Futebol Bandido: o Caso Daniel - Ep6: "Não deixa matar ele aqui em casa"
18/09/2020 17h15
O sexto e último episódio de "Futebol Bandido - Caso Daniel" começa com a descrição de uma cena: "De repente, o caos se forma. Você ouve uma gritaria vindo de dentro da casa. Um dos convidados está sendo espancado pelo pai da aniversariante, com a ajuda de outros convidados. Você vê sangue pela casa. A aniversariante e a mãe dela estão chorando, desesperadas. Você vê uma faca. E vê que a faca está na mão do pai da aniversariante. Você tem um mau pressentimento. 'Quem são essas pessoas?'"
Até aqui, você já conhece os acusados, o assassino confesso, onde aconteceu o crime e ouviu relatos brutais de como tudo aconteceu. O episódio a seguir, que você pode ouvir acima ou ler o roteiro abaixo, mostra como uma frase de contexto incerto atribuída a Cristiana Brittes, que conta ter acordado com Daniel se esfregando nela, fez com que ela se tornasse uma das rés nesse caso.
É assim que termina a história do assassinato do ex-jogador do São Paulo Daniel Corrêa, contada pelos repórteres Adriano Wilkson e Karla Torralba em um podcast de seis episódios:
- 1: Um corpo com o pescoço cortado
- 2: "Me diz que é mentira"
- 3: "Qualquer homem faria"
- 4. "Desceu, puxou e foi cortando"
- 5. "Acordou ela e comeu?"
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Futebol Bandido - Temporada 2: Caso Daniel
Episódio 6: "Não deixa matar ele aqui dentro de casa"
Eu vou propor para você um exercício: imagine que uma amiga te convidou para o aniversário de uma pessoa que você não conhece. Esse aniversário vai ser em uma boate famosa da sua cidade. Você vai com a sua amiga, conhece a aniversariante e outros convidados da festa. Você dança, canta, bebe e se diverte a noite inteira. E quando a manhã chega, você descobre que a aniversariante pretende prolongar a festa na casa dela.
A sua amiga quer ir e você se pergunta: Por que não? A noite foi divertida, o pessoal parece legal... Você chega na casa da menina, pede um isqueiro pra alguém e fuma um cigarro. Já passa das 8 da manhã, mas a festa ainda tem música e bebida. Casais dançam e se beijam.
De repente, o caos se forma. Você ouve uma gritaria vindo de dentro da casa. Um dos convidados está de cueca, sendo espancado pelo pai da aniversariante, com a ajuda de outros convidados. Você vê sangue pela casa. A aniversariante e a mãe dela estão chorando, desesperadas.
Você vê uma faca. E vê que a faca está na mão do pai da aniversariante, o dono da casa. Você tem um mau pressentimento. "Quem são essas pessoas?", você provavelmente vai se perguntar. E então o dono da casa sai de carro, e você percebe que o cara que estava apanhando não está mais lá. E você lembra que esse cara foi o mesmo pra quem você pediu um isqueiro, minutos antes.
Tudo o que você quer fazer agora é sair dali, e é isso que você faz. No dia seguinte, descobre que aquele caos que você testemunhou foi o começo de um assassinato. O cara que estava apanhando morreu. Fotos dele estão em vários sites e nas redes sociais. Exatamente nove dias depois você é chamada para dar um depoimento na delegacia. Os policiais querem saber tudo o que você viu e ouviu naquela manhã, depois de uma noite inteira de festa e bebida.
Depois de nove dias.
Você fala o que você lembra, mas você se lembra de tudo? O que você sentiria se soubesse que uma frase que você lembra ter ouvido no meio daquela confusão foi o suficiente para fazer uma pessoa ser acusada de assassinato? Uma frase? Você confiaria 100% na sua memória?
Denunciada por homicídio
Ao todo sete pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público, acusadas de ter algum envolvimento no caso Daniel. A aniversariante Allana Brittes e uma amiga dela foram denunciadas por crimes menos graves que homicídio, como denunciação caluniosa e fraude processual. O pai Edison Brittes e outros três convidados foram denunciados por homicídio triplamente qualificado. Ygor King, David Vollero e Eduardo da Silva admitiram ter batido em Daniel, mas apenas Edison confessou ter matado o jogador.
