Ao restringir horário da vida noturna, SP joga contra o que tem de melhor
Ao contrário de grandes capitais mundiais, que avançam nas estratégias de valorização da vida noturna como um dos pilares da economia criativa — criando, inclusive, cargos públicos e planos urbanos específicos para projetar suas cidades para serem 24 horas —, São Paulo, que tem inequivocamente uma das noites mais efervescentes do mundo, está estranhamente jogando contra sua própria tradição obrigando bares, restaurantes e estabelecimentos que não têm rígido isolamento acústico a fechar suas portas cada vez mais cedo.
Suportada por impressionantes 156 mil bares e restaurantes, segundo levantamento da AbraselSP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), que empregam 218 mil pessoas formalmente — de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) — a noite paulistana sofre com essa restrição de horário que inibe a criação de novos empregos e oportunidades e prejudica a cultura da cidade que tem na noite seu habitat natural. O mesmo levantamento apontou que 52% dos bares e restaurantes de São Paulo operaram sem lucro em 2023. Destes, 18% registraram prejuízo e 34% ficaram estáveis.
O Plano Diretor recentemente revisado não contempla estratégias de desenvolvimento e estruturação da vida noturna e gera uma intensa especulação imobiliária que transforma radicalmente a cidade e atua diretamente contra a madrugada e suas tradições.
A propaganda imobiliária que diz "Venha morar na região mais agitada da cidade" se transforma rapidamente em reclamações sobre o barulho da agitação quando os novos moradores chegam. O PSIU — Programa de Silencio Urbano da Prefeitura — que cumpre um papel fundamental na vida comunitária, vem sendo cada vez mais pressionado para multar e até fechar estabelecimentos.
Trata-se de um perverso ciclo urbano que ironicamente se replica em praticamente todos os bairros que fazem São Paulo ser uma das capitais mundiais da gastronomia e da cultura. Ou seja, de forma incoerente, a cidade se auto sabota e joga contra o que ela tem de melhor.
Também entram nessa equação um evidente moralismo de uma parcela da população — que não gosta do que a boemia representa — e uma cegueira do poder público sobre a potência econômica e cultural que estamos desperdiçando.
A busca por uma cidade 24 horas depende de gestão moderna e eficiente e planejamento de áreas de eventos, transporte público, iluminação, segurança urbana, dentro de um ecossistema que se articule com os bares e restaurantes e as casas noturnas. Tudo isso em um ambiente que promova soluções e mediações de conflitos bem distantes da prática simplista de proibições e restrições.
São Paulo deveria ter seu Subprefeito(a) da Noite como Nova Iorque, Amsterdam e outras cidades do mundo para desencadear todo esse trabalho e projetar um eixo de desenvolvimento e inclusão social a partir da ideia da sua vida noturna.
As manifestações culturais que resistem hoje nas madrugadas, não seriam mais consideradas apenas baladas, mas projetos que precisam ser estimulados e apoiados como indutores das industrias criativas locais.
Defender a noite e sua economia não pode ser confundido com pregar a baderna e impedir o sono de quem precisa dormir. É fundamental ponderar que uma das mais belas tradições culturais da cidade é também uma super oportunidade de desenvolvimento, não pode se perder sem planejamento e um olhar contemporâneo sobre o assunto.
Um salve a todos os bravos empreendedores da gastronomia e da noite da cidade, que fazem São Paulo ser bonita e interessante. Viva o Riviera Bar, o Estadão Bar e Lanches, o New Dog Hamburguer, a Bella Paulista, o Paris 6 Classique e o BH Lanches, heróis da resistência da São Paulo 24 horas.
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