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Lygia, musa que Tom Jobim conheceu em bar, lança livro e explica motivo
Não é todo dia que se tem a oportunidade de conversar com uma musa (que privilégio, aliás, é ter uma musa). Ainda que ao celular, num papo de quase meia hora precedido de um áudio no WhatsApp em que minha interlocutora lamentava a morte de Gal Costa, eu tive a sorte de conversar com Lygia Marina. A própria, a musa inspiradora de Tom Jobim, que compôs a canção Lígia em homenagem a ela, depois que a conheceu, num encontro fortuito, no bar Veloso, no Rio de Janeiro, nos anos 1960.
Lygia Marina lançou recentemente, no bar Pira Grill, na Vila Madalena, seu livro de memórias "Música na Alma — Uma história de família, amigos, amores, risos e música". E quantos amigos e amores passaram pela vida desta mulher: foi casada, por exemplo, com o cineasta Fernando Amaral e com o escritor Fernando Sabino e viveu a boemia do Rio de Janeiro nos melhores (e piores, se considerarmos a repressão) anos.
São essas lembranças que Lygia conta no livro e que, dada à amizade com o casal Vera e Pedro Costa, donos do Pira Grill, apresenta agora na casa, de 24 anos recém-completados. A escolha do Pira Grill, aliás, é muito bem-vinda. Mais do que empresários das gastronomia, Vera e Pedro gostam de bar, entendem do riscado. O time da casa, do maître Eneas ao barman Passarinho, é dos mais afinados, assim como os músicos da noite aos quais o casal cede espaço em seu aconchegante salão. As paredes exibem relíquias, entre fotos e um painel desenhado por Paulo Caruso, que retrata os anfitriões entre amigos e fregueses. E no cardápio, além de ótimos drinques clássicos e chope gelado, a gente encontra um ótimo franguinho assado com polenta frita, que certamente Lygia Marina haverá de experimentar. A seguir, um resumo de nossa conversa a respeito de Lygia, do Rio que já não existe mais e de bares, é claro.
Por que lançar o livro num bar?
Olha, é uma história engraçada, a data é inesquecível e você vai entender o porquê. Há quatro anos, um amigo fotógrafo que frequenta o Pira Grill me disse: "ai, Liginha, tem um bar ótimo lá em São Paulo, na Vila Madalena. Fiz uma proposta ao dono de abrir uma exposição de fotos minhas lá". Esse amigo — Ronaldo Câmara — me convidou para ir a São Paulo e fui com ele. Conheci o Pedro e a Vera e achei-os simpaticíssimos. E por que essa data é inesquecível? Porque foi o fim de semana da trágica eleição do cidadão Jair Bolsonaro. Vida que segue. Quando lancei o livro no Rio de Janeiro, em 8 de setembro, escolhi o Fiorentina, no Leme, um lugar tradicionalíssimo, tem uma estátua do Ari Barroso na frente. Resolvi fazer ali porque não ia deixar amigo meu em fila de livraria, todo mundo é boêmio. Cara, foi maravilhoso. Eu vendi 200 livros, fiquei eufórica! Aí comentei com o Ronaldo de lançar o livro em São Paulo. Pensei no Pira Grill, perguntei pro Pedro e na mesma hora ele topou.
E qual a mensagem do livro?
A ideia era deixar para os meus netos um pouco de quem foi vovó, que avó é essa que fez tanta coisa na vida, que teve maridos interessantes.
É um livro de memórias, mas como eu sou nascida e criada no Rio, o meu livro é o retrato de um Rio de Janeiro adorável, que infelizmente já não há, aquele Rio dos anos 60 e 70.
Você foi casada com o cineasta Fernando Amaral, com o escritor Fernando Sabino e teve aquele fatídico encontro com o Tom Jobim, no bar Veloso do Rio, que inspirou a canção, mas como foi sua conexão com a arte e a cultura?