Uma acusação chamou atenção. Cristiana Brittes, a mãe de Allana, foi denunciada por homicídio, mesmo não tendo participado das agressões nem estado no carro do marido no momento em que Daniel foi morto. Cristiana foi acusada de matar Daniel por causa de duas frases que ela teria dito durante o espancamento. Essas supostas declarações não estão gravadas, mas entraram no processo depois de saírem da memória de duas testemunhas, duas convidadas da festa. Como a gente contou no começo desse episódio.
As duas testemunhas deram depoimento nove dias depois do assassinato sob condição de sigilo. Segundo uma delas, no meio do espancamento de Daniel, Cristiana disse a frase, abre aspas: "Não deixa matar ele aqui dentro de casa". Segundo a outra convidada, Cristiana afirmou, abre aspas: "Não deixa seu pai fazer isso dentro da minha casa, você sabe como ele é."
Promotor Marco Aurélio: "Meu questionamento é simples e diz respeito ao homicídio mesmo."
Esse é o promotor Marco Aurélio Oliveira, interrogando Cristiana.
Promotor: "E diz respeito a essa frase que a senhora teria dito, que é interpretada como uma orientação de que levasse a vítima para fora e lá que fosse morta. Minha pergunta, então, é se disse essa frase. E, caso tenha dito, qual a intenção?"
Cristiana Brittes: "Eu não disse isso. Não disse essa frase. Não entendo por que só uma pessoa falou. Foi a pessoa que mais me acalmou, mais ficou comigo, essa [testemunha] chegou a me deitar no colo dela, me acalmou, pediu pra eu ficar ali. Eu jamais disse isso, jamais eu quis que batessem nele, muito menos que fizessem o que foi feito. Nunca. Nunca."
Promotor: "Até, pra clareza, pra ficar determinado que a frase foi falada, não tenho aqui ipsis litteris, a letra, mas seria algo como?"
O promotor é interrompido por Cláudio Dalledone Júnior, advogado da família Brittes.
Dalledone: "Me permita excelência, tenho o depoimento?"
Promotor: "Seria algo no seguinte sentido: 'Não deixa matar ele aqui dentro de casa'. É exatamente essa a frase. Aí eu faço essa pergunta: tem certeza que não disse isso? Ou disse com que interpretação?"
Cristiana: "Tenho certeza que não disse isso. Eu pedia pra alguém ligar pra polícia pra ajudarem ele, principalmente pro Mineiro, que era dos homens quem eu vi que não tava batendo nele, eu pedia: 'Liga pra polícia, faz alguma coisa, ajuda'. A todo momento, eu pedia ajuda pela vida dele, jamais pedi pra que não matasse ele ali. Queria que não matasse ele, mas nunca disse isso."
A explicação de Cristiana não convenceu o Ministério Público, que mantém a tese de que as duas frases que ela nega ter dito provam sua participação na morte de Daniel. Depois de seu marido matar o jogador, Cristiana Brittes passou onze meses presa.
"Edison levanta e vem até mim pra me dar um beijo, não sei por quê"
Eu sou o Adriano Wilkson. Eu sou a Karla Torralba. Na segunda temporada de Futebol Bandido, a gente traz detalhes do Caso Daniel e mostra como uma festa de aniversário se transformou no assassinato brutal de um jogador.
A polícia ainda investigava quem poderia ter matado o jogador do São Paulo Daniel Corrêa, quando a testemunha-chave, Lucas Mineiro, foi até a Delegacia de São José dos Pinhais relatar o que viu na casa dos Brittes. Pros policiais, Lucas narrou detalhes da festa e do que aconteceu depois dela. Mas também contou sobre um encontro com a família na segunda-feira, dois dias depois do aniversário de Allana. Lucas e outras duas testemunhas foram chamados a um shopping center na cidade. Ali as testemunhas teriam sido coagidas a manter uma versão mentirosa sobre o que tinha acontecido na manhã do assassinato.
