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Porsches ao mar: a maldição que persegue os navios carregados de automóveis
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O navio transportador de veículos Felicity Ace, que desde a última quarta-feira vem sofrendo um incêndio no mar, a cerca de 160 quilômetros das Ilhas dos Açores, quando seguia para os Estados Unidos, está com o fogo parcialmente sob controle, segundo as autoridades marítimas portuguesa.
Mas isso não quer dizer que sua preciosa carga, formada por 1.100 Porsches e outros veículos de luxo, esteja a salvo, muito pelo contrário: há pouquíssimas possibilidades que os automóveis possam vir a ser resgatados, caso o navio não queime por completo.
Ao contrário dos tripulantes do navio, todos salvos e resgatados, o mais provável é que os veículos que estão a bordo do navio em chamas já estejam perdidos, o que, no entanto, não é nenhum caso inédito na história do transporte marítimo de automóveis, também muito pelo contrário.
Só nos últimos 20 anos, mais de meia dúzia de acidentes com navios desse tipo aconteceram, sempre com a perda dos veículos, o que gerou uma espécie de maldição no transporte marítimo de automóveis.
O caso recente mais famoso foi o do navio Golden Ray, que capotou ao sair do porto americano de Brunswick, em 8 de setembro de 2019, gerando a perda dos 4.100 automóveis que transportava — além do próprio navio, que foi cortado em pedaços para poder ser removido.
Mas outros casos também ocorreram, como estes listados abaixo.
SINCERITY ACE
Um Réveillon trágico
A noite de Réveillon de 31 de dezembro de 2018 nada teve de alegre para os tripulantes do Sincerity Ace, um navio transportador de automóveis, que, naquela data, navegava no Oceano Pacífico, a cerca de 3.300 quilômetros do Havaí, transportando 3.500 automóveis zero quilômetro da marca Nissan, do Japão para os Estados Unidos.
Ao contrário, aquela noite foi bem trágica.
Um incêndio a bordo, semelhante ao que aconteceu com o Felicity Age, dois dias atrás (dois navios parecidos até no nome), forçou os 24 ocupantes do navio a abandoná-lo à deriva, em pleno oceano, a fim de tentar salvar suas vidas.
Dezesseis tripulantes sobreviveram ao episódio, após serem localizados em balsas salva-vidas pelos navios que atenderam ao pedido de socorro emitido pelo comandante, antes de abandonar o navio.
Mas cinco desapareceram para sempre no mar.
O Sincerity Ace, que pertence a mesma empresa dona do supercargueiro Ever Given (aquele que entalou no Canal de Suez, em março do ano passado, e praticamente interrompeu o comércio marítimo mundial), acabou tendo o incêndio controlado, mas quase toda a sua preciosa carga foi dada como perdida.
BALTIC ACE
Perdas de vidas e automóveis
Uma falha de comunicação entre a tripulação do navio transportador de automóveis Baltic Ace e o cargueiro Corvus J resultou na colisão das duas embarcações ao largo da costa da Holanda, em 5 de dezembro de 2012 — em vez de desviar um do outro, os dois guinaram para o mesmo lado.
Com o impacto, o Baltic Ace capotou e afundou, em menos de 15 minutos, mal dando tempo de seus 24 tripulantes passarem para os botes salva-vidas. Onze deles morreram no acidente.
Mesmo assim, a polícia holandesa decidiu não investigar o caso, alegando que ele ocorrera fora dos limites de 12 milhas do mar territorial da Holanda, e envolvendo navios não holandeses.
O descaso da polícia com a vítimas chamou quase tanta atenção da mídia quanto a valiosa carga que havia no navio: 1.417 automóveis novos da marca Mitsubishi, mais um número nunca confirmado de Ferraris, Bentleys, Rolls Royce e Lamborghinis, que seguiam para o mercado russo — todos, obviamente, perdidos.
Dois anos depois, para não atrapalhar a navegação na região, os restos do Baltic Ace foram cortados e removidos do fundo do mar.
E os pedaços dos valiosos carros vendidos para o ferro-velho.
COUGAR ACE
Carros intactos, mas destruídos
Em 23 de julho de 2006, o navio transportador de automóveis Cougar Ace seguia do Japão para o Canadá, com 4.812 veículos zero quilômetro da marca Mazda, quando, durante uma rotineira operação de enchimento dos tanques de lastro, perdeu estabilidade e começou a inclinar, em pleno Oceano Pacífico.
