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Jiló, esse amargo incompreendido, ganha redenção no cardápio dos botecos
"Sobrou que nem jiló na janta", diz o maroto ditado mineiro, a explicar a rejeição que se costuma ter por alguma coisa ou por alguém. Até mesmo Luiz Gonzaga lançou mão do amargor do fruto do jiloeiro para definir a amargura de uma saudade, no famoso forró:
"Ai quem me dera voltar
Pros braços do meu xodó
Saudade assim faz roer
E amarga que nem jiló"
Coitado do jiló, esse incompreendido.
Da família das solanáceas, o vegetal tem origem na costa oeste africana e é um primo do tomate, da berinjela e do pimentão. No Brasil, é mais cultivado em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e, para nossa alegria, encontra sua redenção no cardápio de muitos botecos desses três estados, tendo maior oferta nos dois primeiros, sob diversas formas de preparo.
Também apelando para o hoje genericamente incorreto dito popular, digo que o jiló é item capaz de separar homens de meninos, quando o assunto é boteco e botecagem, se é que você me entende.
"O fígado acebolado com jiló, por exemplo, é o prato-símbolo dos botecos instalados no Mercado Central de Belo Horizonte", diz o chef Eduardo Maia, criador do Festival Comida di Buteco.
Em 2018, aliás, a direção do mercado convidou doze chefs para montar a maior chapa de fígado acebolado com jiló do mundo, com 16 metros de extensão, durante um evento no local. Na ocasião, foram utilizados 140 quilos de jiló, 420 quilos de fígado e 180 quilos de cebola.
Entre os botecos jiloeiros do Mercado Central, eu destaco o Bar da Lôra, que utiliza o jiló em uma ótima porção de linguiça, além da do fígado, é claro. No bairro do Barreiro divisa da capital mineira com a cidade de Contagem, o ótimo Bar do Zezé faz um sensacional jiló recheado com bacon. Outro boteco belorizontino famoso pelo jiló é o Silvio's Bar. O filho do saudoso anfitrião é quem hoje prepara a iguaria — sim, iguaria — cortada em tiras fininhas, passadas na farinha, no ovo, no queijo parmesão e finalmente fritas. E o próprio Eduardo Maia tem sua receita, no caso, uma barquete de jiló com fígado acebolado. É simples:
Para a barquete de jiló
1. Corte o jiló ao meio, na vertical
2. Tire a polpa e secar
3. Passe na farinha de trigo
4. Frite por imersão
5. Reserve
Para o fígado
1. Pique em cubinhos, os menores que conseguir
2. Frite na manteiga, com cebola sal e pimenta-do-reino
Montagem
1. Recheie cada barquete com uma porção do fígado acebolado.
A partir daí, é só chamar a cerveja.
No Rio de Janeiro, o Bar da Gema, localizado na divisa da Tijuca com o Andaraí, destaca o jiló em duas versões improváveis: na forma de um caldinho bem temperado com alho frito e salsinha, assim como numa lasanha regada com muito molho de tomate.
Em São Paulo, não dispenso o jiló do Valadares, sempre exposto na vitrine sobre o balcão, e, quando a Marcia, filha do seu Luiz, posta no Instagram uma foto do jiló assado e coberto com um vinagrete de cebola, alho e pimenta dedo-de-moça picados (e picante) bem fininhos, meu ímpeto é o de voar para o Bar do Luiz Nozoie — que celebra 60 anos agora em 2022 —, no bairro da Saúde.
Hoje tem e já compramos para garantir o estoque do fim de semana", disse-me a Marcia.
Depois de tantos bons exemplos, se houver ainda uma leitora ou um leitor que implique com o amargor do jiló, a manha para suavizá-lo é a seguinte: deixe os frutos submersos em água com sal por 30 minutos, trocando a solução a cada terça parte do tempo.
Mas, convenhamos, esse trabalho é desnecessário. De doce já basta a vida, né não?
Vai lá:
Belo Horizonte
Bar da Lôra: Avenida Augusto de Lima, 744, loja 115, Mercado Central.
Bar do Zezé: Rua Pinheiro Chagas, 406, Barreiro.
Silvio's Bar: Rua Begônia, 199, Esplanada.
Rio de Janeiro
Bar da Gema: Rua Barão de Mesquita, 615, Tijuca.
São Paulo
Bar do Luiz Nozoie: Avenida do Cursino, 1210, Bosque da Saúde
Valadares: Rua Faustolo, 463, Lapa
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