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Quem é o homem que achou um tesouro no fundo do mar e não ficará com nada
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Embora pareça tema de livro infantil, tesouros perdidos no fundo do mar existem de fato.
E não são poucos. Basta passar os olhos pelos livros de história para ver quantas naus afundaram no passado, quando transportavam riquezas de um porto para outro — daí a inestimável quantidade de preciosidades que ainda aguardam serem encontradas nos oceanos mundo afora.
No entanto, quem encontra algo valioso no mar raramente revela o achado, porque isso, quase sempre, significa perder os direitos sobre ele, já que os governos da maioria dos países não permitem a exploração privada do seu mar territorial.
Mas há quem não ligue para isso e, em nome apenas do prazer de descobrir algo ninguém jamais achou, continue procurando obsessivamente um tesouro, mesmo sabendo que não irá ficar com nada.
Um velho sonho
É o caso do milionário americano Carl Allen, que, após quase 20 anos de intensas buscas e pesados investimentos, está prestes a realizar a primeira parte de um velho sonho: a criação de um museu, aberto ao público e gratuito, com tudo o que já conseguiu recuperar dos escombros de um galeão espanhol afundado nas Bahamas, em 1656, o Nuestra Señora de las Maravillas, considerado um dos naufrágios mais valiosos do mundo — e cuja totalidade de suas preciosidades ainda está por ser encontrada, segundo o próprio Carl Allen.
Um museu só para o tesouro
Nesta segunda-feira, ele inaugurará, em Freeport, a segunda maior cidade das Bahamas, o Bahamas Maritime Museum, dedicado exclusivamente aos tesouros que já recuperou dos escombros do Maravillas, incluindo joias, pedras preciosas e correntes de ouro maciço, entre outros objetos de valor incalculável, já que são, também, peças históricas.
E, embora tenha sido Carl Allen quem achou tudo aquilo, nada é dele. Nem mesmo o museu em si, que ele mesmo construiu e também doou para o governo das Bahamas — um raro caso de caçador de tesouros que não faz questão de ficar com o que encontrou.
A criação do museu é a primeira parte do meu sonho. A segunda é encontrar o que ainda falta ser achado do Maravillas", diz o milionário.
Quem é ele?
Misto de filantropo, historiador, mergulhador e caçador de tesouro — além de milionário, é claro —, Carl Allen sempre teve três paixões na vida: a mulher, Anne (muito mais conhecida pelo apelido Gigi), as Bahamas, onde possui uma ilha particular, e a história do galeão Nuestra Señora de las Maravillas, que ali afundou, durante uma tempestade, em 4 de janeiro de 1656, quando transportava riquezas extraídas das então colônias espanholas na América do Sul e Central para a Europa.
Para encontrar a parte do tesouro que estará exposta no novo museu, Allen usou um dos seus dois iates particulares, o Axis, de 55 metros de comprimento (equipado, entre outros recursos, com um mini-submarino e uma equipe de mergulhadores), e dedicou quase duas décadas de sua vida à empreitada — que ele mesmo classificou como sendo "a de procurar uma agulha no deserto". "E, ainda por cima, debaixo d´água", acrescenta.
Inspirado por outro caçador de tesouros
O sonho de encontrar os tesouros do Maravillas ocupa a mente de Carl Allen desde que ele tinha 20 anos de idade, quando conheceu o também americano Mel Fisher, responsável pela descoberta de outro galeão espanhol, o Nuestra Senõra de Atocha, nas águas da Florida, em 1985.
Fisher passara 16 anos buscando obstinadamente os restos daquele galeão, até que, finalmente, encontrou o que tanto buscava — clique aqui para conhecer esta impressionante história de determinação e perseverança que resultou no mais famoso tesouro submerso já resgatado no mar dos Estados Unidos.
Quando o Mel Fisher me disse que o seu segundo maior sonho era achar o tesouro do Maravillas, eu encarei aquilo como um desafio e resolvi encontrá-lo. Dediquei todo o meu tempo livre a isso".
O maior tesouro ainda não foi encontrado
Desde então, Allen já encontrou 18 naufrágios históricos no mar das Bahamas — dos quais o Maravillas é o mais significativo.
Mas todos com propósitos apenas arqueológicos e científicos.
"Cada peça do Maravillas encontrada era assinalada em um mapa digital, para que pudéssemos entender como ocorreu o naufrágio, já que só se sabe que ele se partiu em dois e saiu espalhando destroços pelo mar. Mas, ao que tudo indica, o principal, até hoje, não foi encontrado".
Allen se refere à cereja do bolo do naufrágio do Maravillas: a popa do casco, parte traseira da embarcação, onde se supõe que estava armazenada a parte mais valiosa da carga que o galeão transportava.
Estátua de ouro maciço
Entre as preciosidades que estariam nesta parte do galeão haveria uma lendária imagem, em ouro maciço e tamanho real, de Nossa Senhora com o Menino Jesus no colo, que teria sido encomendada pelo rei espanhol Felipe IV, para "pagar" à Igreja Católica pelo benefício de ter direito ao paraíso após a morte — e que, oficialmente, nunca foi encontrada, embora não seja possível garantir isso.
