Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Tema do momento, vacina também pode salvar a vida do seu pet
Vacina talvez seja a palavra mais falada do ano. Nesse momento, o mundo inteiro condiciona sua vida e seus planos à disponibilidade deste precioso líquido. Enquanto uma pequena parte da população já pode respirar (literalmente) mais tranquila, a grande maioria ainda aguarda (ou deveria aguardar) ansiosamente por sua vez. Que chegue logo para todos!
Mas eu estou aqui para falar da saúde dos seus pets. Como estão as vacinas deles?
Assim como nós, nesse momento, seu animal está sujeito a algumas doenças altamente transmissíveis. A diferença para a covid-19 é que vacinas contra boa parte delas estão totalmente disponíveis.
Entre cães e gatos, a vacina contra raiva é a única obrigatória por lei, já que essa doença, embora felizmente cada vez mais rara, é uma zoonose sem cura e com letalidade próxima aos 100%. Por esse fato, existem as campanhas de vacinação contra a doença, que ocorrem geralmente no mês de agosto.
Embora tenham diminuído nos últimos dois anos, essas campanhas são as grandes responsáveis pela diminuição nos casos registrados de raiva canina de 1.200 em 1999 para nove em 2018, ano em que nenhuma transmissão para humanos por essa espécie foi registrada.
Devido a essa importância toda para a saúde pública, a antirrábica é a mais conhecida das vacinas para os pets. Por isso, ainda hoje, boa parte dos donos de cães e gatos conhecem apenas ela. Entretanto, são muitas as vacinas que existem e que podem ser necessárias para a saúde do seu animalzinho. Com o inverno chegando, esse tema se torna ainda mais importante, já que doenças como a cinomose costumam ter mais casos nessa época do ano.
As vacinas para os pets são divididas entre essenciais e não-essenciais:
Vacinas essenciais
As vacinas consideradas essenciais são recomendadas para TODA a população de cães e gatos por promoverem imunidade para doenças importantes, muitas vezes fatais, e que estão amplamente distribuídas. Dessa maneira, todos os animais estão susceptíveis a se contaminar por esses agentes.
Para os cães, de acordo com o última guia da Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA, na sigla em inglês) para a América Latina, publicado no ano passado, são consideradas essenciais, além da antirrábica, as vacinas contra os seguintes agentes: vírus da cinomose canina, adenovírus canino (causador da hepatite infecciosa) e parvovírus canino (parvovirose).
No Brasil, as vacinas mais comuns para esses três vírus são as polivalentes (conhecidas como V8 ou V10), que além de propiciar imunidade para elas geram imunidade para outras doenças, enquadradas na imunização "não essencial".
Para os gatos, além do vírus da raiva, são consideradas essenciais a imunização para parvovírus felino (responsável pela panleucopenia felina), calicivírus felino (calicivirose) e herpesvírus felino (rinotraqueíte). Elas podem ser encontradas combinadas em uma vacina polivalente (V3), ou ainda na V4 e V5, que recebem um ou dois agentes não essenciais.
Vacinas não-essenciais
Essas vacinas proporcionam imunidade a algumas doenças importantes, mas não são indicadas a todos os indivíduos. Isso se deve a variações regionais, tipo de criação e contato com animais doentes ou não. Abaixo temos alguns exemplos dessas situações:
A vacina contra leishmaniose canina é um exemplo de vacina regional. Essa doença é uma zoonose muito importante, mas não está presente em todo o território nacional. Dessa maneira, se o cão vive em um centro urbano, onde não há registro de casos e não viaja, a vacinação para essa doença não tem sentido algum. Por outro lado, para um cão que vive em um sítio em uma região endêmica, ela pode ser indicada.
Já a tosse dos canis, um tipo de "gripe" que atinge os cães, é uma doença auto limitante, cujos sintomas passam após alguns dias. No entanto, ela é altamente contagiosa e, por isso, sua vacina é recomendada em locais onde haja alta densidade populacional de cães. O mesmo ocorre para a vacina contra Chlamydia Felis (presente na V4), uma bactéria geralmente associada a outras infecções respiratórias felinas, que está indicada para locais com muitos animais.
Já para cães com acesso à rua, ou que vivem, por exemplo, em um quintal onde podem ter contato com roedores, a vacina para leptospirose é indicada (está presente na V8 e na V10). Se o cão vive em um apartamento, com pouco acesso à rua, a imunidade para a leptospirose não é necessária. Para gatos com acesso à rua, ou que vivem com indivíduos contaminados com o FelV, o vírus da leucemia felina, a vacina para esse agente também pode ser indicada (está presente na V5).
V8, V10 nos cães, V3, V4, V5 nos gatos. Quanto mais melhor?
