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Sem ninguém a bordo: mistério mais famoso do mar faz 150 anos sem respostas
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No final de 1872, um século e meio atrás, o barco cargueiro americano Mary Celeste foi achado à deriva, sem ninguém a bordo, mas em perfeito estado, no meio do Atlântico, sem que ninguém conseguisse explicar o que teria acontecido com seus tripulantes - cujos corpos, tampouco, jamais foram encontrados.
Desde então, o enigmático caso se transformou no mais lendário, famoso e intrigante mistério dos mares, além de render ao Mary Celeste a alcunha de autêntico "barco-fantasma", já que, ao contrário de outras embarcações mitológicas, como o Holandês Voador, ele existiu de fato.
Mas o que aconteceu a bordo daquele barco, 150 anos atrás, continua desafiando a imaginação de todas as pessoas que já se dispuseram a investigar — em vão — este caso, que jamais terá uma resposta à pergunta que jamais foi respondida: o que aconteceu com a tripulação do Mary Celeste?
Barris de álcool
Tudo o que se sabe é que quando o Mary Celeste partiu de Nova York, rumo a Gênova, na Itália, levava uma carga de 1071 barris de álcool industrial, não potável, e dez pessoas a bordo, incluindo a família (mulher e uma filha pequena, de dois anos de idade) do seu comandante, Benjamin Briggs, um experiente capitão. E mais nada.
É praticamente certo que, em determinado momento entre os dias 27 de novembro e 5 de dezembro (a data exata jamais foi sabida), eles abandonaram o barco em alto mar, já que a única coisa que não estava a bordo quando o Mary Celeste foi encontrado era o bote salva-vidas e alguns instrumentos de navegação.
Mas, por que o comandante Briggs e seus comandados teriam feito isso se, mesmo ao ser encontrado, o Mary Celeste ainda estava em condições de navegar?
E por que trocar um barco grande e seguro por um bote pequeno e arriscado em pleno oceano?
As perguntas sempre foram bem mais numerosas do que as respostas neste intrigante caso, que desafia as mentes há um século e meio.
Jamais se saberá
Muitas teorias já foram desenvolvidas, mas jamais houve uma explicação conclusiva para o que teria acontecido a bordo do Mary Celeste, entre os dias 27 de novembro (data do último registro no seu diário de bordo, após ele passar ao largo de uma das ilhas dos Açores) e 5 de dezembro de 1872, quando foi localizado por outro barco, o Dei Gratia, que fazia a mesma rota para a Europa. E, muito provavelmente, jamais se saberá.
Detalhes intrigantes
O que se sabe de concreto é que o Mary Celeste partiu de Nova York no dia 7 de novembro e, a julgar pelos registros no seu livro de bordo, vinha fazendo uma viagem tão tranquila quanto o estado do mar à sua volta. Até que foi encontrado boiando vazio, com quase todas as velas arriadas, mas em perfeito estado e sem nenhum sinal aparente de problema, exceto alguns detalhes intrigantes.
Um deles é que a carga de álcool estava praticamente intacta, mas nove barris jaziam vazios - teriam vazados ou sido inadvertidamente consumidos, já que aquele tipo e álcool (uma mistura de etanol com metanol) não poderia ser ingerido?
Outro detalhe é que havia água e comida em boa quantidade na despensa da cozinha - por que trocar um barco abastecido por um bote sem suprimentos no meio do oceano?
Todos os pertences dos ocupantes também estavam a bordo, o que significava que eles tinham partido às pressas - mas, por qual motivo?
Diferentes teses para um mistério
As velas do barco, quase todas recolhidas, indicavam que o Mary Celeste fora propositalmente estancado no mar, possivelmente para que os ocupantes desembarcassem - mas por que a tripulação abandonaria um barco que ainda podia navegar?
Também havia um pouco de água empoçada dentro dos porões, mas poderia ser obra da chuva ou mesmo do mar, depois que o barco ficou à deriva. E um cabo partido pendia no mar, na popa do barco, como se ele tivesse sido rompido ao rebocar algo — seria o bote salva-vidas levando os ocupantes a reboque?
