Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Cachorro "emaconhado" e cão-balão: os casos mais inusitados da veterinária
No texto que escrevi sobre a ingestão de corpos estranhos, falei de alguns casos inusitados que já presenciei na minha vida profissional: cães que comeram garfo, cadeado, calcinhas, caixa de remédio para dormir e até um peru de natal inteiro, entre outros.
Depois desse texto, recebi alguns pedidos de amigos meus por mais casos diferentes.
Na categoria "comer o que não deve", semana passada, uma amiga teve com seu cão um caso que não é dos mais raros, mas que lembrou alguns outros, que sempre trazem uma história junto.
Erva nem pensar
O primeiro desse tipo que eu vi era de um filhote de alguns meses que chegou ao hospital levado por um casal de jovens. Não presenciei o atendimento, mas foi relatado que o cachorrinho apresentava vômitos, algumas dificuldades locomotoras e de equilíbrio e parecia estar um pouco ausente. Em cães filhotes, um dos primeiros diagnósticos que pensamos é uma doença infecciosa. Nesse caso, os donos relataram que ele estava adequadamente vacinado, descartando em princípio essa hipótese.
A segunda coisa pensada foi alguma intoxicação, mas todas as possibilidades levantadas foram totalmente negadas pelos donos: chumbinho, algum produto de limpeza, ingestão de alguma planta? Enquanto se tentava descobrir o que podia estar acontecendo, o cão foi colocado no soro, e se aplicou um tratamento suporte para os sintomas.
Com o tempo, a equipe do hospital começou a notar que o casal estava apreensivo e que a moça começou a ficar um pouco nervosa com o namorado. A veterinária responsável foi conversar com eles, e depois de alguma insistência finalmente foi revelado o que aconteceu: o cachorro tinha comido um pouco da maconha do rapaz.
Esse é um caso relativamente comum. O cheiro da maconha é atrativo para os cães, que muitas vezes acabam ingerindo a planta. O problema é que, para eles, o efeito da ingestão é sempre uma "bad trip", com sintomas neurológicos e gastrointestinais. A boa notícia, é que com tratamento suporte, na maioria das vezes, os sintomas passam em algumas horas, sem maiores consequências.
No momento em que o conheci o filhote, ele já estava plenamente recuperado e literalmente inteiro dentro do pote de comida, totalmente lambuzado de comida pastosa. Sobrou apenas uma bela larica! O cachorro da amiga da semana passada também se recuperou em algumas horas.
A grande dificuldade desses casos é a demora e a relutância dos proprietários em revelar o que aconteceu, seja por vergonha ou por algum medo de consequências. Em um outro caso, a descrição do proprietário do cão foi "passeava pela rua, quando o cachorro encontrou e comeu 5 gramas de maconha". Como ele soube que era maconha e a quantidade exata é, no mínimo, suspeito.
Isso, aliado a que podem ser confundidos com outros problemas, dificulta o diagnóstico e pode levar a um atraso no tratamento e gasto desnecessário com outros exames. Não se preocupe: seu veterinário não vai te julgar (ou não deveria) e não vai te denunciar (claro, desde que a intoxicação tenha sido um acidente)! Por isso, seja sempre sincero com ele.
Cão-balão
Já no texto sobre o problema dos fogos de artifício, falei do risco das fugas e acidentes, com o exemplo do cachorro que chegou ao hospital com as lanças do portão espetadas em seu abdômen.
Porém, na categoria trauma, o caso mais inusitado que eu tive foi o de um cachorro que foi levado ao hospital depois de ter escapado e sofrido algum trauma, que não se sabe qual foi. Hoje, após tudo ter terminado bem, chamo carinhosamente de "o caso do cão-balão".
Ele chegou clinicamente muito bem ao atendimento, alerta, feliz e caminhando normalmente. A única coisa que se notava era um pequeno hematoma na região do pescoço e a cabeça um pouco inchada. Porém, com o passar do tempo, o cachorro passou a ficar cada vez mais inchado, e uma radiografia confirmou o que estava acontecendo: edema subcutâneo. O "inchado", na verdade, era inflado!
Com o trauma sofrido, o cão teve uma ruptura na traqueia, que é a responsável por levar o ar que inspiramos até os pulmões. Por esse furo, começou a haver escape de ar, e a cada vez que o animal respirava parte do ar ia para o espaço existente debaixo da pele. Rapidamente o ar se espalhou para tórax, abdômen e até para as patas.
Enquanto fazíamos o manejo para a cirurgia de emergência de sutura da traqueia, o cão passou a ter dificuldades respiratórias. Isso aconteceu devido à grande pressão originada pela quantidade de ar na região subcutânea, que impedia a expansão do tórax para a respiração.
Então, o animal foi anestesiado, intubado e colocado em ventilação mecânica. Porém, mesmo assim, sua respiração seguia muito difícil. A solução então foi furá-lo.
Isso mesmo, como uma bexiga! Uma série de pequenos furos, na verdade.
Imediatamente, o ar que estava preso embaixo da pele começou a escapar, e sua respiração ficou mais fácil. Então, pudemos fazer com tranquilidade a cirurgia para o reparo da traqueia.
Esse não é o resultado mais comum em animais traumatizados, que sofreram quedas ou atropelamentos, por exemplo. Na clínica de cães e gatos, vemos com mais frequência outras lesões, como fraturas, traumatismo craniano e ruptura de diafragma ou de órgãos como o baço, que levam à hemorragia interna.
Esse caso do cão-balão demonstra a importância de levar o seu animal prontamente ao veterinário após qualquer trauma mais grave. Tudo correu bem porque sua dona, muito preocupada, levou o cão para o atendimento de urgência mesmo com ele aparentemente saudável. Tivesse se esperado um pouco mais, talvez o desfecho não fosse tão feliz.
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