Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Taça cheia na happy hour: a boa safra dos bares de vinho em São Paulo
No mercado de vinhos, considera-se uma boa safra aquela cuja produção de uvas permite que seja levada ao mercado uma grande quantidade de garrafas, e que essas garrafas sejam preenchidas com vinhos de excepcional qualidade. Foi o que aconteceu no Brasil, por exemplo, em 2020, quando o país colheu a chamada "safra das safras", a melhor de todos os tempos.
Daquele ano para cá, aliás, a venda e o consumo de vinhos no Brasil, seja entre os importados ou os produzidos no país, cresceram bastante. Na opinião de especialistas, impedido de frequentar bares e restaurantes durante a pandemia, o consumidor brasileiro passou a movimentar os estoques das importadoras, distribuidoras, supermercados, lojas especializadas e e-commerce, para beber vinho na reclusão do lar.
De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o consumo de vinho no Brasil em 2020 cresceu 18% em relação a 2019, e o consumo per capita atingiu 2,6 litros ao ano. A Ideal Consulting, empresa de consultoria de atua no setor de bebidas, divulgou que as vendas em 2021 foram 27% maiores do que no ano pré-pandemia.
Uma vez que somos um povo sociável e boêmio por natureza, e mesmo com o fechamento de muitos bares e restaurantes nos dois últimos anos, parece que esse acréscimo de novos consumidores vem alimentando uma safra de bares especializados em vinho — os wine bars ou bar à vin — que parece ser das boas, formada pelos que resistiram ao ciclo pandêmico mais difícil ou surgiram nesse período.
São bares que, ave!, colocam algumas dezenas de vinho à venda por taça, e não só por garrafa, o que permite aos consumidores provarem, por que não?, brancos, rosés, tintos, espumantes e fortificados em uma mesma ocasião. Ou degustarem vários rótulos de uma mesma região. Ou de uma mesma uva e a preços razoáveis. Provar diferentes vinhos, seja por sede de conhecimento, seja para tentar encontrar o seu gosto, é uma das graças desse universo.
Novas casas
Não é fácil acompanhar tanto movimento nos balcões da cidade. Flua, Clos, Paloma são os que ainda não fui conhecer, assim como o Elevado Bar, aberto no finzinho de 2019 na Vila Buarque por Leandro Mattiuz, ex-vendedor da importadora Decanter, que oferece ao menos 20 rótulos em taça, e de boa procedência. Entre os vinhos brancos, por exemplo, são oito opções em garrafa e três por taça, de produtores como os alemães Dönnhof e Künstler, dois dos melhores do mundo quando o assunto é fazer vinho com a uva riesling.
Por falar na Decanter, a própria importadora mantém um pequeno wine bar em sua loja no Itaim Bibi, em que põe à venda em taça alguns rótulos do portfólio, para quem quiser programar uma happy hour regada a vinho e petiscos como croquetas de bacalhau, trio de empanadas e linguiça de javali.
Neste fim de semana, reabre ao público o Sede 261, em Pinheiros, das sommelières Daniela Bravin e Cassia Campos, também comandantes do Huevos de Oro. Inaugurado em 11 de janeiro de 2018, esse pequeno bar pé-pra-fora não tem mais do que uma mesa coletiva, o que faz com que os clientes promovam uma bem-vinda ocupação da calçada do outro lado da rua de paralelepípedos para bebericar acomodados em cadeiras de praia.
A cada semana, Daniela e Cassia selecionam cerca de 20 rótulos e vendem em garrafas, taças e flights temáticos, como "vinhos do Chile feitos com a uva país", por exemplo. E, de tempos em tempos, o bar recebe convidados para servir petiscos, entre os quais os chefs Checho Gonzales e Ligia Karazawa.
Velhos conhecidos
Mas como tenho uma quedinha, assumo, por vinhos oriundos de vinhas velhas (parreiras plantadas há décadas, que já não produzem tanta quantidade de uva, mas as que brotam costumam gerar vinhos especiais), com algum toque de oxidação, não posso deixar de falar do Bardega e do Vino!, bares que têm pelo menos uma década de história no serviço de vinho em taça em São Paulo.
