Topo

Coluna do Veterinário

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Pets têm cada vez mais câncer e ração não é explicação para isso. Entenda

Cães e gatos vivem mais e, por isso, sofrem mais com doenças como o câncer - Getty Images
Cães e gatos vivem mais e, por isso, sofrem mais com doenças como o câncer Imagem: Getty Images

Colaboração para Nossa, em Murcia (ESP)

24/06/2021 04h00

Nas últimas décadas, os casos de câncer em cães e gatos têm aumentado. De acordo com estudos realizados em diversos países, a principal causa de morte entre os cães são as neoplasias — qualquer tipo de crescimento anormal de células, que pode ser benigno ou maligno (este o que chamamos de câncer).

Também nas últimas décadas houve a popularização de dietas industriais para esses animais, as rações. Hoje, existe uma infinidade de tipos, e grande parte dos nossos animais domésticos se alimentam delas. Então, tivemos em paralelo o avanço e a popularização das rações e o aumento no número de casos de câncer. Qual a conclusão que alguém pode tirar ao observar essas duas informações? Ração causa câncer.

Não é bem assim...

Esse é um mito muito difundido, e escutamos essa ligação com alguma frequência. Ela é estabelecida com base em duas condições que não necessariamente possuem relação de causa e consequência.

Sim, existem alguns compostos que estão presentes principalmente em rações de baixa qualidade e que classificados como potencialmente cancerígenos, mas eles não justificam o aumento de casos.

Mas então porque temos mais casos de neoplasia hoje do que tínhamos antes? Bom, de certa forma a utilização de rações e dietas balanceadas está relacionada a isso, mas de uma outra maneira.

Mais tempo, mais risco

A expectativa de vida de nossos pets aumentou muito nas últimas décadas. Isso se deve a uma soma de melhorias em sua alimentação, higiene, no modo como são criados e aos avanços na medicina veterinária. Esse aumento na expectativa de vida levou a um aumento nos casos de doenças que são mais comuns na população geriátrica. Entre essas doenças, temos o câncer.

Ou seja, a dieta balanceada que passou a ser fornecida com as rações industriais é um dos fatores que propiciou o aumento na expectativa de vida de cães e gatos, e esse aumento é o grande responsável pela crescente nos casos de câncer. Antes os animais sofriam menos dessa doença porque morriam mais de outras causas, não tendo tempo de desenvolver um tumor.

Aumento na expectativa de vida não é acompanhado por mecanismos para evitar o câncer.

Os tumores ocorrem por uma série de alterações no DNA das células, que então passam a se comportar de maneira descontrolada podendo, por exemplo, se multiplicar muito rapidamente.

É sabido que algumas espécies que vivem bastante, como os elefantes, têm mecanismos mais eficientes de reparação genômica do que espécies que vivem pouco. Outro exemplo são as capivaras, que são os maiores roedores do mundo e vivem mais do que seus parentes menores. Elas possuem mecanismos mais eficientes de proteção genômica do que outros roedores, como o camundongo ou o rato.

Mutações no DNA ocorrem naturalmente ao longo dos anos, principalmente por erros na replicação dele, que acontece durante a divisão e formação de novas células. Por isso, quanto mais tempo de vida, mais alterações ocorrem no DNA.

Assim, a capacidade de reparação é um aspecto importante para as espécies que vivem muito e, portanto, seus indivíduos capazes de realizá-la de maneira mais eficiente foram sendo selecionados ao longo de milhares (ou milhões) de anos. Em outras palavras, entre os ancestrais de elefantes e capivaras, os indivíduos que tinham maior capacidade de reparação de DNA deixaram mais descendentes, até essa característica se tornar predominante nesses organismos. Dessa forma, eles apresentam uma maior "resistência" à formação de tumores, como resultado de um longo processo evolutivo.