Você, dono preocupado, pode estar pensando: "Então vou amanhã no veterinário e aplico todas as vacinas possíveis, além da polivalente que tenha mais antígenos. Assim dormirei tranquilo."
Não é bem assim.
Ainda segundo o guia da WSAVA, o ideal é aplicar apenas as vacinas realmente necessárias. Ou seja, as essenciais e as não essenciais que sejam de fato imprescindíveis. Por exemplo, para aquele cãozinho de apartamento, que não sai à rua, a vacina V8 proporciona a imunidade para cinco agentes não essenciais que talvez não tenham nenhuma função.
Já um gato que não sai de casa, mas que vive com apenas mais outro gato que tem o vírus da FelV, o ideal seriam as vacinas essenciais + a vacina contra o vírus da FelV. Infelizmente, a opção exclusiva para a leucemia felina, ou uma polivalente V4, que contenha as três essenciais mais o antígeno da FelV, não está disponível no Brasil, já que as vacinas com menos agentes ainda estão pouco acessíveis. Em países da América do Norte e Europa, vacinas monovalentes, bivalentes e trivalentes são mais utilizadas, permitindo a vacinação apenas contra os agentes desejados.
Além disso, as vacinas devem ser aplicadas na menor frequência que gere uma imunidade adequada. Para as essenciais, diversos estudos comprovam que uma aplicação com intervalo menor do que 3 anos para os animais adultos não aporta benefícios ao animal. Inclusive, este é o período adotado em diversos países.
Entretanto, por motivos legais no caso da raiva, com exigência de vacinação anual pelas autoridades, ou por indicação da bula no caso das outras, no Brasil a vacinação essencial é anual. Isso ocorre apesar de aplicarmos os mesmos produtos que outros países.
Estes temas são de particular importância para os gatos, que estão sujeitos a aparição de um tipo de câncer chamado sarcoma no local de injeção, um tumor altamente invasivo. Essa doença pode ocorrer após a aplicação de fármacos por via subcutânea. Quanto mais agentes e diluentes aplicados, maior a probabilidade.
Por isso, as vacinas para esses animais devem passar de maneira mais rigorosa por uma avaliação do custo-benefício. Também se preconiza, sempre que possível, a aplicação em extremidades, como a cauda, que podem ser amputadas em caso de aparecimento da doença.
Uma maneira de evitar a vacinação desnecessária é por meio da dosagem de anticorpos para cada doença. Esse exame está disponível em laboratórios veterinários e, com base no resultado, a vacina é indicada ou não. Porém, como ele pode custar mais do que a própria vacina, alguns donos optam por já vacinar, independente da necessidade ou não.
Enquanto as diretrizes em nosso país se mantêm, fica difícil a adoção de estratégias de vacinação baseada em evidências (essenciais a cada 3 anos), ou com base em resultados de sorologia.
Por mais que sejam a opção mais adequada, a aplicação das polivalentes a cada 3 anos se dá "fora da bula", apenas por meio do consentimento dos donos e, infelizmente, a falta de respaldo pode deixar os veterinários desprotegidos nessa situação. Para a raiva, a obrigação da vacinação anual é legal, então a possibilidade de se vacinar a cada 3 anos não pode ser indicada.
Importância do médico veterinário
Como você pode ter notado, a vacinação de cães e gatos é complexa e cheia de variações possíveis. Somente um médico veterinário está legalmente habilitado e é capaz de indicar quais as vacinas não essenciais que são indicadas para o seu animal, qual a idade e esquema de vacinação mais adequado ao seu filhote e qual a periodicidade necessária para a revacinação.
Além disso, a vacinação só deve ser realizada após um minucioso exame clínico, que ateste uma boa condição de saúde do animal. Animais que estejam doentes não devem ser vacinados, sob risco de não produzir uma resposta imune adequada. Novamente, apenas o veterinário pode atestar essa condição.
Embora raras, as vacinas podem gerar reações adversas após a aplicação. Nesse caso, mais uma vez, apenas o médico veterinário está preparado para lidar com essas reações.
A vacinação adequada ainda passa pela utilização de fármacos aprovados pelos órgãos de controle e de eficácia cientificamente comprovada. As vacinas devem ser armazenadas em geladeira específica para isso e submetidas a um rígido controle de temperatura.
Essas questões são muito importantes, ainda mais para nossa realidade. Infelizmente, ainda vemos com muita frequência em nosso país a aplicação de vacina realizada por funcionários de canis e gatis, atendentes de pet shop, estagiários e auxiliares de veterinário, entre outros.
Muitas vezes ainda são utilizados produtos de qualidade duvidosa, armazenados em condições inadequadas. O resultado: todos os dias aparecem nas clínicas veterinárias animais "vacinados" nessas condições, que contraem a doença para a qual deveriam estar imunes.
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