Futebol Bandido: Caso Daniel - Ep1: "Um corpo é encontrado com a garganta cortada"
Adriano Wilkson e Karla Torralba
Do UOL, em São Paulo
18/08/2020 04h00
Em uma madrugada em Curitiba, o jogador de futebol do São Paulo Daniel Corrêa é flagrado por câmeras de segurança saindo da balada e entrando em um carro. Ele nunca mais foi visto em público com vida. É assim que começa "Caso Daniel", a segunda temporada de Futebol Bandido, o podcast sobre bastidores e crimes do futebol do UOL Esporte, que você pode ouvir acima.
Sempre às terças, a partir de 18 de agosto, os repórteres Adriano Wilkson e Karla Torralba vão contar a história do assassinato brutal do jogador do São Paulo Daniel Correa. São seis episódios no total.
O meio-campista foi morto em 2018 após participar de uma festa de aniversário no Paraná. O primeiro episódio mostra a surpresa dos investigadores ao se depararem com um cadáver com sinais de extrema violência. Você pode ouvi-lo aí em cima ou ler o roteiro na íntegra abaixo.
Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts e em todas as plataformas de distribuição. Você pode ouvir Futebol Bandido, por exemplo, no Spotify, na Apple Podcasts e no Youtube.
Futebol Bandido - Temporada 2: Caso Daniel
Episódio 1: Homens tomados por emoção
O dia 27 de outubro de 2018, um sábado, começa como de costume em Curitiba. Vinte minutos antes das 5h da manhã, a câmera de segurança da boate Shed registra a saída da festa que tinha começado na noite anterior. Carros de aplicativo se aproximam, param, se enchem de passageiros e partem.
Uma moça loira, de salto alto e vestido rosa, caminha de dentro da boate. Ela anda em direção a um carro preto que sai do estacionamento. Perto dela, um rapaz carrega um bolo de aniversário, também cor de rosa. Abaixo do toldo da boate, outra moça segura duas bexigas no formato de números. O número 1 e o número 8.
A moça de vestido rosa se chama Allana Brites. Onze meses depois, ela estaria num tribunal de frente pra uma juíza. Incentivada a relatar suas memórias sobre aquele dia, ela contaria o seguinte:
Allana Brittes: "Era meu aniversário de 18 anos. Preparei tudo, o bolo, copos, balões, os convidados. Os meus pais também, porque eles sempre foram muito próximos a mim. Então, eu convidei eles. Fiz questão que eles estivessem lá assim como todos os convidados. Recepcionei todos com meus pais, todos beberam. Era uma comemoração, uma festa normal, pra comemorar os meus 18 anos. E quando foi mais ou menos umas cinco e pouco eu chamei os meus pais pra ir embora. Na porta da Shed, quando eu tava saindo, a [...] veio e falou 'Ah amiga, vamos fazer um after na sua casa'. Eu disse 'Não, estou cansada, quero ir embora', fiquei brava e virei as costas e saí".
Apesar de Alana dizer que estava cansada, como ela contou no depoimento, os amigos resolveram prolongar a festa. Depois de passarem a noite toda se divertindo na boate, o grupo acabou combinando de se encontrar logo em seguida na casa da aniversariante, que não ficava muito longe dali.
Os convidados deixam a boate em um carro Veloster preto. Vinte minutos depois, outro rapaz caminha tranquilamente na frente da câmera de segurança, em direção à rua. Esse rapaz tem as mãos no bolso da calça jeans, veste uma camiseta verde e tênis casual. Tem a barba cerrada e o semblante cansado. Ele era um dos convidados da festa. Essa foi a última vez que ele foi visto em público com vida.
As equipes se depararam com um cadáver do sexo masculino, com um corte no pescoço e na parte de trás, só com camiseta, sem nenhum calçado ou algo do tipo".
Guarda municipal
Repórter: "Uma morte brutal com sinais de ira do assassino. Quem matou estava com muita raiva. A ocultação de provas levanta uma suspeita: o crime pode ter sido passional".
Investigador: "Ali foi uma coisa com bastante malvadeza. Quem fez estava com raiva, possivelmente. Tudo isso vai ser apurado nas investigações".