Além de Edison Brittes, participaram do encontro Allana e Cristiana. Pra juíza Luciani de Paula, Lucas Mineiro relatou assim o encontro, em que os Brittes teriam praticado o crime de coação de testemunhas.
Lucas Mineiro: "No sábado à noite, já era por volta das 7 horas da noite, eu começo a receber telefonemas da Allana. Ela ligando, querendo saber onde eu tava, querendo falar comigo. E eu toda hora tentando mentir onde estava, não querendo esse encontro. E eu invento histórias e desculpas para não encontrar ela. Na segunda-feira, ela me manda pela manhã: 'Viu, vem aqui em casa. Eu te pago um Uber pra vir até aqui'. Eu fico desesperado. Eu invento compromisso com meu avô, que não poderia. Ela fala pra mim: 'Olha, na hora do almoço vou estar no shopping. Vamos até lá, me encontra lá'. E eu acabo aceitando por ser um local público."
"Eu já estava em estado de desespero, sem saber o que eu poderia fazer. Eu não sabia se eu morreria antes, se morreria depois de falar com a polícia. Eu não sabia como agir. Eu procurei advogado pra saber até onde eu poderia proteger e zelar pela minha vida. Depois de tudo que aconteceu, a minha vida era só mais uma, como é só mais uma vida. Eu poderia perder minha vida ali."
"Na segunda-feira acontece o encontro no shopping. Nesse encontro estavam os [testemunhas], a Cristiana, a Allana e o Edison. Eu chego depois, já estão os cinco. Eu sento e o Edison levanta e vem até mim pra me dar um beijo, não sei por quê. Não tinha o que fazer, acabei deixando."
Aqui Lucas conta a história que Edison teria inventado para se livrar da acusação do assassinato. Era a mesma história que ele vinha contando para a família e pros amigos de Daniel.
Lucas: "Ele fala que a história vai ser que ele estava mexendo no celular e, em um certo horário, o portão estava aberto, ele simplesmente se levantou e saiu e a gente não sabe pra onde ele foi. Essa vai ser a história. Eu vou tirar a [testemunha], os [testemunhas] e mais um rapaz que eu não me recordo o nome. Vai ficar você, a [testemunha] e a Evellyn porque vocês estavam no Uber. E o elo está fechado. Se esse elo se abrir, eu vou saber quem abriu. Assim que ele termina de falar isso, eu levantei e saí do shopping. Fico em desespero, sem saber o que fazer, e aí que procuro a polícia, logo em seguida."
Delegado não indicia Cristiana por assassinato
Depois do depoimento de Lucas, Edison Brittes passou a ser o principal suspeito do assassinato. Imagens de câmera de segurança do shopping foram encontradas e confirmaram o encontro entre a família e as testemunhas. A partir delas, Allana e Cristiana também entraram no radar da polícia. No dia 31 de outubro de 2018, quatro dias depois da morte de Daniel, Cristiana Brittes foi presa num posto de gasolina de Curitiba. Mas Edison não foi preso porque percebeu a aproximação dos policiais e conseguiu fugir. A gente já contou os detalhes dessa passagem no episódio 4 desta temporada.
Edison caminhou cerca de 900 metros até o escritório de quem hoje é seu advogado de defesa, Cláudio Dalledone Júnior. Do escritório, gravou o vídeo em que confessou ter matado o jogador. Edison e a filha Allana se entregaram à polícia no dia seguinte à prisão de Cristiana. A justificativa para a prisão da mãe e da filha foi que as duas em liberdade poderiam atrapalhar as investigações e coagir testemunhas. Pesava contra elas as imagens do encontro no shopping gravadas por câmeras de segurança do local. Mas a conclusão do inquérito policial foi boa para Cristiana e Allana.
Depois de ouvir testemunhas durante três semanas, o delegado Amadeu Trevisan isentou as duas do assassinato e indiciou mãe e filha apenas pelos crimes de fraude processual e coação de testemunha. Ao se debruçar sobre o processo e analisar as evidências, o promotor que acompanhou o inquérito, João Milton Salles, decidiu dar um passo adiante. Com base nas duas frases que Cristiana teria dito, de acordo com duas testemunhas, ele resolveu denunciar a mulher também por homicídio.
