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Síndrome do pânico fez Ana Paula desistir de sua quinta Olimpíada

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

22/10/2014 06h00

Assim que a aeromoça fechou a porta do avião, um gatilho 'disparou' trágicos pensamentos na cabeça de Ana Paula Henkel. A ex-jogadora de vôlei não conseguia respirar, passou mal e se sentia dentro de uma caixa de fósforo tamanha era a sensação de claustrofobia. Para Ana Paula, seu corpo reagiu à certeza de que a aeronave iria decolar e cair em seguida. Instantes antes do voo os tripulantes foram obrigados a reabrir a porta para que ela saísse.

A jogadora logo percebeu que não estava bem de saúde. Este mesmo comportamento se repetia pela quarta vez em um intervalo de meio ano. Hoje, Ana Paula sabe que estava desenvolvendo síndrome do pânico. O diagnóstico veio da psicóloga com quem já trabalhava no esporte.

“Aquilo foi um alerta para mim, quando saí do meu quarto voo... Falei: 'esse avião vai cair, eu tô com uma intuição'. Enfim, intuição nada, era síndrome do pânico batendo mesmo. Estava na hora de dar um tempo porque na minha carreira entrei e saí de avião 300 milhões de vezes.”

E viagens sempre foram rotina numa carreira dedicada à seleção brasileira de vôlei, que inclui três titulos do Grand Prix, vice-campeonato mundial e o bronze nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996. Depois, a carreira nas quadras terminou, mas Ana Paula seguiu para o vôlei de praia.

A ex-atleta conta que durante os voos o normal era cair no sono enquanto o avião se preparava para decolar. Ana Paula recorda que além das quatro crises, sofria muito nas viagens. Quando chegava nos destinos ficava pensando como seria na hora de ir embora, desencadeando uma ansiedade fora do comum. Também achava que coisas ruins aconteceriam com familiares enquanto estivesse longe.

“Aí é efeito dominó. Uma coisa começa a puxar a outra. Se você não procura ajuda, Deus sabe onde isso vai parar.”

O ano era 2011 e Ana Paula interpretou tudo aquilo como um grito de alerta de seu corpo, de que era o momento de fazer outra coisa da vida. Uma conversa com o pai, sempre um conselheiro em sua carreira, ajudou a tomar a decisão. Para isso, recusou uma oferta tentadora. Ela tinha uma boa proposta de patrocínio para tentar vaga nos Jogos Olímpicos de Londres, a quinta participação da carreira. Ao abrir mão da oportunidade o espírito competitivo da atleta confundiu Ana Paula por algumas semanas, mas uma conversa ajudou a medir a importância das coisas.

“Conversando com meu pai ele falou: 'Cinco (Olimpíadas)? Quatro não tá bom? Vai cuidar do teu filho, da sua família.' Comecei a colocar na balança os relacionamentos que acabam não dando certo porque o vôlei tá sempre em primeiro lugar, peguei o calendário do meu filho, as coisas que eu ia perder não estando com ele e falei: realmente não preciso de cinco Olimpíadas.”

Ana Paula lembra que perdeu casamentos de grandes amigas, batizados de crianças que ia ser madrinha, comemorações importantes da família e enterros, incluindo o da avó, por quem tinha verdadeira adoração. Mas o episódio mais lamentado aconteceu com o filho. “Não estava lá num momento crucial da vida dele que foi quando quebrou o braço. Foi muito grave, precisou de cirurgia, quase fratura exposta, precisou fazer redução de osso, botar pino e eu não tava lá. Tava na Grécia”.

Ana Paula lembra que ligava para o pai de seu filho Gabriel e nada dele atender. Tentou por três horas até que discou o número da avó do menino de cinco anos. Ela explicou que ambos estavam numa clínica fazendo um raio-x porque a criança quebrara o braço ao pisar na bola no colégio.