Futebol bandido - Caso Daniel - Os personagens
Na segunda temporada de Futebol Bandido, o UOL Esporte traz detalhes do Caso Daniel e mostra como uma festa de aniversário se transformou no assassinato brutal de um jogador. Os repórteres Adriano Wilkson e Karla Torralba trabalham há mais de um ano na cobertura, entrevistando testemunhas, advogados, promotores, vizinhos... No Paraná, coletaram documentos públicos e tiveram acesso à gravação das audiências dos principais personagens envolvidos na história. Já foram produzidas dezenas de reportagens sobre o assunto.
Agora, você pode conhecer os detalhes da trajetória de um jogador de futebol de um time grande que terminou assassinado de forma brutal no Paraná. Os últimos momentos de sua vida, seu último diálogo e quem é, ou quem são, os assassinos. A análise do que o caso pode contar sobre a mediação de conflitos entre. Sobre como homens aparentemente normais podem de uma hora para outra protagonizar ações de violência extrema. As justificativas que usam para racionalizar suas atitudes. E as consequências de seus atos para as mulheres que vivem em torno deles.
Um corpo é encontrado
É assim que começa o relato do assassinato, com uma pergunta do promotor Marco Aurélio Oliveira, do Ministério Público do Paraná. Ele interrogou as testemunhas do processo nos meses que se seguiram ao crime.
Marco Aurélio Oliveira, do Ministério Público do Paraná: "O que nós pedimos primeiramente das testemunhas então é primeiro que relatem nas suas palavras o que se recordam dos fatos, no seu caso da investigação como se iniciou, como se desenvolveu, contatos que teve, provas que obtiveram no curso. Poderia iniciar então?"
Izaudino Reis, investigador da Polícia Civil do Paraná: "Sim, senhor. Esse crime ocorreu no dia 27 de outubro num sábado. Eu estava de plantão, atendimento de local de crime pela delegacia de São José de Pinhais, na qual o investigador fica de sobreaviso em casa. Recebi a comunicação da delegacia por volta de 11 horas da manhã. Que tinha sido localizado um corpo na região do Mergulhão. Eu moro próximo da região, me desloquei até o local, pra dar atendimento, serviço padrão, levantamento, identificação. Chegando ao local já havia uma equipe da PM, da guarda municipal, até repórteres já".
Uma coisa que chamou atenção nesse caso é que na estrada de terra havia uma grande mancha de sangue, o que indicava que a vítima do crime foi morta nesse local. Geralmente achado de cadáver leva e desova o corpo no local, nesse caso não".
Izaudino Reis
O corpo foi encontrado em uma área de reflorestamento de pinus, uma espécie de pinheiro muito cultivada no Sul do país e usada na fabricação de móveis, na construção civil ou na produção de celulose. No ano passado, em uma investigação sobre o assassinato, a reportagem esteve na colônia do Mergulhão. Lá, viu a estrada de terra, muito estreita, sem sinalização, sem acostamento, sem nenhum sinal de vida. Nesse lugar, perto de onde o corpo foi encontrado, pareceu fazer mais sentido o apelido de deserto verde, que é como são conhecidas as plantações de pinus e de eucalipto.
Violência choca policiais
A partir desse momento o relato do investigador Izaudino tem descrições fortes de violência.
Izaudino Reis: "Ao fazer o levantamento do corpo, já com o perito, identificamos no braço da vítima uma pulseirinha de uma boate conhecida em Curitiba, a Shed, e a posição que está no corpo, está com garganta cortada. O que se constatou naquele dia previamente é que a pessoa foi morta no local que o corpo não foi arrastado, não foi por uma pessoa, foi transportado e por mais de uma pessoa que participou daquela ação, que tinha sido usado um objeto cortante e que a vítima tinha saído daquela boate".
Eleandro Passaia: "Vamos começar a avançar nas informações. O que você tem aí?"
João Gimenez: "Vamos sim, assustador o caso. Primeiramente o homem foi morto com requintes de crueldade?"
Esse é um diálogo entre os apresentadores Eleandro Passaia e João Gimenez, da Rede Massa, afiliada do SBT no Paraná. Eles conversam na segunda-feira, 29 de outubro de 2018. O corpo tinha sido encontrado dois dias antes.