Bom, eu fui criada numa casa de pessoas que liam — não eram intelectuais no sentido rigoroso do termo — mas era uma família que ia a concertos no Teatro Municipal. Ou seja, eu tive influências e, desde cedo, fui grande leitora, sempre gostei de cinema, de música. E essa conexão se consolidou quando me casei com o Fernando Amaral. Ele sempre me colocava para fazer alguma coisa nos filmes, na assistência de produção, por exemplo.
E que conexão a senhora vê entre arte, cultura com a boêmia e bar?
Eu acho que a relação é absolutamente completa, a mais perfeita que há. Como diz a brincadeira: você conheceu alguém interessante na leiteria? Não? Nem eu. Então, obviamente, é um privilégio ter convivido com artistas, gente do teatro, música, cinema, num bar, tomando meu scotch num bar.
A senhora é do uísque?
Sim, sou, embora modesta. Gosto dos uísques de 8 anos. E o melhor, e o que os escoceses tomam, que eu vi quando estive lá na Escócia, é o Famous Grouse. Tomo meu uisquinho toda noite.
A senhora já disse algumas vezes que o Rio mudou, dando a entender que sente saudade de alguns lugares. De que bar sente saudade?
Vou te falar de um bar, que na verdade surgiu em São Paulo, que é o Astor. No Rio era um endereço charmoso, onde eu tinha minha bela garrafa de uísque, ao lado da minha casa, quase no Arpoador. Eu saía do trabalho e sempre tinha alguém me chamando para lá. Com a pandemia, o Astor fechou e foi aberto no lugar um outro bar também paulista, uma cafonalha indescritível chamada Boteco Boa Praça ou algo assim.
Que bares a senhora frequenta hoje?
O Jobi, no Leblon, que adoro. É adorável, seja a que horas for. Às vezes quando passo por ali nas minhas caminhadas, o garçom me chama pra uma caipirinha, mas eu digo "não, gente, ainda são 11 horas e vocês nem abriram!". A comida é ótima, né? Mas é um bar caro, caríssimo, uma exploração. Eles sabem que roubam a gente, mas roubam com tanta simpatia, aquela coisa muito carioca, que a gente sabe que é roubado mas embarca. Os garçons são ótimos, é muito legal.
A senhora tem o hábito de ouvir a música "Ligia"?
Não só escuto como um amigo queridíssimo me deu um CD com cerca de 60 gravações, e é um CD maravilhoso, inclusive com a versão do Tom, a do Chico. A música está sempre rolando aqui em algum momento. E não me desfaço dos meus CDs.
Depois do fatídico encontro com o Tom, no bar Veloso, a senhora conviveu com ele? Depois de casada com o Fernando Sabino, por exemplo?
Ah, sim. É, Fernando tinha ciúme da própria sombra mas isso fazia parte do show dele. Mas o fato é que Fernando Sabino e Tom eram amicíssimos. Tanto é que naquele famoso show do Carnegie Hall (em 21 de novembro de 1962), quem enfiou o Tom, na marra, no avião foi Fernando Sabino. O Tom, com medo de avião, relutava e o Fernando enfiou ele literalmente dentro do avião. Tivemos vários encontros, até no livro tenho uma foto com ele em Nova York.
Esse convívio se estendeu por muito tempo?
Sim. Nos anos 1990, havia uns encontros no estacionamento da Cobal do Leblon aos sábados de manhã — só um carioca elege um estacionamento como um point... E aquilo era uma farra: o (ator) José Lewgoy, Tom Jobim, o [escritor] João Ubaldo Ribeiro... Era uma turma, caraca, era o máximo, e esse negócio era genial, a gente sabia que esse pessoal estaria lá. Então íamos bebericar, depois almoçar, normalmente na churrascaria Plataforma ou no Florentino, um bom restaurante que havia ali. Eu me separei, sei lá, em 1991 ou 1992 e comecei a frequentar a Cobal e encontrar todo mundo. Era uma farra muito boa.
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