Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Dona Felicidade, matriarca dos botecos paulistanos, já deixa saudades
Dona Felicidade Bastos foi-se embora na última quarta-feira (22), aos 96 anos, e a saudade no peito do boêmio, do freguês, do Serginho, do Toninho e dos outros três filhos, dos funcionários, dos amigos, da botecagem paulistana ainda mora. E vai morar por uma eternidade, uma encarnação.
Nascida na freguesia de Cunha, nos arredores de Braga, norte de Portugal, Felicidade chegou ao Brasil aos 8 anos. Aqui conheceu o marido, também português, Manuel Bastos. Comerciante, ele foi sócio do Cruzador, excelente restaurante ainda hoje localizado na esquina das ruas Paula Souza e Florêncio de Abreu.
Ela, por sua vez, fundou uma mercearia nos anos 1960 na loja instalada no térreo do predinho em que os Bastos viviam, no alto da Avenida Pompeia, quase no Sumarezinho. A mercearia se transformaria no Pé Pra Fora, boteco do qual a família se desligou para abrir em 1996, na Vila Romana, a casa que leva e levará seu nome, Dona Felicidade, e posteriormente, o Tiro Liro, também no eixo Perdizes-Sumarezinho.
Em todos esses estabelecimentos, Dona Felicidade Bastos teve a companhia dos filhos, Toninho e Sergio, na administração. O primeiro gere o Tito Liro, grande bar no qual se bebe um chope muito bem tirado e onde come-se uma deliciosa sardinha escabeche.
Serginho dedica-se ao Dona Felicidade, casa que tem cozinha exemplar, e onde é possível comer um dos melhores bolinhos de bacalhau da cidade, uma feijoada ótima e sobremesas de família, por assim dizer, como o desmaiado e o manezinho araújo.
Com muito mérito, Felicidade Bastos foi eleita a personalidade gastronômica do ano de 2010 pela revista Veja São Paulo. Tive a oportunidade de cumprimentá-la no evento em que ganhou a homenagem. Uma alegria para ela, uma conquista e um reconhecimento para a gastronomia autêntica praticada nos bares e botecos desta cidade.
E, coincidentemente, os três bares da vida de Dona Felicidade fizeram e fazem parte da minha vida, em momentos marcantes e singelos.
No Tiro Liro, que conheci quinze anos atrás, bebi meu último chope do ano passado, no último de dia de funcionamento do bar em 2021. E que ano foi aquele...
Entre 1998 e 2000, o Pé Pra Fora, que já não era comandado pelos Bastos, foi o "meu" bar, quando morei a dois quarteirões de distância dali. Um garçom sãopaulino garantia meu lugar cativo na frente da TV para assistir aos jogos do Tricolor; ali celebrei os 3x1 da final do Paulistão de 1998.
Em outra ocasião, no ano seguinte convidei meus amigos para celebrarem meu aniversário ali. Era uma noite de quinta-feira, se não me engano. Cheguei cedo, umas 7 e pouco da noite, e garanti uma mesa de quatro lugares. Meus convidados foram chegando aos poucos até que dominaram o espaço, de ponta a ponta da varanda que é a marca registrada do bar, fazendo um enorme ziguezague. Quando me dei conta, a mesa tinha pelo menos 40 pessoas. Que noite, aquela!
E foi no Dona Felicidade que selei o meu retorno para trabalhar na revista Veja, em maio de 2007, num almoço em que aceitei o convite do amigo, mestre e grande jornalista Marcos Emilio Gomes. Num repasto que incluiu o indispensável bolinho de bacalhau, uma cerveja gelada e uma feijoada — eu não poderia saber —, tomei uma decisão que não me daria apenas um novo trabalho, mas dali a algumas semanas também um amor, em uns anos uma família e, não menos importante, este blog, que foi criado justamente naquele mesmo ano de 2007, hospedado no site da Vejinha. Que senhora Dona Felicidade.
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