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O dia que o Brasil atacou um navio alemão de passageiros no Rio de Janeiro
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Em 24 de outubro de 1930, um movimento político armado que entraria para a história brasileira como a Revolução de 30 pôs fim a uma antiga forma de governo, na qual apenas paulistas e mineiros se revezavam na presidência do país, a chamada "República Café com Leite".
O movimento também depôs o então presidente Washington Luís, impediu a posse do seu sucessor, Júlio Prestes, e, dias depois, entregou o comando da nação à Getúlio Vargas.
Foi, em síntese, um golpe de estado.
E um dia bastante tumultuado na então capital do país, o Rio de Janeiro.
Por isso mesmo, naquele dia, por questões de segurança, ficou proibida a entrada ou saída de navios do porto carioca.
Mas nem todos obedeceram isso.
Ignorou a ordem
Alheio aos tumultos que aconteciam nas ruas da então capital do Brasil, o comandante do transatlântico alemão de passageiros Baden, então parado no porto do Rio de Janeiro durante uma escala na rota regular que fazia entre Hamburgo e Buenos Aires, decidiu soltar as amarras e seguir viagem, a fim de não atrasar sua chegada à Argentina.
Mas não foi longe.
Ao passar pela Fortaleza de Santa Cruz, uma das fortificações construídas no passado pelos portugueses para proteger a Baía de Guanabara, o navio alemão recebeu três inofensivos disparos de alerta, feitos com pólvora seca e para o alto, além de uma sinalização visual com bandeiras, que diziam que ele não poderia deixar a cidade e deveria retornar ao porto.
Mas o capitão alemão do transatlântico ignorou os avisos e seguiu em frente.
Deter o navio a qualquer custo
Diante de tal desobediência, o responsável pela fortaleza seguinte, o Forte da Vigia, recebeu ordens de deter o navio a qualquer custo - inclusive com disparos com munição de verdade contra o transatlântico, se isso fosse necessário.
Foi o que ele fez.
Morreram 22 passageiros
Um dos projéteis explodiu em cheio sobre o convés de popa do Baden e causou, além de muitos danos ao navio, a morte de 22 passageiros, além de ferimentos em outros 55, todos estrangeiros.
Só então o comandante do navio alemão deu meia volta e retornou ao porto carioca, onde foi levado para interrogatório, em meio ao tumulto que o golpe de estado causara na cidade.
Estaria levando fugitivos?
Uma das suspeitas que determinaram a ordem de detenção do navio de qualquer maneira - mesmo que ao preço de vidas humanas - era a de que ele estivesse sendo usado para a fuga de envolvidos no movimento golpista, o que, mais tarde, ficaria provado não ser verdade.
Comoção na cidade
Apesar dos dias tensos que se seguiram ao golpe de estado, o episódio do ataque deliberado a um navio estrangeiro de passageiros em plena Baía de Guanabara - e as mortes de inocentes que ele causara -, gerou uma grande comoção na cidade.
Especialmente porque as vítimas eram humildes imigrantes espanhóis e poloneses, que estavam indo tentar a vida na Argentina, após a crise econômica desencadeada com o fim da Primeira Guerra Mundial, anos antes.
Jornal fez campanha
A retirada dos corpos do navio mexeu tanto com os cariocas que o principal jornal da época, o Correio da Manhã, decidiu lançar uma campanha para receber donativos para os feridos e parentes das vítimas.
Foi uma mobilização como poucas vezes se viu igual, na Capital Federal.
Indignação na Europa
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, a notícia do bombardeamento intencional de um navio de passageiros repleto de trabalhadores imigrantes, gerou indignação tanto na Alemanha, dona do transatlântico, quanto na Espanha, de onde provinham boa parte dos seus ocupantes.
Imediatamente, os dois países exigiram que o então confuso governo brasileiro fizesse uma rigorosa investigação do caso, a fim de punir os responsáveis.
Um caso inédito
Mas o Brasil, então envolto em seus próprios problemas políticos, não tinha como fazer isso a contento.
Até porque, além de ser um caso inédito, os brasileiros não sabiam ao certo como averiguar, muito menos julgar, um fato que ocorrera no mar.
