Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Barco usado por alemães na 1ª e 2ª Guerra chega ao Rio para lutar pelo mar
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Na manhã desta quarta-feira, os cariocas foram brindados com a chegada de um ilustre visitante à Baía de Guanabara: o lindo barco norueguês Statsraad Lehmkuhl, um dos mais antigos, famosos e bem conservados grandes veleiros do mundo.
O barco, que partiu da Noruega em agosto do ano passado com uma tripulação que mistura cientistas e estudantes, está fazendo uma longa viagem de volta ao mundo, chamada Expedição One Ocean, que visa chamar a atenção das pessoas e compartilhar conhecimentos científicos sobre o papel crucial dos oceanos para um futuro sustentável no planeta.
Ele ficará atracado no Píer Mauá, no Rio de Janeiro, até sábado, e será a principal atração da etapa brasileira da Expedição One Ocean, cuja programação, aberta ao público, no vizinho ao Museu do Amanhã, inclui conferências científicas, seminários culturais, exibições de filmes e curiosidades da viagem, com o objetivo de inspirar as pessoas a se engajarem em prol de ações de desenvolvimento sustentável para os oceanos.
"Estamos todos no mesmo barco e devemos trabalhar juntos para preservar o mar", diz Odd Magne Ruud, embaixador da Noruega no Brasil, um dos promotores do evento, já que a expedição tem apoio oficial do governo norueguês — embora, contraditoriamente, a Noruega seja um dos poucos países do mundo que ainda caçam baleias.
Universidade flutuante
O Statsraad Lehmkuhl é um grande veleiro de três mastros e 98 metros de comprimento (somadas, suas 22 velas passam dos 2 mil m2), que foi transformado em barco de pesquisa e equipado com modernos equipamentos, capazes de coletar dados como acidificação, biodiversidade, temperatura e contagem de microplásticos nos oceanos, durante a viagem — e avaliá-los em tempo real.
Um dos equipamentos a bordo é uma ecossonda científica de última geração, que coleta, continuamente, dados que chegam aos 1 000 metros de profundidade, revelando a densidade e o comportamento de peixes e demais seres marinhos por onde o veleiro passa.
"O barco é uma espécie de universidade flutuante, com estudantes e cientistas trabalhando juntos, no próprio ambiente que estudam", explica um representante da Fundação Statsraad Lehmkuhl, que é dona do veleiro.
Mas, ainda mais interessante do que a expedição científica que este veleiro norueguês vem fazendo, é a história do próprio barco.
Alemão, nas duas guerras
Sob o nome Grossherzog Friedrich August, o Statsraad Lehmkuhl foi construído na Alemanha, em 1914 (tem, portanto, 108 anos), para ser usado pela Marinha Mercante alemã na Primeira Guerra Mundial, que então estava começando.
Durante o conflito, serviu como barco de treinamento para marinheiros, mas não foi afetado pelos combates.
Com o fim da guerra, passou para as mãos dos ingleses, como compensação pelos danos causados.
Mas, logo em seguida, em 1921, foi comprado pelo então ministro norueguês Kristofer Lehmkuhl (vem daí o nome do barco, Statsraad Lehmkuhl, ou "Ministro de Estado Lehmkuhl"), para ser usado como barco de treinamento para cadetes, na Noruega.
No entanto, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a consequente invasão da Noruega pelos alemães, o barco voltou a fazer parte da Marinha Mercante Alemã, onde ganhou outro nome: Westwärts.
E seguiu sendo usado para treinar marinheiros para os combates.
De volta à Noruega
Quando a guerra terminou, em 1945, o governo da Noruega recuperou o veleiro, devolveu o seu antigo nome e o recolocou em uso.
Mas, em 1967, uma crise financeira quase fez o barco ser vendido para outro país.
Foi quando o armador norueguês Hilmar Reksten decidiu comprar o veleiro, a fim de evitar que ele saísse, uma vez mais, da Noruega.
Em seguida, doou o barco à atual fundação que administra o veleiro e que, para mantê-lo, passou a realizar passeios com turistas pelos fiordes noruegueses.
Treina alemães até hoje
Em 2000, o Statsraad Lehmkuhl retornou à Alemanha, mas para ser usado para o pacífico treinamento de marinheiros da Marinha Alemã.
Foi como uma terceira volta ao seu passado.
Além de fazer passeios, treinar marinheiros e — agora — defender os mares do planeta, o grande veleiro também costuma participar de regatas oceânicas para grandes barcos históricos.
Seis anos atrás, quando já somava mais de um século de uso, venceu a mais prestigiosa competição do gênero, a Tall Ships Race, entre Antuérpia e Lisboa.
"É um barco com muita história para contar", resume um dos seus jovens tripulantes.
Redes em vez de camas
Embora tenha sido equipado com o que existe de mais avançado para pesquisas marítimas nesta viagem de volta ao mundo, o grande veleiro norueguês mantém suas características originais.
Como, por exemplo, redes em vez camas para os tripulantes, exatamente como era no passado.
O conforto não é grande, mas, mesmo assim, muitos jovens sonham em participar das viagens que o barco faz, inclusive esta, de volta ao mundo, cujos trechos também são vendidos aos interessados em apenas navegar como antigamente.
Mas, por conta da covid-19, nenhum brasileiro será incluindo na tripulação do Statsraad Lehmkuhl para o próximo trecho desta viagem, que começou e terminará na Noruega, só em abril do ano que vem, após 19 meses navegando mundo afora, com um nobre objetivo: ajudar a salvar os oceanos.
É isso que os cariocas poderão ver nos próximos dias, visitando a atrações da Expedição One Ocean.
Contemporâneo de uma tragédia
O veleiro norueguês Statsraad Lehmkuhl é um legítimo representante da era das grandes navegações à vela, e contemporâneo de outros famosos barcos do gênero — sobretudo os que eram usados para o treinamento de jovens marinheiros alemães, no início do século passado.
Um deles, o Admiral Karpfanger, ficou tragicamente famoso por ter desparecido com todos os seus tripulantes (que incluíam 40 jovens aprendizes de marinheiros, com idades entre 15 e 17 anos) em algum ponto do Oceano Pacífico, durante uma travessia de treinamento, em 1938, já visando à preparação deles para a guerra que viria em seguida.
A tragédia chocou o mundo e despertou sentimentos de solidariedade até nos inimigos de Hitler, já que se tratavam de meninos (clique aqui para conhecer essa história).
Naquela época, o veleiro que chegou hoje ao Rio de Janeiro já navegava, feito uma testemunha viva da História.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.