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Por que o Brasil deve ficar preocupado com a queda na Liga Mundial de vôlei

Bernardinho se irrita durante o confronto entre Brasil e Estados Unidos, válido pela Liga Mundial - Antonio Lacerda/EFE
Bernardinho se irrita durante o confronto entre Brasil e Estados Unidos, válido pela Liga Mundial Imagem: Antonio Lacerda/EFE

Guilherme Costa

Do UOL, no Rio de Janeiro

18/07/2015 06h00

A seleção brasileira de vôlei masculino adotou uma espécie de mantra depois da derrota para a França, na última quarta-feira (15), na abertura da fase final da Liga Mundial de 2015. “A gente só falava para pensar na frente. Não interessava o que tinha acontecido antes”, relatou o ponteiro Lipe no dia seguinte, depois da vitória sobre os Estados Unidos. A combinação de resultados, contudo, não foi suficiente para garantir o país anfitrião nas semifinais da competição – nas últimas 16 edições do torneio, foi apenas a segunda vez em que os brasileiros não terminaram pelo menos entre os quatro melhores. Mas passada a frustração de ver rivais celebrando em pleno Maracanãzinho a pouco mais de um ano do início da Rio-2016, quais são as lições oferecidas pelo insucesso dos donos da casa?

É preciso sacar melhor

A análise do técnico Bernardinho diz tudo nesse caso: “Saque. Precisamos melhorar nosso saque. É uma questão até cultural: temos de entender que aqui no Brasil os times também devem sacar com mais consistência. Precisamos de alguém que nos momentos importantes faça como o 10 da França [o central Kevin Le Roux], que achava um ace. É o fundamento em que precisamos trabalhar mais, tanto tecnicamente quanto no emocional”.

A qualidade do saque é um dos principais diferenciais da seleção norte-americana, atual campeã da Liga Mundial. Não apenas pelo volume de pontos diretos, mas porque o serviço mais forçado consegue desestabilizar o passe rival e facilitar a vida dos bloqueadores.

No Brasil, poucos jogadores optam por saques forçados. Entre os que batem com mais força na bola, o maior exemplo de inconsistência foi o central Lucão, que errou três serviços em sequência na vitória sobre os Estados Unidos. Na quarta tentativa, o camisa 16 tentou um movimento mais contido e mandou a bola na rede. A reação de Bernardinho, que deu uma bronca efusiva nele no banco de reservas, chamou atenção.

“Ele falou: ‘Saca flutuante para mim, por favor. Roda as bolas, que é isso que eu preciso’. Eu errei, mas acontece. Às vezes, você está desconcentrado um pouco e erra no lançamento. Eu tenho a característica de forçar o tempo todo, e se o lançamento sair um pouquinho errado a bola já pega mal na mão. Acho que faltou um pouquinho de concentração ali”, admitiu Lucão.

É preciso errar menos

A vitória do Brasil sobre os Estados Unidos teve um total de 64 erros. Do lado norte-americano, a justificativa é que eles trabalharam no limite e forçaram a mão no saque. Entre os brasileiros, apenas a irregularidade serve como argumento. Se o time comandado por Bernardinho quiser evoluir até os Jogos Olímpicos do próximo ano, é fundamental arriscar mais ou falhar menos.

“A gente sabe que precisa de números melhores. Às vezes você acerta uma jogada, mas erra a segunda. Essa falta de constância dá um alívio muito grande para a equipe deles. Em certos momentos de fim de set a gente errou demais, e no momento mais difícil de jogar eles não tiveram pressão nenhuma porque a gente falhou no saque. Isso facilitou um pouquinho para eles”, admitiu o ponteiro Lucarelli depois da derrota para a França.

A recepção do Brasil também foi irregular na fase final da Liga Mundial – até o ponteiro Murilo, um dos principais destaques do time nesse fundamento, cometeu erros bobos nos jogos contra França e Estados Unidos. Os ataques pelas pontas – com exceção de Lucarelli – tiveram aproveitamento baixo, e o levantador Bruninho usou pouco os centrais.

Não dá para basear tanto o jogo ofensivo em poucas opções

Lucarelli tem apenas 23 anos, mas teve de carregar o ataque do Brasil na fase final da Liga Mundial. Foi assim contra os Estados Unidos, por exemplo: no jogo em que os donos da casa precisavam vencer para manter qualquer chance de classificação, o camisa 18 respondeu com 21 pontos.

A questão na atual seleção brasileira é como diversificar o ataque. A segunda grande válvula usada pelo levantador Bruninho é o oposto Wallace, que teve fortes dores nas costas e não pôde participar da fase final da Liga Mundial. Sem ele, faltaram opções que derrubassem a bola nos momentos mais relevantes.

É preciso ter jogadores fisicamente inteiros

A diferença de volume do Brasil na fase final da Liga Mundial foi uma demonstração clara de um problema da atual seleção: quando Lucarelli estava na rede, os ataques fluíam; nas passagens de Murilo, Bruninho nitidamente diversificava mais.