Foi quando a Alemanha, vendo a dificuldade do Brasil em atuar num caso onde ainda não havia jurisprudência própria a respeito, decidiu ignorar a soberania brasileira e tomou uma decisão tão acertada quanto polêmica: julgar ela mesma a questão, levando o caso ao seu Tribunal Marítimo - órgão que o Brasil, na época, não possuía.
Brasileiros julgados por alemães
A decisão alemã de julgar um caso ocorrido em águas brasileiras - e envolvendo brasileiros -, deixou o Brasil em uma desconfortável situação de eventual vulnerabilidade, já que cidadãos do país seriam julgados por juízes alemães.
Apesar disso, ancorados no princípio de que a justiça é cega e apátrida, o julgamento foi justo.
Negligência brasileira
Três meses depois daquele improvável ataque armado brasileiro a um simples navio de passageiros — sem que sequer fossem tempos de guerra, o que só aconteceria nove anos depois, com o início da Segunda Guerra Mundial —, saíram as sentenças.
O tribunal alemão concluiu que houve negligência por parte dos responsáveis pelas fortalezas cariocas, que não obedeceram às normas internacionais, tanto no disparo intencional (que não deveria ter sido feito diretamente ao navio e sim a 200 metros dele), quanto na sinalização por bandeiras, que seguiu o código brasileiro e não o mundial, embora o navio fosse estrangeiro.
Por que não usaram o rádio?
Além disso, os juízes alemães também consideraram que os oficiais brasileiros das duas fortalezas haviam ignorado a possibilidade de usar um aparelho de rádio para se comunicar com o navio infrator, antes de atacá-lo.
Mas, numa exemplar lição de justiça, o tribunal alemão tampouco poupou o comandante conterrâneo, que foi condenado por burlar o fechamento do porto, ignorar os disparos de alerta e não se dar ao trabalho de averiguar o que aquelas bandeiras de sinalização poderiam indicar, ainda que em outra linguagem.
Aqui, só um simples inquérito
Por tudo isso, o comandante do navio alemão foi punido com o banimento do cargo.
Já, no Brasil, houve apenas um inquérito administrativo, que somente repreendeu os responsáveis pelo forte que fez os disparos.
Legado positivo para o país
Cinco anos após aquela tragédia na Baía de Guanabara, o Baden deixou de operar na rota de passageiros para Buenos Aires, foi convertido em navio cargueiro, e, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, acabou sendo afundado pela sua própria tripulação na costa da França, no dia de Natal de 1940, para não cair nas mãos dos inimigos ingleses.
Mas deixou um legado positivo para os brasileiros.
Foi graças aquele estúpido incidente que o navio alemão protagonizou no mar do Rio de Janeiro - e a desastrada reação militar brasileira a ele - , que o Brasil passou a ter, já no ano seguinte, os seus primeiros tribunais administrativos de Marinha Mercante, primeiro passo para a criação, em 1954, do Tribunal Marítimo, desde então responsável por julgar tudo o que ocorre no mar brasileiro - inclusive atos de guerra.
Outro caso com navio alemão
Ironicamente, um dos primeiros casos que os recém-criados tribunais marítimos administrativos do Brasil analisaram foi o enigmático afundamento de outro navio alemão, o cargueiro Wakama, também no mar do Rio de Janeiro, logo nos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial - e menos de uma década após o episódio do transatlântico Baden na Baía de Guanabara.
O Wakama havia partido, sem nenhum alarde, do porto carioca apenas quatro dias após o início dos conflitos na Europa, quando emitiu um pedido de socorro, na altura de Cabo Frio, e afundou, até hoje não sabe exatamente como nem por quê.
Dúvidas sem respostas
Entre as diversas teorias que o surgiram para explicar o estranho naufrágio, a mais aceita foi a de que o Wakama teria sido atacado por navios militares ingleses, que teriam invadido o mar territorial brasileiro para caçá-lo.
Mas por que um simples cargueiro interessaria tanto assim aos ingleses, a ponto de afundá-lo?
E por que, décadas depois, um navio especial de resgates submarinos da Alemanha veio ao Brasil para vasculhar os destroços daquele cargueiro?
Estas são algumas das dúvidas que até hoje pairam sobre o naufrágio do Wakama (clique aqui para conhecer outras), que, ao contrário do ataque brasileiro ao transatlântico alemão, anos antes, felizmente não deixou vítimas.
Só alguns mistérios, nunca totalmente explicados.
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