João Gimenez: "O crime está cercado de mistérios, Passaia. A guarda municipal de São José dos Pinhais foi acionada e eles chegaram primeiro que a polícia. E conversaram com a nossa reportagem".
Guarda municipal: "Os moradores da região andando por aqui avistaram a poça de sangue na rua e seguiram a marca do sangue no sentido plantação de pinus e cerca de 30 metros já encontraram o corpo. É uma cena bastante chocante. Pra nós não que infelizmente encontramos coisas assim cotidianamente, mas é uma cena lastimável".
A primeira pista
Os investigadores da Polícia Civil do Paraná passaram a se dedicar à identificação da vítima. A pulseira da boate Shed indicava o seu paradeiro recente, mas eles só souberam de fato de quem se tratava no domingo à noite.
Esse é um trecho do depoimento do investigador Marcelo Brandt, que, assim como Izaudino Reis, estava de plantão naquele fim de semana. Ele descreve a conversa que teve com o colega.
Marcelo Brandt: "No sábado eu conversei rapidamente com ele. eu ia viajar. Ele me passou que tinha sido achado um cadáver, que o cadáver tinha sido parcialmente degolado. No domingo à noite ele me ligou e falou: 'Olha, esse caso provavelmente vai dar uma repercussão grande, porque a gente foi informado através de alguns amigos que tem um jogador, jogador do São Paulo, desaparecido que aparentemente reconheceram no IML".
Já reconheceram e já estou em contato com um dos amigos que reconheceu. Seria um jogador de futebol e vai dar repercussão".
Marcelo Brandt
"Daniel Messi"
O corpo era do jogador Daniel Corrêa de Freitas. Ele tinha 25 anos e começou a carreira no Cruzeiro de Minas Gerais. Quando morreu ele tinha contrato com o São Paulo, mas estava emprestado pro São Bento de Sorocaba. O melhor momento da carreira do Daniel foi em 2012, quando ele defendia o Botafogo e fez três gols em uma partida contra o Criciúma no Maracanã.
Narrador do Premiere: "Já, já o Roger fala sobre as mexidas porque o Botafogo vem com o Daniel. Invadiu Daniel, tocou. Gooooooool, do Botafogo. Outra vez Daniel, camisa 31, e que bela jogada, que arrancada do Daniel. O Daniel avançou. O Daniel foi levando, o Daniel invadiu a área, o Daniel antes da dividia deu o toque na saída do Gallato, e o Daniel faz 4 pro Botafogo 0 para o Criciúma".
No Botafogo, Daniel foi alvo de comparações graciosas com o atacante argentino Lionel Messi, porque os dois teriam o mesmo estilo. Quando deu sua primeira entrevista como jogador do São Paulo, Daniel foi surpreendido por um colega de time. O zagueiro Breno invadiu a sala de imprensa, desejou sucesso ao companheiro e contou pros jornalistas sobre o apelido que ele tinha ganhado no Rio de Janeiro.
Assessor de imprensa do SPFC: "Daniel, tem um espectador especial que acabou de fugir aqui da sala de imprensa".
Breno, jogador do São Paulo: "Boa tarde a todos, vim aqui só dizer porque acompanhei ele nesse tempo difícil, porque ele chegou em janeiro e teve que fazer uma cirurgia. E só tenho a dizer a ele tudo de bom, felicidades, ele vai vencer, porque já é um vencedor por ter passado por essa fase difícil. Tudo de bom".
Assessor: "E o apelido?"
Breno: "O apelido é Daniel Messi".
Daniel: "É uma honra pra mim estar vestindo essa camisa e orgulho imenso não só meu, mas da minha família. Procuro dar sempre o meu melhor pra estar o mais bem preparado possível. Que a gente possa alcançar grandes objetivos".
Convidado em um programa na ESPN, Daniel brincou sobre o apelido. Ele se mostrava acanhado pela comparação com um nome tão importante no futebol.
Rodrigo Rodrigues, apresentador da ESPN: "Daniel, a gente falou de Xavi e Iniesta. Mas teu apelido mesmo era Messi né?!"
