Topo

Famílias pressionam pilotos a abandonarem motovelocidade após nova morte

Danilo Berto, 35 anos, morreu em um acidente no circuito de Interlagos, no aquecimento de uma prova do SuperBike - Acervo pessoal
Danilo Berto, 35 anos, morreu em um acidente no circuito de Interlagos, no aquecimento de uma prova do SuperBike Imagem: Acervo pessoal

Felipe Pereira e Patrick Mesquita

Do UOL, em São Paulo

28/05/2019 04h00

A temporada 2019 de SuperBike teve três corridas e duas mortes no mesmo circuito, Interlagos. Danilo Berto foi o último piloto morto a sofrer um acidente fatal - ele corria contra a vontade da família. Ano passado, precisou reconstruir a perna direita depois de cair na largada na mesma Interlagos e ser atropelado. Como tantos companheiros de grid, sofria pressão para abandonar as pistas.

Nenhuma família fica confortável com uma pessoa amada acelerando a 300 km/h com a cabeça servindo de para-choques. Mas a repetição de mortes aumentou a pressão sobre os pilotos. A afirmação é de Alex Schultz, companheiro de Danilo na Pitico Race Team. Ele mesmo é sobrevivente a um acidente que fez precisar ser reanimado na pista de Interlagos.

"Eu entendo os dois lados. Consigo entender minha paixão de estar lá competindo. Mas também compreendo os familiares. Eles querem que as pessoas voltem para casa. Moto não é para ter risco. Se não colidir e não for atropelado, há uma chance muito baixa de fatalidade. A gente usa uma armadura, um equipamento muito bom".

Schultz disse que o dia de ontem foi pesado no esporte. A pressão cresce sobre os pilotos e também sobre a organização do SuperBike. Honda e Yamaha, duas fabricantes que tinham equipes e patrocinavam o evento, deixaram a categoria.

A morte de Danilo serviu como gota d'água na avaliação de Schultz. Ele afirma que o momento é encarado como hora da virada na motovelocidade. O piloto defende uma união entre organizadores, pilotos e as fábricas. O grande sonho dos pilotos é um motódromo, circuito que conta com todas as especificações de segurança para corridas de motos.

A área de escape seria grande, com britas e um colchão de ar antes do muro. Este é o tipo de estrutura onde ocorrem as provas do Mundial e não há registros de mortes nestas corridas. No Brasil, os eventos são realizados em autódromos adaptados.

Interlagos é o melhor circuito do Brasil para Motos

Bruno Corano é o idealizador da SuperBike e alvo de muitos questionamentos. Ele ressalta que o esporte é de alto risco e diz não estar preocupado com arranhões a imagens da categoria. Afirma que a prioridade é a segurança dos pilotos. O organizador também ressalta que em momentos como este muitas pessoas sem embasamento fazem análises distorcidas.

Líder da Comissão de Segurança de Motovelocidade, Corano declara que houve ampliação da segurança nos últimos anos e diz que há menos acidentes no Brasil que na Ásia e Inglaterra, berço da motovelocidade mundial.

O idealizador da SuperBike acrescenta que há vistoria das motos antes das provas, equipe de socorristas nos circuitos liderada pelo melhor médico de traumas do esporte a motor no Brasil e exigência de cursos de pilotagem por parte dos participantes nas corridas. Corano afirma que Interlagos é o circuito mais adequado para corrida de motos no Brasil, mesmo sendo local de uma morte em abril e outra em maio.

Schultz, conta que são necessárias medidas drásticas porque todo status que a motovelocidade adquiriu no Brasil corre risco. O piloto não acredita na sustentabilidade de uma categoria em que os participantes morram. Mas ele diz que, investindo em segurança, o problema acaba, Honda e Yamaha voltam e o caminho de crescimento é retomado.

"A virada é focar na segurança e todo mundo dar as mãos. Não pode virar guerra sobre quem é o culpado. Os principais envolvidos precisam se unir e resolver a situação".

SuperBike - Divulgação/SuperBike Brasil - Divulgação/SuperBike Brasil
Imagem: Divulgação/SuperBike Brasil

SuperBike não é homologada

A categoria onde ocorreram as duas mortes tem imensa visibilidade, mas não conta com a homologação da CBM (Confederação Brasileira de Motovelocidade). O presidente, Firmo Alves, declara que a entidade já foi parceira da SuperBike e hoje organiza outra competição.

Ele explica que a Lei Pelé permite que organizadores realizem corridas sem homologação da CBM. Mas ressalta que para fazer parte do calendário da categoria precisaria haver ajustes.

"Ele teria que ter profissionais com carteira internacional da Federação Internacional. Os pilotos teriam que ter carteira de atleta, exigimos nível técnico. Você pode ser piloto, mas tem que ver o nível".

Atual campeão da SuperBike, Eric Granado, não manifestou insegurança em correr em Interlagos. O piloto disse confiar na avaliação técnica da organização e acrescentou que tem conhecimento de negociações de melhorias entre os diretores da categoria e a Prefeitura de São Paulo, proprietária do circuito. Participantes de provas no exterior, ele avalia que o padrão de segurança pode aumentar.

"Aqui no Brasil é preciso trabalhar a cultura do esporte por meio da prática segura em primeiro lugar".

Neste ano, porém, será difícil o Granado defender o título: a Honda, equipe da qual faz parte, se retirou da categoria. O companheiro dele, Pedro Sampaio, diz não se sentir em risco em Interlagos e as demais provas da categoria. "Eu me sinto seguro para disputar o campeonato".

A SuperBike corre risco. Está sob pressão das fábricas e das pessoas envolvidas com motovelocidade. Os pilotos, sob pressão em casa. A expectativa é por respostas que aumentem a segurança. A resposta começa a ser dada em 16, data da próxima corrida. Mais uma vez, em Interlagos.