Culto ultraconservador na D-Edge é desrespeito e retrocesso civilizatório
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O culto evangélico ocorrido no tradicional clube de música eletrônica D-Edge, em São Paulo, foi um evento triste e que abriu espaço para discursos e gestos desrespeitosos que atingem em cheio todas as pessoas que lutaram — e ainda lutam — pela cultura alternativa, pela diversidade e pela liberdade.
Quando na pista mais famosa de São Paulo — em plena segunda-feira que foi habitada por mais de dez anos pela "On The Rocks", noite célebre comandada por Vivi Flacksbaum e que teve nas pick-ups DJs residentes como João Gordo, Zegon e o coletivo De Polainas — alguém ousar fazer o discurso abominável da cura gay, bradar barbaridades sobre perdoar abusadores e demonizar o espaço que abriu suas portas falando em trazer luz para as trevas, não é apenas a D-Edge que perde, mas toda a sociedade. É um retrocesso civilizatório.
Trevas? Foram quase 25 anos dando espaço para todas as vertentes da música eletrônica, recebendo DJs ícones tanto nacionalmente, como internacionalmente e ganhando todos os prêmios que existem.
Melhor clube, melhores noites, melhor soudsystem, melhor projeto de luz etc. A D-Edge figurou muitos anos como um dos melhores clubes do mundo na mídia especializada. Um dos espaços dedicados à cultura underground mais longevos, importantes e desejados tanto para quem dança como para quem toca. Infelizmente, tudo isso foi colocado em cheque e à prova nesse fatídico culto.
Matéria da Folha de São Paulo, afirmou que o clube trocou o culto ao DJ pelo culto a Jesus e saiu do episódio com a imagem arranhada. A verdade é que, alem do arranhão, a D-Edge sentiu o gosto amargo do veneno dos radicais da extrema-direita raivosa e intransigente. E esse veneno definitivamente não tem nada a ver com Jesus.
Renato Ratier, uma das figuras mais importantes para o desenvolvimento da música eletrônica no Brasil e proprietário do clube, merece respeito por sua trajetória artística e empresarial e por sua opção religiosa.
Obviamente que não será repetindo o vício da lacração contra ele que vamos avançar, mas é importante que tanto ele, como todos aqueles que façam suas opções espirituais vejam a diferença que existe entre essa opção e a sanha ultra conservadora que ataca qualquer expressão de diversidade e de liberdade.
Não é novidade que existem aqueles que confundem a espiritualidade com o fanatismo. Não da pra confiar, portanto, em certas figuras que ganham notoriedade e muito dinheiro, apontando o dedo de ódio para outros seres humanos, por terem costumes e hábitos diferentes. Acreditar nesses profetas da desgraça alheia — que ocupam espaços e contaminam as mentes com ódio — é, para dizer o mínimo, ingenuidade.
Recentemente, outra matéria do jornal O Globo, mostrou no Rio de Janeiro, igrejas evangélicas construindo templos "instagramáveis" e trazendo DJs para os cultos, para através de uma roupagem pop, atrair fieis jovens. Nesse caso, a ação não tem nada de ingênua, uma vez que discurso conservador, mesmo em meio à pirotecnia, prevalece. Trata-se de um uma ação estratégica para manutenção do crescimento do setor no Brasil.
Nesse mundo difícil, com pouco espaço para dialogo, muito ódio e repleto de aproveitadores que ganham com a polarização, só nos resta enfatizar a beleza da cultura — em todas as suas expressões — seja nas pistas de dança, ou em qualquer lugar onde a liberdade e a diversidade são inegociáveis pressupostos da democracia.
Nossa resistência é continuar crendo e cultuando a noite, os clubes, as pistas, as festas, porque como diz o clássico de 1982 "Last night a DJ Save my Life" da banda norte-americana Indeep, um DJ também pode salvar nossas vidas.