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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Por que a 1ª viagem do maior navio de cruzeiros pode ser para o ferro-velho

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

09/07/2022 04h00

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Desde 2018, dois super navios de cruzeiros, os maiores do mundo em capacidade de passageiros, encomendados pela empresa Genting, de Hong Kong, ocupam duas grandes áreas de montagem, em duas unidades do estaleiro alemão MV Werften.

Um deles, batizado Global Dream, já está 80% pronto e sua gigantesca estrutura, com o comprimento de três campos e meio de futebol, ocupa a principal área da maior unidade do estaleiro, na cidade de Wismar, vendida recentemente ao gigante do setor Thyssenkrupp AG.

Já a construção do segundo super-transatlântico - idêntico ao primeiro, tanto que foi batizado de Global Dream II - está em fase final de montagem do casco.

Uma vez prontos, serão os dois maiores navios do gênero no mundo.

Mas isso corre o risco de jamais acontecer, porque tanto a empresa que os encomendou, quanto os estaleiros onde eles vinham sendo construídos (que pertencem ao mesmo grupo empresarial), foram à falência, por conta da pandemia.

As obras pararam em janeiro e, desde então, surgiu um problema tão gigantesco quanto os próprios navios:

O que fazer com eles?

Valem R$ 10 bilhões cada

Global Dream, Histórias do Mar - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Para o navio que está mais perto de ficar pronto, o Global Dream (já até pintado com alegres figuras no casco), a solução que está sendo tentada é a venda para outra empresa do setor, que se encarregaria de terminá-lo.

Mas, dadas as cifras colossais que uma operação dessas envolve (o Global Dream valeria algo em torno de 1,8 bilhão de dólares ou cerca de R$ 10 bilhões), não está sendo nada fácil achar um comprador interessado.

Até agora, o único que demonstrou algum interesse no negócio foi o bilionário malaio Lim Kook Thay, não por coincidência ex-diretor da própria Genting, o que chegou a levantar suspeitas sobre o real motivo da insolvência da empresa, embora isso tenha sido atribuído isso à crise mundial dos cruzeiros marítimos, desencadeada pela pandemia da covid 19.

Global Dream, Histórias do Mar - dpa/picture alliance via Getty Images - dpa/picture alliance via Getty Images
Imagem: dpa/picture alliance via Getty Images

Mas Lim Kook Thay já disse que só terá condições de arcar com os custos de finalização do transatlântico se bancos alemães concordarem em financiar os estimados 620 milhões de dólares que faltam para terminar a obra — e tem usado a demissão em massa de funcionários do estaleiro para fazer com que o governo da Alemanha pressione os banqueiros a conceder o dinheiro que ele pede.

Além disso, a empresa que comprou aquela unidade do estaleiro, a Thyssenkrupp AG, deu prazo para o navio ser retirado de lá até o final do ano que vem, porque pretende passar a usar as instalações para construir embarcações militares, um mercado potencialmente bem mais lucrativo que o de cruzeiros marítimos, sobretudo após a invasão russa da Ucrania.

Destino ainda mais sombrio

Enquanto isso, a construção do navio segue parada, embora tudo indique que ele será vendido.

Já, para o segundo navio, o destino pode ser bem mais sombrio: o puro e simples desmanche.

Vendido como sucata

Global Dream, Histórias do Mar - Reprodução - Reprodução
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A ideia de enviar para o desmache um navio que nem chegou a ser usado, pode, a princípio, soar absurda demais.

Mas é o que deve acontecer com aquele que seria o segundo maior navio de cruzeiros do mundo.

"Por ora, o destino do Global Dream II parece ser o ferro velho", diz o administrador responsável pela massa falida da Genting, Christoph Morgen, que parece já ter perdido as esperanças de encontrar um comprador para o segundo navio.

Ele deve ser desmantelado e vendido como sucata", avalia o responsável por achar uma saída para o problema.

Cruzeiros para lugar algum

Com dimensões faraônicas e algumas atrações inéditas em navios de cruzeiro (como, por exemplo, cabines com dois banheiros, portas com reconhecimento facial dos passageiros e a maior montanha russa que já se viu nos sete mares), os novos navios da classe Global Dream vinham sendo considerados uma espécie de divisor de águas na indústria dos cruzeiros marítimos, e a grande esperança da Genting de sair do buraco em que se encontrava.

No auge da crise gerada pela pandemia — e no desespero de gerar alguma receita —, a empresa chegou a oferecer "cruzeiros para lugar nenhum", um tipo bizarro de viagem, no qual seus navios partiam e regressavam para Hong Kong sem parar em nenhum porto.

Mas, temendo a proliferação das contaminações a bordo, o governo local também proibiu esse tipo de cruzeiro, jogando a pá de cal nas esperanças da empresa de escapar da insolvência.

Seriam os maiores do mundo

Global Dream, Histórias do Mar - dpa/picture alliance via Getty Images - dpa/picture alliance via Getty Images
Imagem: dpa/picture alliance via Getty Images

Caso o Global Dream venha a ser finalizado, ele será o maior navio de passageiros do planeta.

Terá 342 metros de comprimento, altura de um prédio de 18 andares, 28 elevadores, oito teatros, cinema com proporções de shopping center, parque aquático com até simulador de surf, e capacidade para 9.500 passageiros — 2.500 a mais do que o atual número 1 do mundo, o Wonder of the Seas, lançado este ano, já que muitas de suas cabines são apartamentos, que acomodam famílias inteiras, o que é outra novidade no setor.

Global Dream, Histórias do Mar - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"Quando o Global Dream for para o mar, marcará o início de uma nova era nos cruzeiros marítimos", resumiu a empresa dona dos navios, ao anunciar a construção dos dois super transatlânticos, quatro anos atrás.

Hoje, no entanto, a situação é bem outra.

O que se busca agora é apenas uma maneira de evitar que os dois novíssimos navios escapem do fim, antes mesmo de serem inaugurados.

Cemitério de navios

Caso seja condenado a fazer sua viagem inaugural rumo ao ferro-velho, o destino do Global Dream II deve ser a abominável praia de Alang, na Índia, para onde, só no ano passado, foram enviados meia-dúzia de navios de cruzeiros de empresas também vitimadas pela crise desencadeada pela pandemia — mas nenhum tão grande, muito menos tão novo, quanto o mega transatlântico de Hong Kong.

Alang, cemitério de navios - Divulgação NGO Shipbreaking Platform - Divulgação NGO Shipbreaking Platform
Imagem: Divulgação NGO Shipbreaking Platform

Nas areias imundas e repletas de pedaços de ferro retorcido de Alang ficam alguns dos mais abomináveis estaleiros de desmanches de navios do mundo, que usam a própria praia para desmantelar as embarcações, feito um cemitério de navios a céu aberto.

O serviço é feito por pobres trabalhadores locais, muitos deles crianças, que usam as próprias mãos para desmanchar navios inteiros, atividade que já gerou intensos protestos mundo afora (clique aqui para ler sobre os absurdos cometidos pelos estaleiros de Alang, onde os navios vão para morrer — um deles, no passado, foi o porta aviões brasileiro Minas Gerais).

Para o responsável pela massa falida da Genting, o principal objetivo é evitar que o destino da viagem inaugural dos dois que seriam os maiores navios de cruzeiros do mundo seja aquela infame praia da Índia.

Mas, para pelo menos um deles, isso parece quase certo.