"Interferência para desenrolar no caminho do mal"
Eu e o Adriano entrevistamos o promotor João Milton Salles no escritório dele, no fórum de São José dos Pinhais. No trecho a seguir, ele explica como se convenceu da participação de Cristiana no crime.
Promotor Milton Salles: "Eu tenho um depoimento, dois depoimentos, de pessoas que estavam no local, que falam que a Cristiana chegou e falou: 'Não façam isso aqui' e mandou eles saírem da casa. A partir desse momento, a vida deles ficou difícil pra caramba, porque tiveram que pegar esse rapaz, quase dobrar ele, botar no porta-malas de um carro sport, atravessar a cidade às 9h da manhã, procurar um lugar pra executar o rapaz e executar esse rapaz. E voltar pra casa. Se não fosse a instigação dela, eu não tenho como dizer o que aconteceria, mas o que eu posso afirmar é que as coisas não teriam acontecido como aconteceram se não tivesse essa determinação dela. E digo mais: a vida deles ficou tão difícil que demonstra que eles obedeciam ela. Se ela tivesse falado 'Pare', eles teriam parado também."
"Os fatos não teriam acontecido da forma como aconteceram, se não fosse a interferência dela e foi uma interferência para desenrolar no caminho do mal. Não tem ninguém falando 'Pare', 'tá bom'. O que eu tenho é ela falando 'Não façam isso em casa'. Eu tenho a consequência, que são os caras obedecerem, literalmente, o que ela mandou. Eu não posso dizer que o comportamento é da mesma gravidade, que vai ter a mesma punição, mas que a maneira que participou para os fatos acontecerem dessa forma, eu não tenho, pelo que as testemunhas falaram?"
Adriano Wilkson: "Se ela falou essa frase, essa frase não estaria dizendo pra alguém matar. Não tem nada que mostre que ela estava dando a ordem pra matar uma pessoa."
Karla Torrala: "Pra completar, como é feita a contextualização da frase? Essa frase fora de contexto pode significar matar ou não."
Milton Salles: "Perfeita essa pergunta. Eu trabalho com o inquérito policial que retrata aquele momento. Ele pega as informações, pega o que foi dito, o que todo mundo falou. Eu construo e escrevo, eu traduzo em palavras escritas. Que é uma exercício de tradução mesmo. Tudo o que está escrito na denúncia é o que está relatado pelas pessoas do inquérito. No momento de redigir isso, eu não posso ter o juízo, por isso tenho a fase do contraditório. Cabe a ela ou eles. Por isso a defesa tem a possibilidade de explicar o que ela quis dizer com a frase e ver se a explicação dela é convincente."
O comportamento de Cristiana
Nos depoimentos e na cobertura da imprensa sobre o caso Daniel, um aspecto que sobressaiu foi a atenção dada ao comportamento de Cristiana durante a festa da filha. Na época do crime, ela era uma mulher de 35 anos, que gostava de se divertir com as amigas da filha adolescente. Fotos reproduzidas nas matérias de TV e na internet mostravam suas roupas justas, seu rosto sempre maquiado e seus longos cabelos louros. De acordo com convidados da festa de Allana, Cristiana era uma das participantes mais animadas.
A seguir está o trecho do depoimento de Lucas Muner, o amigo que estava recebendo o Daniel em Curitiba. Lucas também era amigo de Allana e já conhecia a família Brittes de outras festas na cidade. Aqui, ele comenta o comportamento de Cristiana.
Lucas Muner: "Ela estava alterada. Bebendo demais eu não vi, mas estava alterada, então bebeu demais. Você via o modo como se portava. Modo de falar, gaguejava, estava dançando mais que o normal, esse tipo de coisa. Você sabe quando uma pessoa está alterada."
Advogado: "Ela chegou a conversar com o senhor?"
Luca Muner: "No início, sim, conversamos. O assunto era coisa corriqueira. Nada de mais. Em um momento, no final da festa, eu estava conversando com uma menina, eu meio que de lado, tranquilo, estava tentando ficar com ela, quando eu recebi um beijo, um selinho. Eu olho pra trás e vejo. Era a Cristiana."
