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Códigos, rádios e trapaças: conheça o jogo de espiões do automobilismo

Átila Abreu se prepara para sessão de treinos: cuidado com os espiões! - Arte UOL sobre foto de Luca Bassani
Átila Abreu se prepara para sessão de treinos: cuidado com os espiões! Imagem: Arte UOL sobre foto de Luca Bassani

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

13/03/2013 06h00

A Fórmula 1 reúne o que há de mais moderno. Nas fórmulas europeias de acesso, o foco é no desenvolvimento do piloto, não do carro. Na Stock Car brasileira, equipamentos iguais, com novatos e veteranos buscando o melhor ajuste. Já a Nascar envolve a elite dos EUA em uma das categorias mais populares do planeta.

O universo do automobilismo não poderia ser mais variado. Pilotos, carros, pistas, muita coisa muda de uma categoria para a outra. Um detalhe comum a todas elas é o cuidado com as informações. A cada fim de semana, um verdadeiro “jogo de espiões” é disputado nos boxes dos autódromos.

Pilotos e engenheiros se comunicam com códigos secretos. Mudanças que deram certo acabam “escondidas” no meio das voltas. Mecânicos vão para pontos chave da pista para analisar o trajeto dos carros mais rápidos. Isso sem falar em escâneres de rádio, para ouvir os diálogos secretos dos rivais.

Cobiçando o carro do próximo

Uma das histórias mais comuns pode ser vista, a cada fim de semana de corrida, na brasileira Stock Car. Principal categoria nacional, ela reúne os mais talentosos pilotos do país buscando tirar o máximo de velocidade de um equipamento igual. Então, quando alguém consegue algum tipo de vantagem, todos os outros tentam entender o que aconteceu.

“O jeito mais básico [de espionagem] é ficar olhando o carro nos boxes ou no grid. Espionagem mais séria acontece na Fórmula 1, mas é claro que nas nossas categorias tentamos ver algumas coisas. A altura e a posição das asas, por exemplo, são detalhes bem visíveis”, admite o piloto Tuka Rocha, veterano de duas temporadas na Stock (e com experiência em categorias européias).

Isso aconteceu, no ano passado, com Átila Abreu, terceiro colocado na temporada. Em um dos treinos em São Paulo, ele fez uma volta muito mais rápida do que os rivais. Ao chegar ao boxe, percebeu que a movimentação era muito maior do que a de costume. O único problema foi que quem olhou e copiou deve ter se arrependido. “O carro estava ruim. O acerto funcionava por uma volta, mas o rendimento caia muito a partir da segunda. Coisas assim acontecem, mas todo mundo só queria saber da velocidade”, relembra.

Silêncio no rádio

Em um ambiente tão competitivo, acompanhar os treinos pelo rádio de uma equipe é quase um exercício de contraespionagem. O UOL Esporte fez isso com o time de Átila Abreu, em Interlagos. A comunicação foi mínima. Nada de informação precisa, só observações como “testa mais duro” ou “a traseira está solta”. “Evitamos mesmo falar sobre detalhes”, confessa Átila. “Qualquer um pode estar ouvindo no rádio. Nos treinos, podemos esperar e falar ao vivo com a equipe. É melhor assim”, admite.

Pior é a situação da Nascar. Nos EUA, a comunicação entre time e piloto é aberta. Qualquer torcedor (ou adversário) pode usar um escâner de frequências, disponível para aluguel no próprio autódromo, e ouvir as conversas. Acha que, por isso, o silêncio impera? “Na Nascar tem muito mais conversa via radio e é fácil explicar o motivo. Como não tem nenhum tipo de telemetria, o sistema de aquisição de dados é basicamente aquilo que o piloto reporta para o engenheiro”, conta Nelsinho Piquet, que após fazer carreira na Europa e chegar até a Fórmula 1, hoje corre nos EUA.

Mesmo assim, dá para disfarçar. “Não existe uma orientação clara sobre esconder informações no rádio. Mas obviamente o piloto sabe quando não é para falar alguma coisa. Nos treinos, nunca vai falar que o carro melhorou muito. E também tem alguns macetes para não mostrar potencial. Se você faz um ajuste e dá muito certo, pode preferir nem encerrar a volta. Não marca tempo, recolhe para o boxe e pronto. Isso era muito comum na Europa. Várias vezes, eu saía dos boxes, fazia um pedaço da volta com tempo bom e acabava tirando o pé no final”, revela o filho do tricampeão de F-1 Nelson Piquet.

Os códigos secretos

Esse "macete" foi usado pelo próprio Nelsinho em uma corrida há pouco tempo. “Aconteceu nos treinos da Grand-Am, categoria em que corri as 24 horas de Daytona. Nela, o regulamento determina equalização da potência dos carros, conforme o desempenho que eles apresentam. Então, nos treinos livres todo mundo tirava o pé um pouco no fim da volta. O circuito usa duas curvas rapidíssimas do oval de Daytona e quando vinha numa boa volta, o pessoal lembrava pelo rádio: ‘mantenha o freio aquecido’”.

Outros códigos são mais difíceis de entender. O próprio Nelsinho se lembra de seus tempos de F-1, quando um simples toque no botão de rádio tinha significados maiores. “Nos treinos da F-1 podia ter um ou outro código, para reportar como o carro melhorou depois de um ajuste, por exemplo. Depois de falar que a mudança ‘foi ok’, você pode apertar uma vez a mais o botão de acionar o microfone. E o engenheiro ouve aquela estática e sabe que a mudança deu muito certo”, lembra.

Espionagem na cara dura

Essas histórias mostram um “jogo de espiões” mais discreto, que só os iniciados percebem. As próximas são muito mais óbvias. Uma delas é de Luciano Burti, hoje na Stock Car, mas com passagem importante pela F-1 e, no caso, nas categorias de base do automobilismo europeu. Durante tomadas de tempo, era comum para ele olhar para o lado em certas curvas e ver mecânicos ou engenheiros rivais, só olhando.

“Eles colocam membros da equipe para ver com qual trajetória eu usava, com qual marcha entrava na curva”, diz. O expediente também acontece na Nascar, com os “spotters”. “São olheiros de cada carro que ficam no ponto mais alto do circuito e vão narrando a prova para os pilotos. Eles alertam para acidentes, informam quais são as linhas mais rápidas, se tem algum carro à frente muito instável”, explica Nelsinho Piquet.

Outros casos são mais graves. Burti, que recebia, quando era piloto de testes da Ferrari, e-mails de engenheiros de equipes rivais perguntando detalhes de seu carro, lembra de um episódio envolvendo um computador, um engenheiro descuidado e um zoom muito potente. “Naquele caso, informações importantes do motor Mercedes foram descobertas quando o engenheiro vacilou: deixou o computador virado para frente nos boxes. Algum fotógrafo, contratado por outra equipe, conseguiu captar todas as informações usando o potente zoom da sua câmera”.