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80 anos depois, americanos ainda tentam achar navio que afundou na guerra
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Nas primeiras horas da manhã de 19 janeiro de 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, o comandante do submarino alemão U-66 avistou, pelo periscópio, um bonito navio de passageiros navegando sem nenhum comboio ou proteção, ao largo da costa do estado americano da Carolina do Norte.
Imediatamente, ele ordenou o disparo de um torpedo, que atingiu o navio em cheio.
Era o transatlântico canadense Lady Hawkins, que havia partido de Montreal com destino às Ilhas Bermudas, com 322 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulantes.
Resistiu ao primeiro torpedo
O impacto do petardo danificou seriamente o casco, fez cair o mastro, destruiu três dos seis botes salva-vidas que o navio tinha e causou a morte de algumas pessoas, além de arremessar outras tantas ao mar.
Mas o navio não chegou a afundar.
Irritado, o comandante do submarino ordenou um segundo disparo que, este sim, pôs o Lady Hawkins a pique — mas a tempo de, entre um disparo e outro, os sobreviventes embarcarem nos três botes salva-vidas restantes e abandonarem o navio condenado.
Isto tudo é sabido, documentado e comprovado pelos testemunhos dos que sobreviveram à tragédia.
Mas, até hoje, uma dúvida paira no ar: onde estão os restos do transatlântico?
Missão quase impossível
Na próxima semana, o enigma sobre a localização do que restou do Lady Hawkins completará 80 anos, ainda martelando a cabeça dos pesquisadores e caçadores americanos de naufrágios.
Apesar de toda a tecnologia já existente, encontrar os restos de um navio no fundo do mar ainda é uma tarefa árdua, muitas vezes quase impossível, como parece ser o caso do Lady Hawkins, cuja localização permanece desconhecida, embora todos saibam onde ele afundou - só que sem muita precisão, o que explica a dificuldade em achá-lo.
Cemitério do Atlântico
Segundo pesquisadores de naufrágios, sobretudo os ocorridos na costa da Carolina do Norte, região que, de tantos desastres naturais ou provocados pela guerra, ganhou o apelido de Cemitério do Atlântico, alguns fatores explicam por que o navio nunca foi encontrado, a despeito de oito décadas já terem se passado.
Por que será difícil achar?
Um dos motivos é a própria imprecisão sobre o local do torpedeamento e do consequente naufrágio — que pode ainda não ter ocorrido no mesmo ponto.
Documentos e relatos dos sobreviventes divergem em dezenas de milhas sobre o ponto exato onde ocorreu o ataque, dado crucial na pesquisa, porque determinaria o ponto de partida para as buscas.
Enquanto uns falam em "150 milhas da costa", outros apontam a distância correta como sendo "180".
Esta diferença (30 milhas náuticas, ou mais de 50 quilômetros) é gigantesca e representa uma área colossal de mar, praticamente impossível de ser rastreada por meios convencionais.
Além disso, há também a questão da profundidade.
3 mil metros de profundidade
Tanto uma marca quanto a outra (150 ou 180 milhas da costa) indicam que o naufrágio ocorreu fora da plataforma continental da região e, a partir dali, a profundidade despenca para quase 3 mil metros, tornando qualquer busca bem mais difícil.
Tampouco se sabe ao certo por quanto tempo o navio permaneceu flutuando, após o segundo e fatal disparo, sendo levado pela correnteza.
Alguns depoimentos de sobreviventes, reproduzidos em jornais da época, falaram em "20 minutos", outros em "30", o que, na prática, dependendo da direção e intensidade dos ventos e correnteza, ambas desconhecidas, faria uma grande diferença no ponto exato do naufrágio.
Afundou num ponto, foi parar no outro
Outro aspecto é que, dada a grande profundidade da região, o local do naufrágio pode não ser o mesmo onde, desde então, os restos do navio repousam, porque, durante a sua longa jornada rumo às profundezas, o casco do transatlântico pode ter sofrido influências da própria corrente marítima submersa e derivado para outro ponto — isso, caso ele tenha afundado inteiro e não se despedaçado no caminho, o que espalharia os escombros por uma área ainda maior.
"Jamais será encontrado"
Tudo isso torna a busca pelo que restou do transatlântico canadense uma missão quase impossível — e ajuda a explicar por que o Lady Hawkins se tornou uma espécie de febre entre os americanos caçadores de naufrágios.