Advogado: "Roubou um beijo?"
Lucas Muner: "Roubou um beijo, um selinho. Ela estava com um amiga da Allana, empurrando ela, e essa amiga ficou cuidando da Cristiana. Eu fui tentar esclarecer a situação. O marido dela estava na festa. Jamais iria fazer um negócio desses. Vai arrumar um problema pra mim. Quem não vai ter medo se o cara faz aquilo com seu amigo?"
Ao ser questionado sobre suas lembranças daquela noite, Lucas disse que foi beijado pela mãe de Allana. Mas ele também narrou outro episódio envolvendo Cristiana. Segundo ele, Allana foi testemunha do envolvimento de Cristiana com outro homem. O caso extraconjugal teria acontecido depois de 2017, ano em que Daniel jogou no Coritiba. Em 2018, ele deixou a cidade para jogar em Campinas.
Lucas Muner: "Eu fui num aniversário de uma amiga de um casal meu. Não lembro a data. Acredito que foi depois que o Daniel foi embora. Eu encontrei a Allana e a mãe dela, sem o marido."
Advogado: "Desculpa interromper, quando o senhor fala que o Daniel foi embora, foi de Curitiba?"
Lucas Muner: "Quando ele foi embora de Curitiba. Eu não lembro se foi Campinas eu Sorocaba. Eu lembro que ela tinha pintado o cabelo de loiro e no decorrer da balada, durante a balada, a Cris ficou com um amigo da Allana. E a Allana estava presente."
Advogado: "Só pra ver se eu entendi. A Cris que o senhor se refere é a Cristiana. Ela ficou com um amigo?"
Lucas Muner: "Não sei se era amigo, conhecido ou alguém da balada, mas ela estava com alguém lá."
Advogado: "E o Edison?"
Lucas Muner: "Não estava junto."
Advogado: "E a Allana tava junto?"
Lucas Muner: "Tava junto."
Advogado: "Ela presenciou a mãe ficando com outra pessoa?"
Lucas Muner: "Presenciou. Mas eu lembro que ela não ficava muito com a mãe nesse dia, ela tava separada e acabou não ficando muito com a mãe."
Avdogado: "Mas ela tinha visão da mãe ficando com outra pessoa?"
Lucas Muner: "Tinha. Não sei se ela fingiu que não viu e saiu ou se ela viu, mas tinha visão."
O julgamento da imprensa
A imprensa se mostrou bastante interessada na vida privada de Cristiana Brittes. Fotos antigas dela em cima de motos e vestindo roupas mais provocantes foram muito exploradas, assim como detalhes de seu casamento com Edison. Quando a boate Shed liberou as imagens do aniversário de Allana, alguns veículos de imprensa gastaram horas especulando sobre as relações da mãe com os convidados do aniversário.
Eleandro Passaia: "Eu quero a opinião do povo que está em casa. Não vou afirmar se isso é tentativa de beijo ou não. Quero primeiro que as pessoas que estão em casa participem e colaborem com essa pesquisa."
Esse é um diálogo entre o apresentador Eleandro Passaia e o repórter João Gimenez, da Rede da Massa, afiliada do SBT no Paraná.
Passaia: "João, é uma imagem bastante forte e ela vai contra tudo aquilo que havia sido dito pelos Brittes e pelos amigos dentro da Shed."
João Gimenes: "Exatamente. Desde a primeira sessão de depoimentos que aconteceu em São José dos Pinhais, houve um dos rapazes que estavam na Shed naquela noite que relatou em testemunho, em depoimento, ter sido beijado pela Cristiana Brittes, a mãe da Allana, e mulher do Edison. Nós tivemos o rebate logo após esse depoimento, dessa afirmação, por parte da defesa dos Brittes, dizendo que isso jamais teria acontecido. Agora a imagem vem à tona. A imagem é muito clara, você consegue ver bem o que se passa ali. Aí que está a grande questão, Passaia: Cristiana Brittes tentou beijar esse rapaz, quem é esse rapaz?"
Feita do alto, a imagem mostra Cristiana em uma área da boate conversando com um casal a seu lado. No meio da conversa, ela aproxima do rosto do rapaz, como se fizesse um movimento para tentar beijá-lo. Depois ela se afasta sorrindo.
