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Sozinha e sem banho: como filha de Amyr Klink está cruzando o Atlântico
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Seguindo os passos do pai, Tamara Klink, de 24 anos, filha do mais famoso navegador do Brasil Amyr Klink (que, entre outras façanhas, atravessou o oceano Atlântico com um barco a remo, 37 anos atrás), partiu ontem de Cabo Verde para a parte mais difícil da viagem que vem fazendo há dois meses, da Europa para o Brasil, com um veleiro de pouco mais de oito metros de comprimento: a travessia do Atlântico, o segundo maior oceano do mundo.
E sozinha no barco, como seu pai sempre gostou de navegar.
A travessia deve durar entre 16 e 20 dias, dependendo das condições meteorológicas e do mar, e é o trecho mais arriscado da viagem, porque, ao contrário do que a jovem navegadora experimentou até agora, não haverá porto algum por perto, nenhuma escala no caminho, nem ponto de apoio que ela possa recorrer em caso de necessidade.
Teste de fogo
"Será o meu teste de fogo", reconhece. "Mas é preciso enfrentá-lo, porque faz parte do aprendizado e do crescimento pessoal e, também, porque não há outra maneira de chegar ao Brasil com um barco, que não seja cruzando o Atlântico", diz Tamara, que garante estar com muita saudade do país e da família", que não vê desde que decidiu cursar arquitetura na França, e lá mesmo, na Europa, comprou o seu primeiro barco, com dinheiro emprestado por um amigo.
Meu pai sempre me ensinou que se eu quiser algo tenho que conquistar pelos próprios meios, e é isso que estou fazendo", diz Tamara, que embora diga que já aprendeu a lidar com seus temores e receios no mar, admite sentir algum medo em certas situações.
"Sentir algum medo é bom"
"O medo não é algo ruim. Ele ensina a gente a não ultrapassar nossos limites. Na dose certa, é um santo remédio", diz Tamara, que, se tudo der certo na longa travessia que iniciou ontem, pretende chegar a Recife no final deste mês ou na primeira semana de novembro.
"Vai depender dos ventos", explica. "Ou da falta deles...", brinca, numa alusão a travessia do trecho da Linha do Equador, no meio do Atlântico, onde costumam haver grandes calmarias.
Quando você está em um veleiro, que é movido apenas pelo vento, as calmarias são a piores coisas que existem. Você fica parada no meio do mar, sem conseguir se movimentar. É como ficar sem combustível em um automóvel", compara.
Banho? Só de chuva
Por isso, uma das precauções que Tamara tomou antes de partir de Cabo Verde foi aumentar o estoque de água e comida a bordo do seu barco, antevendo a possibilidade de a travessia durar mais que o previsto.
"Comida, eu tenho bastante. E água, que é o mais importante, estimei um consumo de três litros por dia, além de um galão de 50 litros que estou levando para qualquer emergência. Mas banho de água doce só vai dar para tomar se chover no caminho", avisa.
Sonos de apenas 30 minutos
Outra limitação, quando a navegação é feita em solitário, é a quantidade de horas de sono.
Tamara passará toda a viagem dormindo em intervalos de apenas 30 minutos e despertando a cada meia hora para checar o mar ao redor do seu barco.
Uma das preocupações é o tráfego de navios, que é particularmente intenso na rota que ela seguirá para cruzar o oceano.
"Tenho todos os equipamentos de identificação e segurança no barco, mas nem sempre um grande navio enxerga um pequeno barquinho no meio do mar", explica. Então, sou eu que tenho que desviar".
Presa ao barco
Durante toda a travessia, Tamara também usará uma espécie de cinto de segurança, que a manterá atada ao barco o tempo todo, a fim de evitar quedas acidentais na água.
Cair no mar é a pior coisa que pode acontecer com quem navega sozinho, porque o barco vai e você fica", explica, com plena consciência do risco.
Nenhuma ilha por perto
A travessia do Atlântico é a parte mais preocupante da longa viagem que Tamara vem fazendo, desde que deixou a França e deu iniciou a uma série de escalas pelo caminho.
Porque, agora, não haverá mais escala alguma.
