Sem dinheiro, piloto negro desistiu do sonho da F1: "chances são mínimas"
Romullo Tadeu Melo e Silva tinha só 11 anos quando ia escondido até o kartódromo de Guará, no Distrito Federal, ver as corridas de kart. Era uma paixão que se transformou no sonho de ser piloto da mais famosa das categorias, a Fórmula 1. Ele sabia das dificuldades: sua família não tinha dinheiro para bancá-lo em um esporte tão caro. Além disso, o último piloto negro a disputar uma prova na modalidade havia sido Affonso Rangel entre as décadas de 80 e 90.
Aos 38 anos, Romullo conta que até conseguiu patrocínio, e por sete anos viveu o sonho do automobilismo. Correu profissionalmente e fez parte da equipe do piloto Nelsinho Piquet, de quem é um grande amigo. Mas as portas não se abriam para ele: não bastava ter talento, era preciso muito dinheiro e quebrar barreiras raciais dentro de uma modalidade que historicamente quase não abre as portas para negros.
Ainda na infância, conseguiu um emprego como mecânico no kartódromo só para viver naquele ambiente que, em sua cabeça, seria seu futuro. No início, os pais, uma funcionária pública e um engenheiro de Furnas, eram contra. Eles até gostavam do automobilismo, mas achavam que o futuro do filho era nos livros e não queriam vê-lo frustrado, caso os planos no automobilismo não dessem certo. Eles sabiam que seria praticamente impossível que um garoto simples de classe média, vindo de Marabá (Pará), tivesse futuro naquele esporte.
"Comecei a ir escondido dos meus pais e a articular como seria para começar a pilotar. Comecei a trabalhar para um dos pilotos, o Vitor Vieira. Eu perguntei para ele se conseguisse patrocínio poderia andar em um dos karts dele e ele falou que sim. Como um menino conseguiria um patrocínio? Acho que o pessoal achava que eu era adulto no telefone [quando ligava para as empresas pedindo dinheiro]. Consegui com a Varig, uma empresa de telemarketing e outras. Na época, eu precisava de R$ 2.500 por mês e consegui o dinheiro. Comecei a brincar e conhecer pessoas. Até hoje as minhas amizades no automobilismo são bem estabelecidas", conta Romullo em entrevista ao UOL.
E assim o garoto teve a primeira chance no kart. Mas o pai, Ubirajara Jesus de Oliveira e Silva, acabou descobrindo pouco tempo depois. "Um dia eu estava andando de kart e entrei na reta. Meu pai estava na mureta do box. Eu vindo fazendo a curva e ao invés de olhar para frente, eu olhei na mureta e fui olhando, olhando...Eu vi meu pai com um bigode bem intimidador. Quando voltei, ele falou: 'então é aqui que está passando a tarde'. Expliquei e naquele momento ele viu que era sério e, a partir daí, sempre me apoiou como pôde".
Romullo trabalhou no kartódromo até os 15 anos. Mas apesar de ser querido e ter talento, as portas não se abriam. Ele chegou a correr a Fórmula 3 Sul-Americana, e o feito até ganhou matérias em jornais: "o segundo piloto negro a competir", diziam. Mas o sonho durou pouco, nem mesmo a competição inteira.
Eu já tinha 18 anos e eu nunca consegui o orçamento para correr uma temporada completa. Infelizmente no Brasil, em vários lugares do mundo, conseguir sair do zero e precisar de uma quantia de dinheiro relativamente alta para um esporte caro não é fácil. Dessa vez foram duas etapas, em Campo Grande e no Rio de Janeiro, mas aí as portas se fecharam. Veio uma frustração. As portas não se abriram para mim e tive que correr atrás de outras coisas, outras formas de me manter no automobilismo".
Apesar da frustração nas pistas, Romullo não vê motivos para lamentações. "Não tem como se revoltar com automobilismo, o esporte ensina muita coisa: dedicação, perseverança. Hoje é bom e amanhã não é. Tem que buscar, treinar e são [esses] pilares que formam um campeão. Hoje no automobilismo não adianta só ser rápido. Meu sonho era chegar à F1, como vários. No meu caso a questão financeira barrou".
Quase 20 anos depois, Romullo, que tem 38, não vê mudanças na "linha de produção de pilotos". "As chances para alguém como eu continuam as mesmas, mínimas, não vejo progresso com relação a isso. Infelizmente o automobilismo é caro. Chassi, jogo de pneu, mecânico são caros. Uma pessoa como eu, sonhador que sonhava em desbravar o mundo andando de carro, não tem condições", ressalta.
"No automobilismo pensam que não existe racismo"
Romullo persistiu no esporte por um tempo e chegou a fazer parte da equipe de Nelsinho Piquet na parte de mídia. Ele filmava todos os bastidores de cada prova do piloto, com quem construiu uma amizade que dura até hoje.
Também teve chances de pilotar na Europa, onde, por causa da sua cor, foi confundido com mecânico. "Acharam que eu era da equipe e não o piloto da ocasião. Aí tem que explicar que é o cara que vai dirigir, mostrar pulseira, credencial?"
No automobilismo eles pensam que não existe [racismo]. Você pode ver que é o Lewis Hamilton, o irmão dele e só. Depois que parei, só duas semanas atrás eu vi um garotinho que o pai dele é mecânico de aviação no Brasil e ele corre de kart. Não tem pilotos de cor, infelizmente, de descendência negra".
Um final feliz e como piloto
O automobilismo o levou para os Estados Unidos. Trabalhou na equipe de Nelsinho Piquet na Nascar e na própria organização. Há 13 anos, se mudou de vez para lá, formou uma família e se graduou em publicidade e propaganda, profissão escolhida para que pudesse "ter uma aposentadoria", nas suas próprias palavras.
Romullo desistiu do automobilismo, mas não da carreira de piloto: o cockpit deu lugar à cabine de um avião comercial. A nova profissão lhe dá a possibilidade de viajar pelo mundo todo para assistir às corridas que desejar. A paixão pelo kart continua, mas agora pilotar o carrinho é um hobbie, um misto de lembranças e diversão.
"Tenho a oportunidade hoje andar de kart quando eu quiser e conhecer o mundo. Eu não acho que eu tenha falhado, porque com 12 anos, eu olhei para o automobilismo como forma de vida e vivi isso por sete anos nos EUA de forma fenomenal. Estou com 38 anos e me dedico a voar, assistir às corridas na TV, e quando tenho a possibilidade vou assistir no Brasil, na Europa também", finaliza.
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