O que ocorreu com cães e gatos (e com nós humanos também) foi um rápido aumento da expectativa de vida ao longo de algumas poucas gerações. Porém, não houve tempo (e também interesse, no caso de seleção de pets) para que fossem selecionados os indivíduos mais capazes de "evitar" as alterações genéticas.

Um estudo publicado no ano passado pela revista "Scientific Reports" "Enhanced risk of cancer in companion animals as a response to the longevity" (em inglês), fez um exercício matemático que indica que, em cães, essa adaptação levaria no mínimo mil anos.

Isso ocorre, entre outros fatores, porque o câncer é uma doença de pressão evolutiva baixa. Isto quer dizer que é uma característica que seleciona os indivíduos bem lentamente, já que a morte ocorre em geral após a idade reprodutiva. Assim, os que estão mais predispostos à doença muitas vezes podem gerar descendentes, que irão carregar a mesma característica.

Isso demonstra que, pelo conhecimento que temos hoje, infelizmente é impossível evitar que muitos de nossos animais tenham essa doença. Porém, assim como para nós humanos, uma série de cuidados podem ser tomados para diminuir os riscos, uma vez que essa é uma doença multifatorial, e alguns destes fatores podem ser manipulados.

Redução do risco

Embora não possamos evitar totalmente o aparecimento de uma neoplasia, hoje conhecemos diversos fatores de risco para o aparecimento delas. Entre os evitáveis podemos citar o sedentarismo, a obesidade, a má alimentação, utilização de tratamentos hormonais para evitar o cio, aplicações subcutâneas em gatos, exposição ao sol e fumo passivo (isso afeta nossos pets também), entre muitos outros.

A decisão de castrar e quando castrar também pode aumentar ou diminuir os riscos do aparecimento de câncer (você pode ler mais sobre isso aqui). Enfim, são muitos os fatores que podem influenciar no aparecimento dessa doença, e a melhor maneira de evitá-los é seguindo as recomendações de seu veterinário.

Sabemos também que alguns tumores estão mais presentes em determinadas raças ou linhagens de animais. Criadores responsáveis devem rastrear suas ninhadas e eliminar da reprodução animais e linhagens que demonstrem algum tipo de propensão a qualquer doença.

Gato em exame veterinário - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Diagnóstico precoce

Assim como para nós, o diagnóstico precoce é muito importante para o sucesso no tratamento de um câncer. Por isso, é essencial que seu animal passe por consultas regularmente e que, ao aparecimento de qualquer sintoma, ou de algum "caroço", "bolinha" ou "verruga", ele seja levado o quanto antes para o veterinário.

Ao longo do tempo, perdi a conta de quantos desses casos, que a princípio poderiam ter uma resolução, foram negligenciados. Até o momento que o caroço aumentou de tamanho, que a verruga começa a sangrar e infeccionar, ou que a bolinha se espalhou por todo o corpo. Muitas vezes, os piores tumores podem ter uma aparência muito inofensiva. Portanto, não subestime.

Para o diagnóstico de um câncer, os oncologistas veterinários contam hoje com o suporte de ferramentas de diagnóstico por imagem, como ultrassom, radiografias, tomografias e ressonância magnética, e provas laboratoriais para determinação do tipo de formação, seu estadiamento e o grau de acometimento geral do animal. Com esses resultados, além do exame clínico, podem estabelecer o tipo de tratamento a ser seguido.

Avanços no tratamento

Assim como na medicina humana, ainda não temos a cura para boa parte de nossos pacientes. Porém, hoje podemos contar com veterinários especializados em oncologia e diversos tratamentos que podem, se não curar, aumentar a sobrevida e a qualidade de vida de nossos pacientes oncológicos.

Temos avançado muito nas cirurgias oncológicas e em tratamentos como a quimioterapia e a eletroquimioterapia.

Mais recentemente, também foi inaugurado na cidade de São Paulo um centro exclusivo de radioterapia veterinária, que é o primeiro do país. Ainda temos estudado muito sobre o controle de dor e cuidados paliativos, de modo a dar mais conforto para os animais que estão sofrendo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL