Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Enquanto houver um boteco aberto, haverá esperança
Terão sido exatos 881 dias, ou 27 meses, a separar a Virada do Samba, que tomou conta da quadra da Rosas de Ouro em 30 de novembro e 1º de dezembro de 2019, e o Festival Cultura de Boteco, que acontece neste fim de semana, 30 de abril e 1º de maio de 2022.
Estou falando dos dois eventos presenciais produzidos por mim em parceria com a Muda Cultural, separados pela pandemia e toda a desgraça, expectativa, ansiedade, aprendizado e esperança que ela trouxe a mim, um jornalista que precisou e optou por se reinventar profissionalmente (não vou fugir do clichê), e em especial aos empresários e trabalhadores da gastronomia.
Este blog está longe de ser um confessionário mas é preciso que eu reafirme: estou muito ansioso por esta retomada dos eventos presenciais de gastronomia, atividade a que venho me dedicando, além de escrever para este blog, entre outros ossos do ofício.
Tranquilizem-se, cara leitora e caro leitor, não vou ficar falando de mim. Mas em conversa com alguns dos donos dos botecos que irão participar do Festival Cultura de Boteco neste fim de semana, pude perceber sentimentos e impressões semelhantes aos meus, afinal, o segmento de gastronomia foi dos mais afetados pela pandemia e ainda sofre com o impacto dela.
Basta dizer que uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) entre os dias 25 de março e 4 de abril, com empresários do setor no estado de São Paulo, apontou que 45% deles trabalharam com prejuízo em fevereiro, contra 33% dos que operaram em estabilidade. A minoria, ou 22% deles, ficaram no azul. Janeiro também já havia sido punk: 48% das casas fecharam o mês no vermelho.
As consequências desse cenário para o setor de alimentação fora do lar — bares, restaurantes, padarias etc —, bem, são fáceis de imaginar, mesmo para esses sobreviventes: mais demissões, dívidas e preocupação.
Na mesma pequisa Abrasel, 36% dos empresários disseram que têm parcelas do Simples Nacional em atraso e 15% deles falaram que não teriam como resolver as pendências até o dia 29 de abril, prazo para aderirem ao Relp, um programa de refinanciamento de débitos.
Passados 2 anos e 2 meses desde o início da pandemia, quando cerca de 12 mil bares e restaurantes simplesmente encerraram as atividades no estado de São Paulo, também os trabalhadores que conseguiram manter seus postos vêm passando por dificuldades.
As pessoas estão saturadas. Muita mão de obra boa quer deixar o setor, voltar para sua cidade natal, cuidar da vida de outra maneira", Luisa Saliba, chef e proprietária do bar Rota do Acarajé, em Santa Cecília
Durante a pandemia, Luisa manteve fechada uma das unidades e operou apenas com a matriz, tanto no período em que teve de se dedicar apenas ao delivery, quando a reabertura dos salões foi autorizada.
E a clientela mudou, assim como seu comportamento: as casas estão enchendo somente no fim de semana e por um público novo, como turistas estrangeiros, que se valem do dólar em alta. O povo está sem grana"
Essa é a percepção também do chef Celso Frizon, do Dr. Costela, restaurante localizado nas margens da rodovia Régis Bittencourt, em Itapacerica da Serra. "No ano passado, a retomada foi forte porque estava todo mundo preso em casa, querendo sair. Neste ano, além do movimento mais fraco, a situação econômica das pessoas, que piorou, está se refletindo no baixo movimento", diz Frizon, um dos empresários que também tiveram de se reinventar para manter o restaurante em operação. Durante a pandemia, ele se tornou um fenômeno nas redes sociais — conforme contamos aqui no blog —, quintuplicando o número de seguidores.
Outra dificuldade que o segmento vem enfrentando é a alta nos preços dos insumos, algo que fatalmente impacta no bolso de quem chega no boteco para petiscar e tomar uma cerveja. "Os insumos — tomate, camarão, higiene e limpeza - estão absurdamente mais altos", diz Luisa Saliba.
Sandro Pessoa, do restaurante Família Kariri, faz coro: "a matéria-prima está cara, o combustível sobe toda semana". Depois de ter ficado com a casa um ano e meio fechada, atendendo apenas por delivery, ele teve mudar alguns processos administrativos e de compras, como fazer cotações com diversos fornecedores, analisar a ficha técnica de cada produto — o velho e bom "arrumar a casa" —, melhorar, enfim, a gestão do negócio.
Mas quem rala a barriga no balcão do boteco não desiste assim tão fácil.
É por isso que o reencontro do Família Kariri e da Rota do Acarajé com o Festival Cultura de Boteco, bem como a estreia do Dr. Costela no evento são a oportunidade de levar a marca de seus estabelecimentos a um público que, por vezes, está distante ou não conhece a conhece.
"A nossa participação nos eventos ajuda muito no faturamento e pode nos levar a uma recuperação mais rápida", diz Pessoa, que levou o Família Kariri a um dos camarotes do Sambódromo do Anhembi durante o carnaval, no fim de semana passado.
Boteco, minha gente, é gastronomia, é empreendedorismo, é cultura.
Vai lá:
Festival Cultura de Boteco
Onde: Morumbi Town Shopping (Avenida Giovanni Gronchi, 5930, Vila Andrade)
Quando: sábado, 30 de abril, e domingo, 1º de maio, a partir das 12h
Entrada: gratuita
Bares participantes: Academia da Gula, Bar do Luiz Fernandes, Boteco do Carmo, Carlinhos Restaurante, Dr. Costela, Família Kariri, Hilda Botequim, Rota do Acarajé
Shows: Aminas a Trois, Mustache e os Apaches, Jazz Clown, Cavalo e Panda
Mais informações: www.culturadeboteco.com.br
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