Tragédia no Pelourinho evidencia descaso com patrimônio e crise de gestão
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"Um soco no estômago do Brasil". Foi assim que o jornalista e historiador Thiago Gomide, criador e apresentador do "Tá na História" — canal nas redes sociais especializado em cobrir o patrimônio histórico material e imaterial do país — definiu em postagem com tom de desabafo, a queda do teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho em Salvador, que lamentavelmente matou a turista paulista Giulia Panchoni Righetto e deixou outras cinco pessoas feridas.
A tragédia acontece em um contexto de abandono e descaso do templo, também chamado de Igreja do Ouro, que é reconhecido mundialmente como uma das sete maravilhas portuguesas ao redor do planeta, e estava com explícitos problemas estruturais desde 2023.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN), vinculado ao Ministério da Cultura, depois da constatação das falhas estruturais da Igreja, foi incluído no planejamento — lá de 2023 — a contratação de empresa para elaboração de projeto executivo de arquitetura, engenharia e restauração da Igreja, e que quando essa fase fosse concluída — está desde 2023 sem definição — ai, sim, seria contratada a empresa que faria as obras.
É tudo auto explicativo. Em que pesem responsabilidades compartilhadas de outros órgãos públicos e até mesmo da cúria de Salvador diante de um iminente desastre, os processos de preservação do patrimônio no Brasil precisam ser revistos e modernizados. A morosidade e burocracia são imensas e não acompanham a urgência dos casos.
Importante frisar que em imóveis tombados pelo patrimônio histórico — caso da Igreja em questão — para se tomar qualquer medida estrutural é necessário o parecer e o projeto técnico dos órgãos de patrimônio. Ou seja, tudo depende antes da agilidade desses órgãos.
A verdade é que a cultura vive uma grave crise de gestão. A impressão é que as ações são superficiais, diante das reais demandas do setor cultural e da população.
Praticamente reduzimos a política cultural brasileira a editais de fomento que repassam o pouco orçamento público para poucos produtores realizarem seus projetos. Ou a Leis Emergenciais que encontram muitas dificuldades de serem executadas nas pontas. É preciso fazer muito mais!
Além dos óbvios e tristes desdobramentos dos pontos de vista humano, cultural e educacional, o desleixo público também atinge todo comércio ao redor do templo. Muita gente vive dos produtos que remetem à vida de São Francisco e da própria Igreja. Como o próprio Thiago Gomide enfatizou em seu post desabafo:
Ou vamos entender que patrimônio é também gerador de receita (além das crenças que por ventura estejam atreladas) ou multiplicaremos casos como esse.
Essa face vinculada à economia criativa, nesse caso com recorte especial no turismo, está ainda mais distante de se consolidar no Brasil por até agora não ser priorizada pelo governo. Poderia certamente ser uma saída para o enorme desafio de preservação do patrimônio histórico nacional. A Igreja de São Francisco não é uma exceção. Existem muitos espaços históricos em situações semelhantes em todo país.
Meus sentimentos e solidariedade aos familiares e amigos de Giulia Panchoni Righetto.