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Aos 70 anos de idade, ave selvagem mais velha do mundo ainda procria
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Todos os anos, quando chega o inverno no Hemisfério Norte, cerca um milhão e meio de albatrozes, grandes aves marinhas vindas do mundo inteiro, pousam no pequeno Atol de Midway, uma ex-base militar americana da Segunda Guerra Mundial, no Pacífico, para depositar seus ovos e procriar a espécie.
São muitos, muitos albatrozes — cerca de 70% da população mundial desta grande ave marinha, a maior do gênero, cuja envergadura das asas costuma chegar aos três metros, dependendo da espécie.
São tantos albatrozes chegando ao mesmo tempo que quase falta espaço para os ninhos no pequeno atol desabitado, de apenas cinco quilômetros quadrados — que, por isso mesmo, foi transformado tempos atrás em Refúgio Protegido da Vida Selvagem.
Mas, entre tantos albatrozes, um deles se destaca e tem sido objeto de estudo dos especialistas, há quase sete décadas. Esta fêma: a Wisdom
Desde a década de 1950
Wisdom é uma fêmea que, desde 1956 (ou até antes disso, não se sabe ao certo) visita Midway uma vez por ano (ou uma vez a cada dois anos, dependendo do ritmo da natureza), para desovar (sempre um único ovo, como fazem os albatrozes) e chocá-lo, na companhia do parceiro de vida inteira.
E isso há 70 anos, o que torna esta fêmea de albatroz duplamente valiosa para a ciência: ela não só continua fértil, apesar da idade avançada, como é considerada a ave selvagem mais velha do mundo, entre todas as conhecidas — de todas as espécies.
Mudou a ciência
Wisdom é um fenômeno que fez os pesquisadores reverem seus conceitos sobre a longevidade dos albatrozes.
Até então, pensava-se que eles poderiam viver até por volta dos 40 anos de idade, o que já era algo extraordinário para uma ave que passa a vida inteira em permanente movimento, voando enormes distâncias sobre a vastidão dos oceanos.
Mas Wisdom já superou isso um quarto de século atrás, segue sadia e — ainda mais surpreendente — reprodutiva, mesmo aos supostos 70 anos de vida.
Por causa disso, os biólogos já não sabem mais responder a uma pergunta básica: quanto tempo vive um albatroz?
Wisdom obrigou a ciência a rever seus conceitos.
Mais velha, entre as conhecidas
A certeza sobre a extraordinária longevidade desta ave vem de um detalhe inquestionável.
Em 1956, um dos primeiros pesquisadores de albatrozes do mundo, o biólogo americano Chandler Robbins, colocou uma anilha identificadora em uma das patas de Wisdom, na primeira visita que fez ao atol de Midway.
E a anilha está lá até hoje.
"Wisdom é a mais velha albatroz conhecida e comprovada, mas, talvez, exista outras ainda mais velhas, só não monitoradas pelos pesquisadores", explica o coordenador de pesquisa do Projeto Albatroz Brasil, mantido pela Petrobras, Caio Azevedo Marques.
Pesquisador já morreu, ela não
Na época em que foi anilhada, na metade dos anos de 1950, Wisdom era uma jovem fêmea, que Robbins estimou com cerca de cinco de idade.
Ou seja, teria nascido por volta dos primeiros anos daquela década, ou talvez antes disso, já que é impossível saber com precisão a idade de uma ave silvestre.
Uma coisa, porém, é certa: Wisdom já mostrou que alguns albatrozes podem viver mais que os seus próprios estudiosos — além de boa parte dos leitores deste texto.
Ela mesmo fez isso.
Chandler Robbins, o seu primeiro investigador, morreu cinco anos atrás, enquanto a ave segue firme e forte, gerando, inclusive, novos filhotes.
Voltou, de novo, este ano
No inverno de 2016, um ano antes de Robbins morrer, ela retornou à Midway e pôs um ovo.
Dois anos depois, em 2018, repetiu a dose — e gerou um novo filhote.
E a história se repetiu no final de 2020, com mais um herdeiro, quando já somava estimados 69 anos — idade na qual os humanos, há muito, já são considerados "idosos".
Nesta temporada, para alívio e felicidade dos pesquisadores, ela voltou uma vez mais à Midway, para pôr mais um ovo.
Chegou no final de novembro do ano passado e segue lá, cuidando do filhote, cuja gestação é de 130 dias, na companhia de seu parceiro de vida inteira — que também ajuda a chocar o ovo e a tomar conta do ninho, quando Wisdom vai para o mar, em busca de alimento.
Passam a vida no mar
Os albatrozes-de-laysan (nome da espécie a qual Wisdom pertence) são aves que passam 90% da vida voando em solitário sobre os mares, e só vão a terra firme para acasalar (sempre com o mesmo parceiro) e desovar, apenas um ovo por vez.
Essa baixa frequência reprodutiva é um dos principais motivos de preocupação para os pesquisadores, uma vez que os albatrozes estão sujeitos a riscos cada vez maiores.
Riscos que o homem traz
Um dos riscos atuais é a captura acidental na chamada "pesca com espinhel", uma longa sequência de iscas presas a anzóis na superfície ou a baixa profundidade, que os albatrozes costumam atacar em busca de comida fácil — embora, entre os velhos marinheiros, reze a lenda de que matar um albatroz traz desgraças imediatas.
Mas, o atual maior problema é a contaminação dos mares por lixos plásticos, algo que os pesquisadores temem que muitos albatrozes sejam vítimas, ao engolirem resíduos por engano.
Os albatrozes simplesmente não conseguem se produzir o bastante para repor os indivíduos mortos por impactos humanos", diz o pesquisador Caio Marques.
O segredo é a sabedoria dela
Felizmente, Wisdom ("Sabedoria", em inglês, como foi batizada pela sua sagacidade em viver tanto tempo, driblando os perigos gerados pelo homem - o companheiro dela ganhou o nome de "Akeakamai", que, no dialeto havaiano, significa "Apaixonado pelo conhecimento"), parece faz jus ao nome que tem.
"Aparentemente, a Wisdom aprendeu a diferenciar o que é plástico do que é alimento, e a evitar os anzóis dos pescadores. É, sem dúvida, uma ave bem mais experiente do que as outras", diz Caio.
A cautela, gerada pela experiência, seria parte do segredo da extraordinária longevidade desta ave.
Ninho junto aos netos
Estima-se que ao longo de sua vida Wisdom já tenha voado uma distância equivalente a meia dúzia de viagens entre a Terra e a Lua, e gerado mais de 40 filhotes, sempre em Midway, onde ela também nasceu, já que os albatrozes sempre voltam para procriar no mesmo local onde foram chocados.
Assim sendo, em Midway, o ninho de Wisdom está cercado pelos dos seus próprios filhos e netos, o que a torna uma curiosa bisavó ainda reprodutora.
Em outras palavras, um fenômeno da natureza.
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