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OPINIÃO

Ódio à festa: o Carnaval de rua de São Paulo corre perigo?

"A cidade é nossa": mural de Rita Wainer visto em desfile do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, no carnaval de 2018 Imagem: Eduardo Anizelli - 04.fev.2018/Folhapress

Colunista de Nossa

26/11/2024 05h30

O Carnaval de rua está sob ataque de um pacto conservador em torno dos Conselhos de Segurança (os CONSEGs) dos bairros da elite, que sempre reproduziram um discurso de ódio às festas, repudiando a ocupação da cidade pelo povo e por suas manifestações artísticas.

Desde o surgimento dos primeiros blocos, nosso Carnaval contemporâneo não parou de crescer e se estruturar. São Paulo, em apenas 15 anos, se transformou em um dos maiores centros carnavalescos do Brasil com cerca de 15 milhões de foliões nas ruas, milhares de postos de trabalhos gerados e R$ 3 bilhões de giro econômico. Mas o ódio nunca deixou de existir.

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Bloco carnavalesco toma a Praça da República no Carnaval Imagem: Edson Lopes Jr/UOL

Uma nova mobilização conservadora fez circular um relatório sobre o Carnaval de 2024, que aponta — com distorções jurídicas —, o que seriam diversos "ilícitos" cometidos. Os poucos membros desses Conselhos se contrapõem à alegria de milhões de pessoas que não são levados em conta por quem age como se São Paulo e seus bairros não fizessem parte do Brasil.

Infelizmente, ataques aos nossos movimentos culturais e cerceamento dos espaços públicos que os recebem fazem parte da história da cidade.

Para piorar, a Secretaria Municipal de Cultura abriu mão de seu papel histórico de organização do evento gerando graves problemas: o atraso nos processos de inscrição e patrocínio, a diminuição do apoio aos blocos comunitários e periféricos e o fortalecimento dos órgãos de segurança e controle — que proibiram alguns desfiles, obrigaram seus términos às 18h, exigiram enormes áreas gradeadas reservadas para policiais e o cercamento de todos os trajetos carnavalescos para revista do público.

Bloco de rua em Pinheiros, no Carnaval de 2019 Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

Tudo isso gerou centenas de cancelamentos de blocos — muitos deles tradicionais — que ficaram completamente desamparados.

Medidas de segurança são sempre bem-vindas, desde que não transformem a festa popular em outra coisa. Os órgãos de segurança devem cumprir seu papel de evitar roubos e furtos e garantir a liberdade de ir e vir das pessoas.

É urgente que a prefeitura retome a mediação cultural para reverter o ambiente restritivo e acelerar a produção do evento. Para 2025, a administração municipal sequer abriu o processo de inscrição de blocos!

Organizar a festa de rua com antecedência e a articulação com a sociedade é a melhor vacina contra todos esses ataques. O Carnaval é o que nos une, é nossa identidade, fura bolhas e não deve ser tratado com objeto de disputa ideológica por aqueles que preferem uma cidade cinza, sem expressões comportamentais e intervenções artísticas.

São Paulo não pode correr o risco de perder o posto de ser um dos maiores carnavais do Brasil e, para evitar isso, muitos blocos e coletivos já se movimentam.

Alessandra Negrini no desfile do Acadêmicos do Baixo Augusta deste ano Imagem: Marcelo Justo/UOL

O Acadêmicos do Baixo Augusta, por exemplo, já anunciou o tema do seu desfile inspirado na obra de Jorge Aragão e em defesa do próprio Carnaval, das rodas de samba e das manifestações da cultura popular e da vida noturna da cidade: "A força dos nossos pagodes".

Resiste quem pode — como também diz a letra do mestre Aragão — porque uma cidade ocupada pelas pessoas e pela arte é uma cidade mais humana, mais bonita, mais colorida, mais segura e muito melhor para se viver.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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Alê Youssef