Seguidamente saqueado
Isso porque, embora seja considerado um dos tesouros submersos mais valiosos do mundo, boa parte da milionária carga do Maravillas foi paulatinamente saqueada desde o seu naufrágio, três séculos e meio atrás.
Primeiro, pelos próprios espanhóis, que tentaram resgatar o máximo possível de objetos logo após o naufrágio.
Depois, por uma legião de caçadores de tesouros, cuja única intenção era enriquecer com os objetos retirados do fundo do mar.
Até o governo das Bahamas proibir os mergulhos nos pontos em que se consideravam estar os restos do galeão, muitos fizeram isso.
"Nada será vendido"
No início dos anos de 1990, uma lancha afundada foi achada naquela região, com objetos retirados do galeão.
A conclusão foi que aquele barco estaria retornando de um desses saques, quando também afundou.
"Todas as expedições anteriores foram para roubar a carga do Maravillas. A nossa, não", explicou Allen, ao anunciar a inauguração do museu.
Nenhum objeto dele será vendido ou guardado por colecionador. Tudo o que sair do mar irá direto para o museu"
Como ele enriqueceu
A equipe de Allen também aproveitou a vasta área vasculhada para coletar informações gerais sobre a saúde do Mar das Bahamas, especialmente quanto a presença de lixo plástico na água — algo no mínimo curioso, para quem, como Allen, enriqueceu fabricando sacos de lixo e embalagens plásticas para alimentos.
Comprou também objetos
Para realizar o sonho de criar um museu com o tesouro do galeão espanhol, Allen não só aceitou de bom grado doar tudo o que encontrasse (condição imposta pelo governo das Bahamas para autorizar a expedição), como também comprou objetos que estavam nas mãos de colecionadores, a fim de enriquecer ainda mais o acervo.
A expectativa é que, com a criação do museu, mais objetos retirados do galeão apareçam.
Joias e mais joias
Entre as centenas de objetos do Maravillas já resgatados pela equipe de Allen e que serão expostos no museu, há um pendente de ouro decorado com a cruz de Santiago, símbolo do cristianismo na época, outro pingente decorado com uma enorme esmeralda, anéis de pérola e uma impressionante corrente de ouro, com mais de um metro e meio de comprimento — e um quilo de peso —, que se supõe era destinada a alguém muito poderoso da aristocracia ou da realeza espanhola.
Quando vi aquela corrente no fundo do mar, eu, literalmente, fiquei sem ar", recorda Allen.
Foi uma tragédia
Acredita-se que o Maravillas transportava esmeraldas colombianas de mais de 100 quilates, prata em abundância e uma quantidade de ouro estimada entre 30 e 40 toneladas, além da tal imagem da santa, sem falar no contrabando não declarado, como era hábito no passado.
Além de joias, a equipe de Allen também resgatou jarros de porcelana chinesa, pratos mexicanos, e uma espada, com punho de prata, que certamente pertenceu a um dos soldados da infeliz nau que, ao afundar, matou 605 pessoas.
Dos 650 homens que havia a bordo do galeão Maravillas naquela noite, apenas 45 sobreviveram ao naufrágio. Foi uma tragédia.
Disparo acidentado
O drama do Nuestra Señora de las Maravillas começou a ser desenhado quando uma tempestade surgiu no horizonte, no início da noite de 4 de janeiro de 1656, justamente quando a frota espanhola se aproximava de uma área perigosa, repleta de baixios e bancos de areia, nas Bahamas.
Como o Maravillas era a primeira nau da flotilha, o seu capitão decidiu alertar os companheiros para a baixa profundidade, disparando um dos canhões.
Mas os outros capitães não entenderam o sinal, julgaram que o Maravillas estava sendo atacado, e cada um tratou de escapar como podia do ataque que não existia.
Na confusão, o Maravillas foi abalroado por outro barco, partiu ao meio e afundou rapidamente.
Popa sumiu no mar
A proa do galeão, parte da frente do casco, foi facilmente encontrada depois, pelos próprios espanhóis que vieram recuperar o tesouro.
Mas a popa jamais foi encontrada — com a tempestade, ela teria sido arrastada para longe e se desintegrado, espalhando seu valioso conteúdo por uma vasta área.
Daí a dificuldade de Allen em recuperar os objetos que estarão expostos no novo museu, e a certeza de que o tesouro do Maravillas é bem maior do que o que já foi encontrado.
"Agora, vamos em busca do resto", garante o milionário, que já garimpou uma área de cerca de 13 quilômetros de extensão no fundo do mar, a partir do local onde a proa foi encontrada
Estamos convencidos de que há muito mais o que encontrar".
Como aconteceu o naufrágio
Como todo bom caçador de tesouros, Carl Allen sabe que é preciso ter paciência, resiliência e não desanimar frente às dificuldades — mesmo sabendo que não terá nenhum lucro nisso.
"Meu tesouro é apenas o prazer de fazer parte da história do naufrágio do Nuestra Señora de las Maravillas"
E que história! — clique aqui para conhecê-la em detalhes.
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