Passaia: "Será que alguém estava tentando esconder isso aqui? Ou será que a Cristiana Brittes não tentou beijar esse rapaz? Enche a tela pro pessoal de casa ver. Vou lembrar mais uma vez, muito obrigado pela enorme audiência. Enorme audiência, diga-se de passagem, mostrando que o público gosta de quem tem coragem de contar a verdade. Esse zoom que foi dado no busto da Cristiana não é do Tribuna da Massa, é do operador da Shed. Mas por favor, minha gente, isso é uma tentativa de beijo? Eu tenho a primeira parcial. Já passamos de mais de 15 mil votos no nosso Whatsapp. Por favor, a primeira parcial no ar. 99 % dos mais de 15 mil votos concordam que isso é uma tentativa de beijo, sim senhor. 1% das pessoas acreditam que não."
Gimenes: "Olha, eu tô vendo as imagens agora. Ela faz biquinho ou não? Agora."
Passaia: "Eu acho que tem um biquinho."
Mas o que isso tudo tem a ver com a morte de Daniel? Na visão da promotoria, a conduta anterior de Cristiana teria levado Daniel a acreditar que ele podia fazer, abre aspas, "brincadeiras" no quarto dela. E essas brincadeiras teriam irritado Edison a ponto de ele espancar Daniel. No meio das agressões, Cristiana teria dito as frases que foram interpretadas como uma orientação, uma ordem, para o crime. Por mais frágil que essa linha de raciocínio pareça, ela foi importante para manter a mãe de Allana na cadeia. Pesava contra ela também a participação na reunião no shopping, quando o marido teria tentado calar as testemunhas do crime.
Durante as audiências com a juíza, a defesa dos Brittes combateu o argumento da promotoria. E os advogados tinham um trunfo importante na mão: a investigação da polícia, que tinha terminado sem indiciar Cristiana por homicídio. Mas em fevereiro de 2019, quatro meses depois de terminar sua investigação, depois que o Ministério Público denunciou Cristiana por assassinato, o delegado Amadeu Trevisan pareceu dar mais peso à participação dela no crime. A seguir, ele é questionado pelo advogado de defesa Cláudio Dalledone Junior.
Dalledone: "A Cristiana participou do homicídio?"
Delegado Amadeu Trevisan: "Olha, a partir do momento que ela disse que não quer na casa dela..."
Dalledone: "Mas o senhor não indiciou ela por homicídio."
Trevisan: "A partir do momento que ela disse que não quis na casa dela, ela não queria que acontecesse o fato ali..."
Dalledone: "Mas o senhor não indiciou ela por homicídio."
Trevisan: "Mas a denúncia sempre é mais complexa, a denúncia sempre abrange os fatos numa grandeza maior."
Dalledone: "Sempre o promotor tem razão, é isso que o senhor tá dizendo?"
Trevisan: "Não, o promotor recebe tudo pronto, recebe as provas prontas, e o promotor tem a opinião dele."
Dalledone: "O senhor tem uma e ele tem outra."
Trevisan: "Não, eu tenho minha opinião, não dependo da opinião do promotor, o trabalho é separado."
Dalledone: "Entendi. O senhor confia na sua opinião?"
Trevisan: "Doutor, eu tenho a consciência tranquila... só pra chegar lá... Eu tenho consciência tranquila, tudo que eu faço eu faço de forma consciente, de forma a botar a cabeça no travesseiro e dormir. Eu não tenho dúvida que, se a Cristiana tentasse impedir o fato... Ela é mulher, eu tenho mulher, tenho filha. Se ela tentasse impedir o fato, não teria acontecido dessa forma."
"Se ela não diz, eu não quero aqui em casa e não quero que faça aqui... Ela praticamente autoriza, ela praticamente induz a pegar o cara e colocar no carro e levar, se ela entra na frente e fala 'Aqui e em lugar nenhum não vai fazer', o marido obedece. Ela tem domínio da situação."
Dalledone: "Assim é forçoso reconhecer então que toda mulher manda na casa."
