Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Na Turquia, a cerveja pode chegar de táxi
Ah, se todas as manhãs de segunda-feira fossem como aquela de 23 de maio. Era 10h50 quando atualizei a caixa de entrada do meu Gmail e me deparei com o título de um deles: "convite - press trip turquia".
Imediatamente abri a mensagem e, para encurtar a história, dali a quatro dias eu seria o único jornalista brasileiro convidado pelo Ministério da Cultura e do Turismo da Turquia para fazer a cobertura jornalística do Beyoğlu e do Başkent Cultural Road Festivals, dois festivais de cultura e gastronomia que iriam acontecer ao mesmo tempo, a partir de 27 de maio, respectivamente em Istambul e em Ancara.
Nas três noites em Istambul e nas outras duas que passei na capital do país, dormi, em média, quatro horas por dia, tanto por causa da diferença de seis horas no fuso horário como pelo meu desejo de aproveitar todas as oportunidades de aproveitar àquela experiência.
Há muito o que contar e descrever a respeito dessa curta mas intensa press trip, de modo que um texto apenas não dará conta de tudo. Por isso, bem, talvez eu considere um overposting de Turquia aqui neste blog.
Afinal, o país é um destino que estimula todos os sentidos. Difícil esquecer do cheiro das especiarias no ar e de seu sabor nas receitas típicas; da energia e da beleza do estreito de Bósforo; da melodia diária das preces que ecoam dos minaretes; do mundaréu de gente nas ruas de Istambul, do sabor dos kebabs e dos baklavas, do suco de cereja no café do manhã do hotel...
Em benefício da transparência, convém explicar que press trip é uma viagem para a qual jornalistas são convidados para cobrir, por exemplo, o lançamento de algum produto, as atrações de um destino ou evento.
Éramos cerca de 60 jornalistas, de 28 países. Quando me dei conta, logo ao fim do primeiro dia, nós os latinos já estávamos grudados: o argentino, os três espanhóis, o português, uma das duas italianas e eu — as duas holandesas e um dos albaneses foram se agregando aos poucos.
Mas fomos os latinos que passamos por uma situação curiosa na primeira noite em Ancara, cidade que, em certa medida, me fez lembrar da nossa Brasília: ambas são jovens (em 2023 fará 100 anos que o país aboliu o sultanato, tornou-se uma república e Ancara foi alçada a capital), a paisagem é tomada por arranha-céus com formas não-convencionais, o clima é seco e vemos pouca gente a caminhar nas ruas.
Mas eu dizia: na noite em que chegamos a Ancara, depois de um concerto, esticamos a noite no Ali Baba Lounge Restaurant. Localizado a uns 300 metros do hotel, o Ali Baba é uma das três unidades de uma rede também presente em Istambul e Mardin.
Se o néon na fachada chama a atenção de quem passa na rua, no amplo salão interno é a decoração kitsch que se sobressai, seja pela tonalidade em verde do veludo que cobre os sofás em contraste com as almofadas amarelas, seja pelas peças douradas na decoração ou pelo paisagismo exótico — palmeiras, ali?
Suas mesas estavam majoritariamente ocupadas por clientes que matavam o tempo fumando narguilé, batendo papo, fuçando no celular ou tomando suco de melancia. Sim, suco de melancia. Vocês já vão entender.
Assim que chegamos, o garçom acomodou-nos em um dos confortáveis sofás, bem no centro do salão. Antes que escolhêssemos algo para comer, pedi a primeira rodada de cerveja, no que o garçom respondeu:
- No alcohol, no alcohol.
Algo entre decepcionados e surpresos, entendemos que ali não eram vendidas bebidas alcoólicas — descobriríamos que, ao contrário de Istambul, em Ancara praticamente restringem-se aos bares de hotel os endereços nos quais é possível beber um vinho, uma cerveja, um drinque.
Mas antes que nos levantássemos em busca de outro endereço, o gerente veio até nós e nos convidou seguirmos à sala VIP. Ali, pelo que entendi, poderíamos beber nossa cerveja.
Meio desconfiados, ocupamos a tal sala: um ambiente fechado, sem janelas, uma caixa branca, na qual chamou a atenção o enorme aparelho de TV, o sofá branco em formato de U ao redor da mesa de centro. Por um instante pensei que poderia haver alguma escuta ali mas relaxei quando percebi que só falávamos em espanhol. Com a porta fechada, gerente e garçom se fizeram entender que, sim, ali poderíamos beber:
- O que vocês querem: cerveja? Uísque? — perguntou-nos o gerente.
- Cerveja. Sete cervejas, por favor.
- Não querem mais? Catorze, duas para cada um?
- Pode até ser, mas queremos pedir primeiro uma para cada um de nós. Assim elas não esquentam. A menos que vocês tragam um balde de gelo.
- Não temos balde e não temos cerveja aqui. Vamos mandar um táxi comprar pra vocês.
Incrédulos mas agradecidos, aceitamos a oferta e pedimos algo para comer: uma pizza, um kebab, nada digno de grande nota.
Minutos depois, o garçom abriu a porta e com seis garrafas e uma lata de Efes, a cerveja local. Com a sala devidamente fechada novamente, pudemos brindar. E passadas algumas semanas dessa experiência surreal, ainda penso: seriam os turcos os pais do jeitinho brasileiro?
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