A ex-jogadora ficou preocupada, mas num nível controlado porque não é incomum uma fratura nesta idade. Mas, três horas depois, o pai do menino continuava sem atender aos telefonemas. Ana Paula ligou para o médico de Gabriel que acreditava que a ex-jogadora estava a par de tudo.

“Ele falou: 'Olha só fica calma porque a sala de cirurgia já está sendo preparada.' Aí eu, como assim? A fratura foi realmente quase exposta, mas vai dar para a gente reduzir o braço, ele falando comigo achou que eu sabia de tudo. Aí eu 'pafff' apaguei na frente do telefone. Durante três segundos eu apaguei, o telefone caiu da minha mão. A Letícia, minha técnica na época pegou o telefone, falou com ele. Imagine só, ele tava tão longe.”

Desde então a ex-atleta passou a viajar preocupada, pensando o que as pessoas vão esconder para que não ficasse nervosa. “Depois de 2005 a coisa começou a ficar mais difícil pra mim.”

Encerrada a carreira, em 2011, os sintomas de síndrome do pânico sumiram e Ana Paula voltou a subir no avião sem qualquer problema. Melhor assim porque ela mora em Los Angeles, Estados Unidos, com o marido, e faz viagens constantes para o Brasil. Estuda design de interiores na UCLA, prestigiada universidade e vai se formar ano que vem. Na sequência quer engatar outra faculdade, a de história da arte.

A ex-jogadora conta que levou para sala de aula a disciplina do esporte e por conta disso consegue boas notas. Antes de estudar design de interiores, se aventurou no curso de Jornalismo. Já tinha experiência, chegou trabalhar no Sportv, mas um diretor da ABC de Los Angeles disse que pelo currículo esportivo que tinha o diploma era secundário para a carreira. Escolheu outro curso.

Mesmo com a vida acadêmica, é claro que o vôlei não deixou de fazer parte da vida dela. E nem foi preciso correr atrás. Certo dia a atletas americanas que competiram no circuito de vôlei de praia ligaram e a convidaram para bater uma bola. Ana Paula foi encontrar nomes de peso como Walsh, May e Holly McPeak.

“Pensei, a gente vai bater um papo, vai dar risada. Para minha surpresa em 10 minutos de jogo elas tavam tão competitivas quanto jogando o circuito mundial. Falei meu Deus. Eu tava meio fora de forma, vou ter que fazer um esforço meio sobrenatural para estar no mesmo nível delas”.

As partidas são tão puxadas que tem público para ver. Como estava sem o preparo físico ideal, Ana Paula ficou com o corpo inteiro dolorido no dia seguinte ao jogo. Outro contato com a bola se dá em aulas. O vôlei de praia se tornou esporte para alunas bolsistas nas universidades americanas e tem pai pagando entre 80 e 160 dólares por hora de aula.

Palestras que Ana Paula faz para empresas são outra fonte de renda. O público são mulheres e ela explica como ser profissional, mãe e esposa. Mesmo com todas estas receitas, afirma que não está rica e que o esporte não foi suficiente para fazer fortuna. Justifica que os patrocínios são esporádicos, apenas no ano dos Jogos Olímpicos ou, no máximo, no ano anterior.

Ainda assim, não se arrepende por ter dito não aos diversos pedidos para posar nua. Conta que a ideia nunca foi bem aceita pelo pai e por isso preferiu recusar. Depois que ele morreu, uma revista masculina fez nova tentativa, mas a resposta foi a mesma.

Ana Paula prefere a vida junto a família, cuidando da nova carreira. Até uma empresa de arquitetura de interiores já abriu. Também gosta de receber amigos em casa e diz que a casa em Los Angeles tem seu diferencial diante da vizinhança. “A minha casa é casa de mineiro, as crianças entram e saem. Elas largam a bicicleta no meio da rua e as vezes eu tô em casa fazendo pão de queijo e falam pão de queijo (imita sotaque americano). Elas sentem o cheiro lá de fora e entram na minha casa. Pão de queijo (risos)."