"Ele jamais será encontrado", arrisca o pesquisador William Sassorossi, do Santuário Marinho Nacional de Outer Banks, na Carolina do Norte, região mais próxima do local do naufrágio.
Sumiram também os sobreviventes
Além do navio, também os corpos da grande maioria das vítimas nunca foram encontrados, o que torna ainda mais dramática a história do Lady Hawkins.
Dos três botes salva-vidas que partiram do navio com os sobreviventes amontoados, apenas um foi resgatado, a muitas milhas do local do desastre e após cinco dias vagando no mar — tempo suficiente para que cinco dos seus ocupantes também morressem.
Dos outros dois botes salva-vidas que havia no navio, ambos cheios de sobreviventes, jamais se teve notícia.
Herói da história
O único herói dessa triste história foi um dos oficiais do navio, o canadense Percy Kelly, que assumiu o comando do bote que acabaria sendo resgatado e o conduziu para uma área frequentada por navios.
Cinco dias depois, um deles, o navio americano de passageiros Coamo, avistou os sinais luminosos que Kelly emitia do bote com uma lanterna, mas num primeiro momento o seu comandante não pensou em ajudar, temendo que fosse uma armadilha montada por algum submarino alemão.
Só quando Kelly insistiu, refletindo também os contornos do pequeno barco, é que o navio veio ao seu encontro e resgatou todos os únicos sobreviventes do malfadado transatlântico: não mais que 71 pessoas, das 322 que havia a bordo.
258 pessoas morreram no triste episódio que envolveu o Lady Hawkins.
Pela sua bravura, Percy Kelly recebeu uma medalha de guerra, dada pela seguradora inglesa Lloyd's.
Uma tragédia após a outra
Mas o ataque ao Lady Hawkins logo caiu no esquecimento, porque, em tempos de guerra, uma tragédia rapidamente era suplantada por outra — razão também pela qual, na época, ninguém se interessou em pesquisar o local do naufrágio a fundo.
Tanto que as outras duas embarcações envolvidas no episódio, o submarino U-66 e o navio Coamo, tiveram o mesmo fim que o transatlântico.
Ambos também foram torpedeados e afundaram — o Coamo deixando 133 vítimas fatais e o submarino alemão quase toda a sua tripulação.
"Só será achado por acaso"
Com o fim da guerra, pesquisadores amadores passaram a dedicar algum tempo ao caso do transatlântico canadense.
Mas não foram além do que se sabe até hoje, 80 anos depois.
"O maior dos desafios sempre foi saber por onde começar a busca", diz o pesquisador William Sassorossi. "Se não soubermos ao certo onde o navio estava quando foi atacado, será impossível encontrá-lo"
E Sassorossi completa: "Ele só será achado por acaso"
No Brasil, um caso parecido
Descobertas acidentais são, de fato, a forma mais comum de revelar antigos naufrágios.
Redes de pesca que engancham no fundo do mar costumam revelar bem mais do que simples pedras submersas.
Às vezes, embarcações desaparecidas há bastante tempo e já dadas como mistérios insolúveis.
Foi o que aconteceu, 11 anos atrás, na costa norte do Rio de Janeiro, quando as redes de um pescador revelaram a localização dos restos do navio-auxiliar da Marinha Brasileira Vital de Oliveira, afundado pelo submarino alemão U-816, também na Segunda Guerra Mundial, quase 70 anos antes.
Um caso vergonhoso
A descoberta trouxe novamente à tona um caso vergonhoso: o abandono que o Vital de Oliveira — único navio militar brasileiro afundado naquele conflito — sofreu do seu próprio barco de escolta, o Javari, também da Marinha do Brasil, após ser atacado pelo submarino.
150 marinheiros brasileiros morreram no desastre, mas, mesmo assim, nunca ninguém foi punido.
Nem mesmo o comandante do barco de escolta, cuja função era justamente proteger o Vital de Oliveira, mas não o fez e preferiu seguir em frente — clique aqui para conhecer esta história, que acabou caindo em um incômodo esquecimento.
Manter a chama acesa
Ao completar 80 anos do desaparecimento do Lady Hawkins, os pesquisadores americanos esperam que o mesmo não aconteça com o transatlântico canadense.
Mesmo sem terem esperanças de encontrar o navio no fundo do mar, tentam manter acesa a chama do caso, com um enigma que parece indecifrável:
Onde está o Lady Hawkins?
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