Acionada, a Guarda Costeira Americana conseguiu resgatar todos os 23 tripulantes do navio que, dias depois, também foi rebocado de volta ao Japão, numa lenta viagem que durou quase um mês.
Os automóveis nada sofreram no incidente e chegaram em perfeito estado ao mesmo porto japonês onde haviam sido embarcados.
Mas, temendo a futura rejeição dos compradores, dado o tempo que os automóveis passaram no mar, a fábrica japonesa tomou uma decisão surpreendente: mandou destruir todos os carros — uma carga avaliada em quase 120 milhões de dólares.
HOEGH XIAMEN
O problema foi a bateria
Uma prosaica bateria de automóvel causou a perda total do navio Hoegh Xiamen, e toda a sua carga, em junho de 2020, no porto de Jacksonville, na Florida.
2.420 automóveis americanos usados, que seriam destinados aos países do oeste da África, haviam acabado de embarcar no navio quando o cabo frouxo da bateria de um deles provocou uma faísca, que deu início a um incêndio, que logo se mostrou incontrolável.
Durante sete dias, o navio ardeu no porto americano, sem que os bombeiros conseguissem debelar o fogo.
Todos os tripulantes escaparam, já que o navio estava parado no porto.
Mas cinco bombeiros se feriram gravemente na inútil tentativa de salvar o navio e seus mais de 2.000 carros usados
HOEGH OSAKA
Só os carros foram perdidos
Assim que partiu do porto inglês de Southampton, em 3 de janeiro de 2015, o navio transportador de automóveis Hoegh Osaka deixou claro que havia algo errado com a sua estabilidade — culpa da má distribuição da carga, composta por 1.400 automóveis novos, de diversas marcas.
E não deu outra.
Ao entrar no Canal da Mancha, o comandante do Hoegh Osaka percebeu a gravidade do problema e decidiu encalhar propositalmente o navio, a fim de salvá-lo de um provável naufrágio.
A manobra quase deu certo.
O navio, de fato, não afundou.
Mas o impacto do encalhe em um conhecido banco de areia da região gerou um deslocamento ainda maior dos automóveis nos porões, e o choque deles com o interior do casco gerou rachaduras que acabaram inundando o navio — e, claro, os carros que ele transportava.
Ninguém se feriu no incidente e o navio pode ser recuperado.
Mas todos os carros foram parar no lixo.
TRICOLOR
Bateu, afundou e foi atropelado
Nas primeiras horas da madrugada de 14 de dezembro de 2002, o navio norueguês transportador de veículos Tricolor colidiu com o cargueiro Kariba, quando navegava na altura da costa francesa, transportando 2.871 automóveis de luxo zero quilômetro das marcas BMW, Volvo e Saab.
Com a colisão, que em parte foi causada por um terceiro navio, o Clary, que também navegava na região, o Tricolor afundou, mas nenhum dos seus tripulantes sofreu ferimentos, bem como os do cargueiro Kariba, que permaneceu na superfície.
O curioso é que, como o naufrágio aconteceu em uma região relativamente rasa e de intenso tráfego de navios, o Tricolor, mesmo submerso, acabou sendo abalroado outras duas vezes, por dois outros navios, antes de ser finalmente removido e demolido — bem como os automóveis que estavam dentro dele, que, como se não bastasse o naufrágio, ainda foram devidamente esmagados pelos impactos.
REIJIN
O Titanic dos carros
Em 26 de abril de 1988, após desembarcar em Portugal um pequeno lote dos 5.000 automóveis Toyota zero quilômetro que transportava, o navio japonês Reijin partiu do porto de Leixões, com destino à sua próxima escala no continente europeu.
Mas não passou da praia vizinha ao porto.
Com a carga não foi devidamente remanejada após o desembarque dos primeiros automóveis, o navio perdeu estabilidade ao sair do porto e ainda tomou o rumo errado, rente à praia.
O resultado foi o encalhe do navio (ninguém se feriu no incidente) bem diante da Praia da Madalena, e o início de um curioso movimento, que levou milhares de portugueses àquela praia, em busca de uma maneira de conseguir retirar de dentro do navio alguns dos automóveis que ele transportava.
Batizado de "Titanic dos Carros", o encalhe do Reijin e seus 5.000 automóveis alimentou o sonho dos portugueses durante meses, mas acabou tendo um final amargurante que é lembrado na região até hoje (clique aqui para conhecer este caso, que entre tantos outros do gênero, nos últimos tempos, tem transformado o transporte marítimo de automóveis em uma espécie de prenúncio de mau agouro).
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