Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Causa de distúrbio de ansiedade nos cães pode estar nos donos
Com a pandemia e o confinamento, a rotina e o relacionamento existente entre nós e nossos pets foram totalmente modificados no último ano. A retomada à normalidade — que, espera-se, vai ocorrer em um futuro breve —, deixa o temor do que vai acontecer com esses animais que tiveram sua rotina alterada.
Aqui em Murcia, na Espanha, onde vivo, as pessoas começaram a retomar o trabalho presencial depois de alguns meses de confinamento rígido. Eu, que continuo trabalhando de casa na maior parte do tempo, notei que um cachorro que não costumava incomodar passou a latir constantemente de segunda a sexta em horário comercial a partir do momento em que houve a flexibilização. Esse pode ser um caso da Síndrome da Ansiedade por Separação (SAS). Você que acompanha o Nossa deve ter lido sobre esse problema e visto algumas dicas sobre ele aqui.
Sintomas e causas
A SAS é constituída por uma série de sintomas inespecíficos, como a vocalização excessiva do cão do meu vizinho. Além disso, animais com essa síndrome podem apresentar comportamento destrutivo, depressão, automutilação, além de urinar e defecar em local inapropriado, comer fezes, entre outros sintomas.
Para caracterizar a síndrome, esses sintomas devem ocorrer na ausência do dono ou na iminência da saída dele, com certa regularidade. Ela afeta mais do que a qualidade de vida dos nossos amigos, gerando também estresse nos donos pela destruição de objetos e sujeira e também interfere na relação com os vizinhos pelo barulho gerado pelos animais.
Por ser uma síndrome com muitos sintomas inespecíficos, sua causa não está totalmente determinada. Sabe-se que é um problema multifatorial, que é influenciado por características de cada animal, dos seus donos e do ambiente em que vivem.
Um estudo recente analisou a presença de dezenas de sintomas relacionados à sindrome e sugere que ela pode ser dividida em subgrupos, com características e, possivelmente, tratamentos diferentes. Porém, são necessários novos estudos para determinar quais seriam esses tratamentos específicos mais adequados e também maneiras de prevenir cada uma das formas.
O que fazer?
O tratamento para a SAS nem sempre é simples, já que ela é originada por uma série de fatores. Hoje em dia, de maneira geral, o tratamento indicado se inicia no condicionamento do animal.
Os cães possuem um pensamento associativo. Dessa forma, a partida do dono ou figura de apego, que é o gatilho para a apresentação dos sintomas, deve passar a ser associada a algo positivo"
Uma opção é deixar um brinquedo que o animal goste muito à disposição apenas nos momentos em que ele estiver sozinho, ou a utilização daqueles brinquedos em que podem ser colocados petiscos (cuidado com o excesso, que pode gerar problemas de sobrepeso), já que eles são capazes de entreter o animal por um bom tempo após a saída do dono.
Outra maneira de aliviar os sintomas é tentar cansar o seu animal antes da saída, fazendo com que o período em que você esteja fora de casa seja correspondente ao momento de descanso dele. Para isso, é indicado um bom passeio e brincadeiras antes da saída.
Na volta para casa
O momento da volta à casa também é de extrema importância. Nessa hora, os animais podem apresentar uma grande excitação: pulam, lambem, latem e até choram. Sei que é muito difícil, mas neste momento a recomendação é ignorar o animal.
Sim, os agrados e os carinhos só devem ser realizados quando a excitação diminuir, para que o cão não associe o comportamento exagerado ao carinho recebido"
Além disso, neste momento não adianta recriminar o animal por comportamentos que ele teve enquanto você estava fora. Uma bronca dada por um móvel destruído horas antes não será associada à destruição, e sim a algo que esteja ocorrendo no momento.
Nos casos mais graves — ou que não melhoram com as dicas acima —. um bom adestrador ou passeador pode ajudar. Sabe-se que o adestramento adequado é um fator que diminui a incidência de SAS. Nos casos extremos, a terapia medicamentosa pode ser indicada, mas ela sempre deve ser associada às mudanças no manejo. Para esses casos, a sugestão é o acompanhamento de um veterinário especialista em comportamento animal.
A influência dos donos
Porém, mais do que atuar sobre o comportamento do animal, temos que atentar aos fatores relacionados a nós mesmos.
Meu colega prof. PhD. Evander Bueno de Lima, que é veterinário especialista em neurologia comportamental, psicanalista e que tem grande experiência no assunto, sempre lembra que na grande maioria dos casos o problema do cão, na verdade, é o dono.
Sabemos hoje em dia que a personalidade do dono influencia na do seu animal e, consequentemente, no modo como o cão lida com o ambiente e com tudo ao seu redor"
Temos ainda o costume de antropomorfizar os comportamentos caninos. Ou seja, atribuímos pensamentos e sentimentos humanos aos animais, que na verdade não existem.
Os cães raciocinam de maneira diferente da nossa, basicamente por associação, e é preciso compreender essa forma de ver o mundo. Quando humanizamos suas reações, podemos acabar estimulando comportamentos inadequados.
A importância da vida ativa
Isso está relacionado ao outro fator que contribui para o aparecimento da SAS, o ambiental. Os cães gostam de sair, correr, farejar e explorar o ambiente. Um animal deixado o dia inteiro sozinho em um apartamento sem estímulos não pode expressar nenhum destes comportamentos.
Nesse caso, o ambiente inadequado que fornecemos pode ser o responsável por gerar o comportamento que não queremos. Mais do que isso, propiciar formas para que os cães expressem seu comportamento natural está relacionado ao seu bem-estar e à sua qualidade de vida.
É importante lembrar também que cães descendem dos lobos, animais que vivem em matilhas e, portanto, são animais sociáveis. Ou seja: cães precisam interagir com outros cães!"
Por esses motivos, é indicado o enriquecimento do ambiente, com a introdução de brinquedos e atividades que possam entretê-los e também formas de promover sua socialização. Existem diversas opções para isso, como parques com áreas para cães ou creches, por exemplo.
Em resumo, a SAS é uma síndrome importante, com repercussão na qualidade de vida do cão e de seus donos. Ela é influenciada por fatores próprios dos animais, mas também por outros fatores relacionados a nós e ao ambiente que proporcionamos para eles.
Agora que você tem esse tempo em casa, aproveite para analisar como é o dia do seu animal. Ele tem o suficiente para expressar o seu comportamento e ser feliz? Se não, aproveite para fazer essas melhorias. Isso vai deixá-lo mais feliz e pode ajudar a evitar o aparecimento da SAS quando você voltar ao seu trabalho.
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