessora. Só a localização no mapa mudou.

Para mover a cidade pela África, um exército de 300 pessoas se encarrega de desmontar e montar tudo. O desmanche começa por volta das 22 horas. A tenda de imprensa, por exemplo, com paredes e tetos de lona, impressoras, computadores, mesas e bancos, é esquartejada a ponto de caber em uma dúzia de caixas. Na manhã seguinte, já está a centenas de quilômetros, pronta, como se tivesse sido teletransportada.

O mesmo acontece com o hospital, onde 50 médicos trabalham para socorrer desde uma pequena dor de garganta até fêmures quebrados, traumatismos cranianos... Vale lembrar que a grande diversão dos moradores dessa cidade móvel é apostar corridas entre a extinta e a nova Bivouac. Eles fazem isso a bordo de veículos cheios de potência diariamente, por mais cansados que estejam. Um perigo. Por isso, vinte doutores ficam de prontidão, em terra, esperando pelos feridos. O restante dos médicos passa o dia voando em helicópteros à caça dos inevitáveis acidentes.

Nos dois restaurantes e na limpeza da cidade trabalham sempre as mesmas 70 ou 80 pessoas. Por dia, elas servem 6 mil litros de água e 1,5 tonelada de comida. Outros tantos cuidam do abastecimento das aeronaves e dos veículos – são 100 mil litros de combustível por dia.

O que muda quase sempre na cidade é o piso. Quando Bivouac está no Marrocos, costuma ser de asfalto. Na Mauritânia, o reino das dunas, é a vez da areia ficar sob os pés dos moradores. Quando a cidade segue para o Mali, o piso é de terra e de grama amarela, típica das savanas africanas.

A peregrinação da cidade acontece por duas semanas, em janeiro. No restante do ano, Bivouac fica dobrada em caixas, adormecida. Seus habitantes voltam para as suas cidades de verdade para consertar e preparar as máquinas com as quais vão viajar de Bivouac para Bivouac no próximo ano.

* texto inspirado no livro Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino
**Henrique Skujis é jornalista especializado e escreveu esta coluna a convite de Klever Kolberg
***O piloto Klever Kolberg participou 21 vezes do Dakar, dez de moto, 11 de carro e uma como chefe de equipe. Ele escreve artigos exclusivos para o UOL Esporte sobre os bastidores da maior e mais difícil competição off road do mundo. A 31ª edição da prova começa no dia 1º de janeiro de 2010 em Buenos Aires e chega na mesma cidade no dia 17 de janeiro.