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Aos 79 anos, maior navegador do Brasil parte de novo. Para entrar numa fria
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Na manhã deste sábado, o velejador baiano, nascido na Ucrânia, Aleixo Belov, de 79 anos, partiu uma vez mais para o mar, como vem fazendo seguidamente, há mais de meio século.
Mas, desta vez, rumo a destino inédito para os brasileiros e que poucos navegadores do mundo inteiro já ousaram conhecer: a arriscada travessia do oceano Pacífico para o Atlântico pelo topo do mundo, junto ao Ártico, conhecida como Passagem Noroeste.
Deve durar um ano
Como Belov sempre faz em suas viagens, a partida foi diante do Distrito Naval da Marinha do Brasil, em Salvador, onde ele mora quando não está navegando. E a viagem está prevista para durar um ano.
Inicialmente, Belov seguirá para Natal, no Rio Grande do Norte, onde se despedirá do Brasil.
Depois, rumará para o Caribe, onde cruzará para o Oceano Pacífico, pelo canal do Panamá.
Em seguida, subirá a costa oeste americana, até a pequena e praticamente desconhecida cidade de Nome, no norte do Alasca, onde começará, de fato, a sua aventura: a de tentar retornar ao Oceano Atlântico por um atalho no gelo do Ártico, onde pouquíssimos barcos de passeio já passaram.
Mar congelado
A grande dificuldade será o gelo, que transforma o Mar do Ártico em uma superfície sólida quase o ano inteiro, impedindo o avanço até de navios — que dirá um simples veleiro, como é o barco de Belov, que ele mesmo construiu, tempos atrás.
A travessia da Passagem Noroeste só pode ser tentada no verão do Hemisfério Norte, quando, às vezes, o mar descongela. Por isso, eu tenho que chegar lá até junho, e torcer para o gelo, este ano, derreter", diz Belov
Aleixo levará cinco pessoas com ele no barco — duas delas totalmente inexperientes em navegação.
Até estudante a bordo
Como habitualmente também faz, Belov desta vez convidou uma oceanógrafa e uma estudante de Salvador para acompanhá-lo na inédita travessia — além de um marinheiro e um fotógrafo.
"Quero dar aos jovens a oportunidade de realizar viagens que, do contrário, eles jamais conseguiriam", diz o navegador baiano-ucraniano, que dois meses atrás, inaugurou, também em Salvador, um museu sobre as suas navegações pelo mundo, cujo principal destaque é o antigo veleiro que ele usava, que precisou entrar pelo telhado do prédio, em uma operação que parou o Centro Histórico da cidade.
Eu não via a hora de voltar para o mar, também para coletar mais coisas para o museu", disse Belov momentos antes de partir em busca de tornar-se o primeiro navegador brasileiro a atravessar de um oceano para o outro, através do Ártico, com um veleiro.
O maior do Brasil
Se conseguir, será mais uma façanha que o maior navegador do Brasil (em milhas navegadas, embora infinitamente menos conhecido do que Amyr Klink, por exemplo) acrescentará ao seu impressionante currículo.
Belov já deu cinco voltas ao mundo velejando, três delas sozinho no barco — nenhum outro brasileiro (ele é naturalizado, mas tão baiano quanto um acarajé, já que vive em Salvador desde os seis anos de idade) jamais navegou tanto, por puro prazer.
Também já esteve na Antártica, com o mesmo veleiro que partiu hoje cedo, o Fraternidade, que tem 20 metros de comprimento e casco de aço revestido com uma espessa camada de espuma, para servir de isolante térmico e proteger os ocupantes do frio extremo que irá encontrar pela frente.
O pessoal brinca, dizendo que vou entrar numa fria, mas esquecem que nasci na Ucrânia e que já estive até na Antártica com este mesmo barco"
Primeiro a dar a volta ao mundo sozinho
Em 1980, Belov se tornou o primeiro brasileiro a dar a volta ao mundo navegando em solitário com uma embarcação com bandeira do Brasil, o que lhe rendeu homenagens até da Marinha.
E, desde então, não parou mais de navegar.
Mas, agora, sua nova viagem embute dois desafios: a travessia do gelo e a idade avançada.
A idade é um problema
Aos 79 anos, Belov, que tem cinco filhos, três netos, um bisneto, dois casamentos desfeitos e o título de o velejador brasileiro que mais navegou até hoje, ainda goza de boa saúde, mas já reclama do peso da idade.
"Os joelhos estão podres e entrei na 'Fase do Condor' — com dor em todo o corpo", diz, com eterno bom humor.
Mesmo assim, à beira de completar 80 anos, ele partiu de novo. E com um objetivo pra lá de ambicioso: vencer o gelo do Ártico.
"Se o gelo não me deixar cruzar a Passagem Noroeste, ainda não sei o que farei. Talvez volte para Salvador ou siga em frente, para uma volta ao mundo, sei lá. Só sei que preciso chegar ao Alasca até junho, para dar tempo de fazer a travessia antes que o mar congele novamente. Se é que este ano ele irá descongelar...", explica.
Outros dois brasileiros
Apesar do ineditismo da viagem, Belov talvez não venha a ser o único brasileiro a tentar a desafiadora travessia do Ártico este ano.
Na mesma época, dois outros experientes navegadores brasileiros, Beto Pandiani e Igor Bely, também tentarão cruzar a Passagem Noroeste, e com um barco bem mais precário do que o bem preparado veleiro de Belov: um pequeno catamarã à vela, com pouco mais que sete metros de comprimento, aberto e sem cabine, do tipo usado para simples passeios.
Batizada de Rota Polar, a nova expedição de Beto Pandiani (que, entre outras façanhas, já esteve na Antártica e navegou o continente americano inteiro, de cima a baixo, sempre com este tipo de barco) prevê fazer o mesmo roteiro de Belov, e na mesma época — a única onde tal ousadia é tecnicamente possível.
Talvez, a gente até se encontre no caminho", diz Belov, que, assim como Beto Pandiani, sempre sonhou em fazer esta travessia.
Uma rota mitológica
A Passagem Noroeste é uma espécie de rota mitológica para navegantes do mundo inteiro.
E, por suas dificuldades, um desafio e tanto para os barcos menores.
Trata-se de uma sequência de estreitos canais entre blocos de gelo, com cerca de 5 mil quilômetros de extensão, que liga o Atlântico ao Pacífico, acima do Círculo Polar do Ártico.
Não há nada no caminho. Só gelo por todos os lados, o que a torna a Passagem Noroeste uma das áreas mais inóspitas do planeta.
Palco de terríveis tragédias
A fama da Passagem Noroeste antecede à própria descoberta do atalho que, embora os antigos navegantes desconfiassem que existisse, só aconteceu 116 anos atrás, em 1906, após uma série de tentativas, quase todas com finais trágicos, com barcos e homens trancados pelo gelo do Ártico.
A pior de todas as tragédias envolvendo a Passagem Noroeste aconteceu na metade do século 19 e custou a vida todos os 128 ocupantes de dois navios de uma esquadra inglesa, chefiada pelo explorador John Franklin, enviada justamente para descobrir a passagem.
Mas resultou em um dos episódios mais dramáticos de toda a história da exploração polar, com atos até de canibalismo — clique aqui para conhecer esta impressionante história, que, espera-se, jamais se repita.
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