Daniel: "A torcida do Botafogo me colocou esse apelido."
Rodrigo Rodrigues: "Daniel Messi?"
Daniel: "Claro que uma brincadeira, porque o Messi é incomparável, de outro planeta. O cara joga muita bola. Mas eu acho que pelo nome, Daniel, Lionel, talvez pode ter sido isso".
Rodrigo Rodrigues: "Não, não seja modesto".
Em uma reportagem do UOL Esporte publicada em abril de 2018, Daniel aparece como um jovem talento promissor que acabou perdendo espaço nos grandes clubes por causa de várias lesões. Depois de ser disputado por Palmeiras e São Paulo, Daniel acabou contratado pelo São Paulo, mas ele nunca conseguiu se firmar no time. Em 2017, Daniel jogou no Coritiba e fez amigos e amigas na cidade. Uma dessas amigas era Allana Brittes, que convidaria o jogador para sua festa de 18 anos.
Allana falou com família de Daniel
A seguir, Allana responde à juíza Luciani Regina Martins de Paula.
Luciani Regina Martins de Paula, juiza do caso: "Você ligou depois pra família do Daniel?"
Allana: "A tia do Daniel entrou em contato comigo e depois a mãe dele. Elas queriam saber sobre ele".
Juíza: "Como elas sabiam de você?"
Allana: "Quando a tia me ligou ela tinha pego o número com um amigo dele".
Juíza: "Você já conhecia o Daniel há mais tempo?"
Allana: "Eu conheci o Daniel em 2017, no começo de agosto, através do Instagram. Depois de quase um mês a gente se encontrou. Conheci ele como amigo, com outra amiga que foi junto. Eu vi ele em torno de três a quatro vezes. Daí chamei pro meu aniversário de 17 anos, que foi em outubro de 2017. Depois de outubro de 2017 eu não vi mais ele. Depois só fui ver no meu aniversário de 18 anos".
Foi assim que Allana descreveu o começo da amizade dela com Daniel. Mas quando descreve o momento em que viu o amigo em perigo, Allana fala menos dele e mais de outra pessoa:
Allana: "Ela era a pessoa que mais pedia ajuda. Ela não queria nem que batessem nele. Não queria que fizesse nada com ele. Ela sempre abominou essas coisas. Ela pediu em favor dele. Não era por ela, era por ele. Ela clamou pela vida dele a todo momento".
Advogado: "Ele conta que a sua mãe pediu por socorro em favor do jogador Daniel, era isso que ela fazia? Ela intercedeu em favor dele?"
Allana: "É verdade".
Essa é Allana falando sobre a mãe, Cristiana Brittes. Cristiana tinha participado da festa da filha na boate. Mas, ao chegar em casa, foi dormir, enquanto os amigos de Allana continuavam a festa.
Allana: "A todo momento ela pediu socorro. Ela tentou entrar na frente, ela pediu pra que parassem as agressões, ela pediu ajuda pra ele".
Advogado: "Nessa entrevista também ele retrata que a senhora também pediu pra que as agressões parassem. Pediu para que os homens que batiam nele parassem de bater nele. Isso também aconteceu?"
Allana: "Sim, aconteceu".
Advogado: "Foi retratado que o próprio Lucas Mineiro tentou intervir. Ou seja as mulheres tentaram intervir e os homens também".
Allana: "Sim, eram cinco homens tomados por aquela emoção. Todo mundo viu o que tava acontecendo, não tinha o que eu fizesse, infelizmente. Todo mundo foi tomado pela raiva naquele momento. O que eu pude fazer eu fiz pra que parasse, mas infelizmente eu não consegui".
Quem matou Daniel, de que forma e a justificativa para o assassinato você vai ficar sabendo nos próximos episódios de Futebol Bandido sobre o caso Daniel.
Aí meu marido falou que tinha mais uma notícia para vocês: 'Tá estranho o assassinato porque não parece assalto. Porque o assassino cortou o pênis do Daniel'. Eu falei 'Hein?' 'Além do pescoço, cortou o pênis do Daniel'".
Regina Corrêa, mãe de Daniel.