Na encarnação passada deste blog, antes da parceria com o UOL, escrevi a respeito do Bardega, que trazia para a cidade a novidade das Enomatic, aquelas máquinas de autosserviço que permitem a qualquer um encher seu copo a partir do acionamento de um cartão pré-pago, preservando a qualidade do líquido restante nas garrafas. Era 2012 e o bar colocava à venda ao menos 100 rótulos de vinho a doses de 30, 60 e 120 mililitros. Passados dez anos, e com bons sommeliers tendo trabalhado lá ao longo de sua história, entre os quais Aldo Assada, o Bardega segue firme e forte na Vila Olímpia.
E há uma semana aboletei-me no canto direito do balcão do Vino!, que há alguns anos funciona em Pinheiros. Considero o Vino! como um descendente, por assim dizer, do Pomodori Wine Bar, que foi aberto ao lado do finado restaurante Pomodori, em 2006, pelos chefs Jeferson Rueda e Rodrigo Marins. Esse bar teve vida curta, noites longas e ótimas histórias, como a que testemunhei em uma noite de 2007.
Era uma segunda-feira e o chef Jeferson Rueda havia conquistado o prêmio de chef do ano pela revista Prazeres da Mesa. O bar tinha ainda a configuração antiga, não havia o jazz no nome. Entre 10 da noite e 4 da manhã, passaram pelo pequenino salão, que mal acomodavam dez pessoas ao mesmo tempo, umas cinco dezenas de pessoas, convocadas de última hora, cuja imensa maioria fazia parte do primeiríssimo time da gastronomia paulistana: Alex Atala, Benny Novak, Emmanuel Bassoleil, Cássio Piccolo, Norberto D'Oliveira, Manoel Beato, Bel Coelho e Erick Jacquin, entre outros, iam chegando e se se acomodando do jeito que dava, não sem antes abraçar o laureado anfitrião.
Cada um pegava sua taça, bebia e se juntava a um desafinado coral para acompanhar um trovador que, ao violão, tocava o que se pedisse. Nunca se soube quantas garrafas de vinho italiano e de espumante foram consumidas naquela noite, mas em nenhum outro lugar do mundo, àquela hora, acontecia uma festa como aquela. E era só segunda-feira.
Um curitibano paulistano
Pelo conjunto da obra, o Vino! segue em minha opinião sendo o melhor dos bares de vinho paulistanos — em que pese ter surgido em Curitiba; breve, deve ganhar 16 unidades, na cidade e em outros estados, num modelo de franquia. O sommelier Gustavo Gamarra, que trabalhou no finado e saudoso restaurante Mangiare, seleciona 450 rótulos para venda em taça, a preços que vão de 16 a 410 reais. Os mesmos vinhos podem ser levados para casa, com 20% de desconto no preço da prateleira. O português Covela, feito com a uva Avesso, sai a 92 reais para consumo da garrafa no bar e a 73,60 reais para levar. A boa relação custo-benefício de alguns rótulos se dá porque o bar pertence ao grupo da importadora curitibana Magnum, que tem boa seleção, justamente, de vinhos de Portugal.
A cozinha volta a ter a consultoria do chef Rodrigo Martins, o mesmo que, depois de deixar a sociedade do Pomodori, abriu o Vino! no Itaim Bibi. Na época, ele próprio atendia aos clientes no balcão, servindo-nos de vinho. Hoje o cardápio traz acertos como o ótimo tartar de atum com burrata, gomos de laranja, pesto e focaccia (59 reais), o bom nhoque frito com molho de cogumelos e queijo parmesão (26 reais) e o gostoso sanduíche de polvo com vinagrete e mix de mostarda (59 reais), montado no pão cevadinha.
E o balcão, eu dizia, elemento indispensável de um bom bar, é dos mais convidativos, extenso, com iluminação discreta e domina o estreito salão. Assim como ensinou-me o amigo Ricardo Castilho, jornalista e expert em vinhos — que um bom vinho jamais deve ser bebido sozinho —, deixo um conselho: não perca a chance de convidar alguém para dividir com você um balcão como esse.
Vai lá:
Bardega. Rua Dr. Alceu de Campos Rodrigues, 218, Vila Olímpia.
Elevado. Rua Jesuíno Pascoal, 16, Vila Buarque.
Enoteca Decanter. Rua Joaquim Floriano, 838, Itaim Bibi.
Sede 261. Rua Benjamin Egas, 261, Pinheiros.
Vino!SP. Rua Fradique Coutinho, 47, Pinheiros.
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