Murilo já foi o melhor jogador do planeta e ainda hoje é um ponteiro passador de excelência. No entanto, depois de ter passado por duas intervenções cirúrgicas no ombro, o camisa 8 ainda está muito aquém de seu potencial em fundamentos como saque e ataque. Isso ficou claro contra os Estados Unidos, quando o ponteiro Lipe entrou, deu mais energia ao time e foi fundamental para a vitória.

O caso de Murilo é apenas um exemplo de uma discussão necessária: afinal, o Brasil vai ter todos os titulares em seu auge físico para os Jogos Olímpicos? A preocupação é grande em casos como o do líbero Serginho, 39, o mais velho do atual elenco.

Os Jogos Olímpicos serão disputados depois da temporada, num período em que os atletas já estarão em declínio físico. Neste ano, isso afetou diretamente em casos como os dos centrais Sidão (com dores no ombro, ele optou por tratamento convencional e só deve voltar às quadras em outubro) e Riad (com uma lesão parcial num ligamento do joelho direito, vetado da fase final da Liga Mundial).

A seleção brasileira precisa desenvolver lideranças

“Tomei alguns puxões de orelha. Meu papel também é esse, de liderar e tentar motivar todo mundo a toda hora”, admitiu o levantador Bruninho, capitão da seleção, em alusão ao pós-derrota para a França. Nos momentos mais relevantes da fase final da Liga Mundial, o Brasil mostrou que ainda é um time emocionalmente claudicante.

Não por acaso, o grande momento do Brasil foi entre o fim do terceiro set contra os Estados Unidos e o início da parcial seguinte. Insuflado pela entrada do ponteiro Lipe, nome mais gritado pela torcida durante a fase final, o time da casa passou a jogar com mais energia e confiança. O reflexo disso no placar foi direto.

A discussão sobre lideranças tem a ver com o perfil da atual geração do Brasil – alguns dos mais experientes, como Murilo e Lucão, são notadamente contidos em quadra. Nesse aspecto, mais uma vez, a grande aposta é Lucarelli.

“Eu tive a honra de trabalhar com alguns dos maiores ponteiros desse país como jogador e treinador. Como talento e capacidade técnica, o Lucarelli não deve nada a eles, mas é óbvio que ele tem de amadurecer. Quando ele chegou, coloquei no mesmo quarto do Bruno, que é de uma geração intermediária. Eu queria que ele passasse um pouco que ele tem importância e que pode ser o referencial de uma geração. O Lucarelli pode ser um dos grandes”, elogiou Bernardinho.

Jogar em casa também representa jogar com pressão

O Brasil sediou a fase final da Liga Mundial em cinco edições (1993, 1995, 2002, 2008 e 2015) e só foi campeão na primeira delas. Os anfitriões da etapa decisiva, aliás, não vencem o torneio desde a Holanda em 1996. Neste ano, os comandados por Bernardinho aprenderam da pior forma que o mando de quadra não é apenas uma vantagem.

Foi assim na derrota para a França, principalmente. Em alguns dos momentos mais tensos do jogo, o Maracanãzinho esteve tão ou mais nervoso do que os jogadores que estavam na quadra. Não houve pressão ou ambiente que tirasse os rivais do sério.

A volatilidade do público também apareceu na partida contra os Estados Unidos. Ataques e longas disputas de pontos empolgavam as pessoas que estavam no Maracanãzinho, e o fim do terceiro set foi celebrado como se fosse um gol.

“Acho que o time tinha de passar por isso. Essa pressão vai existir agora e numa futura Olimpíada. É importante se adaptar a esse tipo de momento”, disse o levantar William. “Pensando no futuro, o time precisa se acostumar a isso”, completou.

Não tem mais bobo no voleibol

A Liga Mundial não tem um bicampeão desde o Brasil (2009/2010). A Rússia conquistou dois títulos depois disso, mas não chegou sequer à fase final em 2015. Os norte-americanos são os atuais campeões, e a Polônia, que venceu o torneio em 2012, ainda colocou em sua galeria o Mundial do ano passado. A verdade é que o voleibol mundial vive um momento de extremo equilíbrio.

“Não existe mais hegemonia no voleibol masculino. A gente não vai ganhar sempre. As coisas estão muito equilibradas”, analisou o levantador brasileiro Bruninho.

Nos últimos cinco anos, a lista de semifinalistas da Liga Mundial teve novidades como Argentina (2011), Cuba (2012), Bulgária (2012 e 2013) e Irã (2014). Entre os quatro primeiros deste ano, a Sérvia não chegava a uma posição tão alta desde 2010. A França, então, desde o vice-campeonato de 2006 (derrota para o Brasil na decisão).

Os franceses estavam invictos na Liga Mundial até o revés para os Estados Unidos na última sexta-feira. Entre os seis integrantes dessa etapa, porém, a melhor campanha foi a da Polônia, único time que somou quatro pontos.

Os poloneses são um caso especial nessa discussão sobre a nova ordem do voleibol mundial. Além de terem apresentado um dos jogos mais consistentes da Liga Mundial, os europeus se preparam para receber um reforço de peso: Wilfredo León, 21, que era capitão de Cuba, conseguiu nesta semana a nacionalidade polonesa.