Alê Youssef

Alê Youssef

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

O Oscar veio, e agora?

Sim, o histórico Oscar de "Ainda Estou Aqui" é uma vitória da democracia, ameaçada no mundo todo pelo crescimento da extrema-direita. No Brasil, o sucesso do filme engrossa o coro "Sem Anistia" para a tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023, e é um importante marco educacional sobre os horrores do regime militar para as novas gerações.

Mas, para além dessa importância política inequívoca, que já está sendo celebrada e debatida nos quatro cantos do país, inclusive por quem pouco se interessa por cultura, é preciso também um olhar sobre a relação do prêmio com a política cultural brasileira.

Fazendo uma analogia com o futebol, nós vencemos várias vezes a Copa do Mundo graças à magia dos nossos jogadores, e demorou para vermos qualquer melhoria na infraestrutura do esporte. E ainda temos vergonha da Confederação Brasileira de Futebol, não é mesmo?

No Oscar, a conquista veio graças ao brilhantismo e talento de Walter Salles, Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello e grande elenco e equipe, mas nossa infraestrutura cultural deixa muito a desejar. Essa reflexão é fundamental para que esse prêmio não seja um fato isolado e possa inspirar mudanças.

A Coreia do Sul — maior referência recente de valorização e estruturação da economia criativa — investiu milhões de dólares para impulsionar seu departamento de cultura popular para gerar emprego e renda e projetar uma nova imagem do país para o mundo através da geração de conteúdos em várias áreas como a música, a moda, a arte digital e o audiovisual — e teve como resultado e grande símbolo desse movimento de reposicionamento da nação, as quatro estatuetas do Oscar vencidas pelo filme "Parasita".

Já o Brasil, que teve no passado conquistas importantes para o setor, como a criação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e do Fundo Setorial do Audiovisual, parece que parou no tempo e fez muito pouco para justificar com suas políticas públicas, a vitória do último domingo.

Em um governo loteado por diversas forças políticas, a área cultural foi ocupada por um grupo mais sectário e ideológico, que não possui muitas referências e informações sobre políticas da contemporaneidade.

Por isso, as ações públicas do setor se distanciaram da possibilidade de atualização e modernização e a referência coreana, apesar de sempre mencionada e lembrada por todos, fica cada vez mais distante.

A verdade é que o primeiro Oscar brasileiro reforça que no Brasil as grandes conquistas dependem muito mais do talento e empenho coletivo de quem ama o cinema brasileiro do que do planejando do país em busca de avanços.

Continua após a publicidade

Ao lado do vitorioso filme, praticamente todas as produções independentes seguem um caminho quixotesco para conseguir se viabilizar.

Melhor exemplo disso é a principal demanda do audiovisual brasileiro, que já tratamos várias vezes nesse espaço, como estratégica para todas as áreas da nossa cultura. A regulamentação do vídeo por demanda (VoD) e das plataformas de streaming traria um benefício transversal para a cultura brasileira e multiplicaria as produções nacionais, para um patamar nunca antes visto.

O governo brasileiro deveria estar fazendo todos os esforços para aprovar essa regulamentação no Congresso Nacional. Mas não está.

Será que o Oscar é capaz de chacoalhar as estruturas da realpolitik e fazer não só o governo atuar nesse sentido, mas a grande mídia se aprofundar e pautar esse assunto de verdade? Será que o deputado Hugo Motta e o senador Davi Alcolumbre não topam abraçar essa pauta? Podem inclusive batizar a nova legislação do streaming de Lei "Ainda Estou Aqui".

Parabéns, Walter Salles e toda a equipe pelo trabalho impecável. Parabéns, Fernanda Torres, por nos representar tão bem. Parabéns, Marcelo Rubens Paiva, que escreveu essa obra-prima que deu origem a uma das trajetórias culturais mais bonitas da nossa história e, principalmente, o reconhecimento mundial para sua mãe, Eunice Paiva, uma heroína brasileira.

Viva o filme que trouxe o primeiro Oscar do Brasil! E com a mesma inquietação e amor de quem faz cinema e cultura no Brasil, devemos perguntar: O Oscar veio, e agora?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.