Serão mais de 3 000 quilômetros de mar aberto e deserto, sem nenhuma ilha por perto, e pouquíssimas possibilidades de ser socorrida, dada as distâncias para terra firme.
Só mesmo eventuais navios que estejam de passagem poderão ajudá-la, em caso de necessidade.
"Não relaxar na vigilância"
Mas Tamara, que, tal qual o pai, já aprendeu a lidar muito bem com a solidão a bordo de um pequeno barco, não se preocupa tanto assim com isso.
"Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, o mar, mesmo no meio do oceano, é quase sempre tranquilo, sem grandes ondas nem tempestades" (como ela mostra no vídeo abaixo). "O segredo é nunca relaxar na vigilância, mesmo quando tudo parece estar perfeito".
Na chegada, lançará dois livros
Até aqui, no longo caminho rumo ao Brasil, Tamara já superou alguns obstáculos, sem nenhum problema.
Driblou o intenso tráfego de navios no Canal da Mancha, perdeu o hélice (mas não o controle do barco) na costa da Bretanha, escapou de ser atacada pelas orcas que estão trazendo preocupações aos pequenos barcos no litoral de Portugal, não foi vítima de pirataria na sempre tensa região do Marrocos, e escapou ilesa da erupção do vulcão Cumbre Vieja, na ilha de La Palma, nas Ilhas Canárias, onde ela estava ancorada, justamente quando aconteceu o fenômeno.
"Até agora, deu tudo certo", brinca a jovem navegadora, que, ao chegar ao Brasil, lançará dois livros de uma só vez: um sobre a sua primeira travessia, entre a Noruega e a França, no ano passado, e outro com reflexões sobre o crescimento e o amadurecimento, que marcam a passagem da adolescência para a vida adulta, tendo como fio condutor sua experiência sozinha no mar (ambos vendidos num só pacote, chamado Crescer e Partir, já em pré-venda, a partir desta segunda-feira, pelo site da editora Peirópolis).
"Ainda estou ganhando experiência, tanto no mar quanto na vida, e por isso vou com calma. Não sou nenhuma super-heroína e tenho consciência das minhas limitações", diz Tamara, dona de uma surpreendente humildade para quem nasceu e cresceu ouvindo as impressionantes histórias do pai.
Peixinhos pintados no barco
O barco de Tamara é um pequeno veleiro, com quarto, sala e cozinha, que ela batizou de Sardinha ("Porque é um peixinho que ninguém dá nada por ele, mas vence grandes distâncias", explica) e decorou com peixinhos coloridos pintados no casco, cada um deles com o nome de algum amigo ou amiga escrito dentro.
"Vou navegar sozinha, mas terei a companhia deles durante todo o percurso", diz, com eterno bom humor.
Durante a viagem, Tamara também produzirá pequenos vídeos, que compartilhará nas redes sociais, além receber e transmitir mensagens, sempre que houver sinal de internet.
Também será possível acompanhar em tempo real a sua localização no mar, através de um aplicativo, que pode ser acessado clicando aqui.
Quer inspirar outras mulheres
"Sempre tive o desejo de atravessar o Atlântico sozinha, comandando o meu próprio barco, como fez o meu pai, no passado. Mas, além disso, o objetivo dessa viagem é estimular outras pessoas, especialmente os jovens e as mulheres, a fazerem o mesmo, em busca dos seus sonhos. Adoraria servir de inspiração, assim como outras mulheres navegadoras também serviram de inspiração para mim".
Uma destas inspiradoras de Tamara foi a holandesa Laura Drekker, que, dez anos atrás, tornou-se a mais jovem velejadora da história a dar a volta ao mundo navegando sozinha, mas que não teve o seu feito oficializado como um recorde por conta de uma questão polêmica: ela tinha apenas 14 anos de idade quando foi para o mar, o que levou a Justiça do seu país a tentar impedi-la de todas as formas (clique aqui para ler esta história que, na época, deu o que falar).
Já Tamara, aos 24 anos de idade, é uma jovem adulta, inteligente, cuidadosa e responsável, que sabe muito bem o que quer, e que, por isso, está neste momento cruzando a imensidão do Atlântico, sozinha com um barco, o que comprova que, no caso da família Klink, filho de peixe, peixinho é.
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