Trevisan: "Não, não é 'manda na casa', mas ela exerce uma influência, isso é inegável."
Dalledone: "Eu acho que ela exerce uma influência, mesmo, o senhor tem razão. É que quatro testemunhas falam que ela dizia 'Pelo amor de Deus, não deixa acontecer nada com esse menino, vamos socorrer'."
Trevisan: "Não deixa acontecer nada aqui, doutor. Ela não queria que fizesse ali, não queria que batesse ali."
Dalledone: "Por que o senhor não indiciou ela por homicídio então? Por que o senhor não indiciou por homicídio? Quando deu coletiva, o senhor deu uma exuberante, e-xu-be-ran-te, entrevista coletiva aos olhos do Brasil inteiro, com imprensa do mundo inteiro, e o senhor não sustentou isso."
Trevisan: "Até aquele momento ali, veja bem uma coisa, as provas são trazidas, se eu for indiciar ou não, não faz..."
Dalledone: "Tudo bem. Eu quero saber do seu íntimo?"
Por mais que a defesa de Cristiana Brittes tenha insistido, o delegado nunca falou por que não indiciou Cristiana por homicídio. Mesmo depois ele tendo se convencido da participação dela no crime.
A defesa obteve ainda mais uma vitória na tentativa de isentar a mãe de Allana do crime. Lembra da testemunha sigilosa que disse ter ouvido a frase "não deixa seu pai fazer isso em casa, você sabe como ele é"? Quando questionada em juízo, essa convidada confirmou ter ouvido a frase, mas sua interpretação foi diferente daquela promovida pelo Ministério Público. A seguir, essa testemunha responde perguntas do advogado Claudio Dalledone Junior, da defesa da família Brittes.
Dalledone: "Essa expressão, eu não posso falar seu nome, vou lhe chamar de testemunha sigilosa, porque a senhora está sendo resguardada aqui. Essa expressão 'Não deixa seu pai fazer isso dentro da minha casa, você sabe como ele é'. Isso gerou uma acusação de homicídio contra a Cristiana. Essa frase que a senhora diz, no entender do promotor e que não é um entender... é um entender isolado, propõe que ela incentivava o homicídio. Então o seu testemunho é muito importante nesse sentido. Estou sendo muito aberto com a senhora, não tô usando nenhum jogo estratégico, confio na sua elevação de raciocínio, inteligência e de justiça, estou falando da situação do homicídio, por isso fiz essa indagações pra senhora. Essa sua frase aqui é o que gerou essa proposta de condenação."
Testemunha sigilosa: "Só que você entende que foi o que escutei e tô aqui pra falar a verdade. É uma coisa que quem pode esclarecer é ela."
Dalledone: "Entendi. Mas não há problema nenhum no que ela disse, muito menos no que a senhora reproduziu ela dizendo. O problema é a interpretação que se dá. E por isso eu pergunto à testemunha o seguinte: por essa frase que a senhora ouviu dela, ela estava incentivando o homicídio?"
Testemunha sigilosa: "No meu ponto de vista não."
Dalledone: "Excelência, sem mais perguntas, estou devolvendo a palavra."
Cristiana processa espólio de Daniel
Cristiana Brittes foi presa em 31 de outubro de 2018 e ganhou liberdade em setembro de 2019 para aguardar o julgamento. Em 28 de fevereiro de 2020, a juíza Luciani Regina Martins de Paula decidiu não levar à frente a acusação de homicídio contra ela.
Depois de ser isentada do assassinato, Cristiana também decidiu processar o espólio do jogador e exigir indenização. Segundo o advogado dela, a ação civil vai usar o argumento de que Cristiana foi vítima de um crime sexual cometido por Daniel e teve foto íntima divulgada por ele sem autorização.
Agora, Cristiana vai ser julgada apenas por coação de testemunha, fraude processual e corrupção de menores, assim como a filha. Isso porque tinha uma convidada menor de idade dormindo na casa, e ela teria sido induzida a limpar a cena do crime.
O marido também vai responder pelos três crimes, além de homicídio.
Allana Brittes foi solta em agosto de 2019 após dez meses presa.
Evelyn Perusso, uma das amigas de Allana, vai responder por fraude processual, porque teria alterado a cena do crime.
Os quatro homens que admitem ter batido em Daniel vão ser julgados por três crimes: Homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e fraude processual.
Ygor King, David Vollero e Eduardo Henrique da Silva ganharam liberdade em outubro de 2019. Edison Brittes permanece preso até a publicação deste programa, em setembro de 2020. Não há data marcada para todos irem a júri popular.
Os envolvidos do Caso Daniel
A morte do jogador Daniel Corrêa foi um dos crimes mais chocantes que já envolveram um jogador de futebol no Brasil.
Não apenas pela forma como seu corpo foi encontrado, mas pela sequência de fatos que transformaram uma simples festa de aniversário em uma carnificina à luz do dia.
Dois anos depois, muitas certezas foram construídas sobre o caso. Edison Brittes confessou o crime e nunca mostrou ter se arrependido dele. Edison se juntou com outros três homens e espancou uma pessoa indefesa, cortou o pênis dele e tentou cortar sua cabeça. Um dia depois, ligou para a família do morto e prestou solidariedade.
Mas na visão de Edison, qualquer homem na situação dele faria o mesmo.
Esse tipo de discurso fala muito sobre ele. Mas também fala muito sobre nós. A mensagem que Edison quis passar ao cometer esse crime era uma só. Ele disse que fez o que fez para defender sua mulher. Mas, no fundo, ele quis defender sua masculinidade. E a forma que encontrou para defender sua masculinidade foi arrancar fora a masculinidade de Daniel.
O caso Daniel é um crime produzido por homens. E que só faz sentido em uma sociedade dominada por homens.
Advogado de defesa Cláudio Dalledone Júnior: "Pelo seu apuratório, o Daniel morreu porque mexeu com mulher casada, porque deitou em cima da mulher casada, porque tava na cama da mulher casada?"
Delegado Amadeu Trevisan: "O Daniel morreu por ser imaturo, jovem, bobo, tirando uma foto, mostrando pros amigos. Uma imaturidade muito boba."
Dalledone: "Se for morrer por tirar foto eu vou jogar o celular fora. Deitar na cama de uma mulher casada, e falar que comeu a mulher, é imaturidade?"
Trevisan: "É, ainda é. Todo homem que revela aquilo que faz pra mim é imaturo, nesse aspecto."
Esse trecho é do depoimento do delegado Amadeu Trevisan respondendo o advogado de defesa Cláudio Dalledone Júnior em juízo. Eles falam das atitudes dos homens no dia que Daniel foi assassinado.
Mas e as mulheres que estavam com eles naquele dia?
Depois de saber que o pai tinha matado um convidado de sua festa, Allana limpou a cena do crime e foi almoçar estrogonofe. Em um encontro no shopping com testemunhas do assassinato, ela e a mãe comeram fast food enquanto Edison falava sobre o que fez.
Hoje Allana cursa a faculdade de direito, enquanto aguarda o julgamento.
Cristiana ficou onze meses presa, acusada de ser uma assassina por supostamente ter dito duas frases ambíguas no meio de uma confusão.
Enquanto toda a família esteve presa, a filha menor do casal, uma menina de 12 anos, se mudou para a casa dos avós e ficou quase um ano longe dos pais.
Antes de ir pra Curitiba passar um fim de semana com amigos, Daniel deixou em casa a mãe, uma mulher que passaria os meses seguintes entre o luto e a revolta, chorando e sentindo raiva daqueles que tiraram dela o único filho.
Daniel também deixou uma filha pequena, aos cuidados de sua ex-namorada, que também precisou prestar depoimentos à Justiça. E que um dia terá que explicar à filha o que aconteceu com o pai.
Depois que Daniel morreu, a tia e a mãe assumiram a defesa da memória do jogador. Elas tiveram que reviver a cada foto, a cada notícia, a cada movimento do processo, a dor de uma perda irreparável.
O caso Daniel foi um crime praticado por homens e que vitimou outro homem, totalmente indefeso. Mas foi um crime que deixou também entre as vítimas muitas mulheres. As mulheres que amavam esses homens e jamais vão esquecer o que eles fizeram.