O que de tão grave teria acontecido no Mary Celeste, a ponto de ninguém permanecer a bordo?
Cada uma destas perguntas gerou diferentes teses para tentar explicar um mistério que se tornou praticamente inexplicável.
Motim a bordo?
Uma das teorias pregava que o capitão Briggs fora vítima de um motim a bordo. Ao repreender a tripulação, que estaria bebendo parte da carga (daí os barris vazios de álcool), ele teria sido morto e atirado ao mar, junto com a mulher e a filha. Em seguida, temendo serem descobertos, os amotinados teriam abandonaram o barco, com o bote, mas acabaram engolidos pelo mar, mais tarde.
Contra esta teoria, no entanto, pesa o fato de que não havia sinais de violência a bordo.
Traição e pirataria?
Outra tese apregoou o caso a um simples ataque de pirataria, vindo — quem sabe? — do próprio barco que supostamente "encontrara" o Mary Celeste, o Dei Gratia.
Como ambos faziam a mesma rota, o Dei Gratia poderia ter perseguido o Mary Celeste e o atacado, para que sua tripulação recebesse o dinheiro que, conforme as regras da época, era pago a quem encontrasse um barco "abandonado".
Esta foi a principal tese defendida pelo inquérito que investigou o caso.
Tanto que capitão do Dei Gratia, comandante David Morehouse, que rebocou o Mary Celeste até o porto de Gibraltar (talvez, com a simples intenção de pleitear o prêmio...), só recebeu um sexto do valor do resgate a que teria direito, mesmo tendo sido absolvido da suspeita de pirataria, por falta de provas.
A recompensa mais branda, no entanto, sugere que as autoridades não ficaram tão convencidas assim da inocência dele.
Por outro lado, o comandante do Dei Gratia e o capitão Briggs eram tão amigos que até jantaram juntos, na véspera da partida do Mary Celeste.
Teria ele tido coragem de trair o amigo?
Nada foi roubado
Já as demais teorias sobre pirataria — assaltos que poderiam ter sido praticadas por bandidos do mar —, logo foram descartadas, porque tanto a carga quanto os pertences dos ocupantes do Mary Celeste estavam intactos no barco. Nada fora roubado.
A hipótese mais aceita
Houve, no entanto, uma terceira hipótese, que, até hoje, é a mais aceita pelos estudiosos — embora seja impossível afirmar exatamente como ela teria ocorrido.
Esta hipótese estaria relacionada à carga inflamável e incendiária que o barco transportava. Ela teria induzido a tripulação a abandonar o Mary Celeste, por temer uma explosão a bordo.
Mas, por quê?
Há algumas suposições para isso.
O que pode ter acontecido?
Uma das suposições é que o balanço do barco teria derrubado alguns tonéis de álcool (os tais barris vazios), e o vazamento do líquido inflamável colocara a tripulação em pânico.
Outra, que os barris que jaziam vazios eram os únicos que haviam sido construídos com uma madeira avermelhada mais porosa, o quer teria permitido o vazamento do seu conteúdo, enchendo os porões do Mary
Celeste de vapores altamente inflamáveis.
Ao pressentir o barco em vias de incendiar ou explodir, a tripulação, precipitadamente, teria decidido abandoná-lo às pressas, usando para isso o bote salva-vidas - mas o teria mantido atado ao barco principal a certa distância, o que explicaria aquele cabo partido que pendia na popa do Mary Celeste, ao ser encontrado.
Por esta teoria, o cabo, no entanto, se rompera, fazendo com que o Mary Celeste fosse embora (já que, na pressa, nem todas as suas velas foram arriadas), e o bote, sem remos, não pudesse mais alcançá-lo.
Depois disso, o mar teria se encarregado de engolir o pequeno barco, com seus dez ocupantes, sem deixar vestígios. Mas isso é pura especulação.
Teriam fugido? Mas do quê?
Em uma variante desta mesma hipótese, os tripulantes poderiam ter deliberadamente partido do Mary Celeste em busca de alguma ilha, imaginando que ele explodiria, já que dias antes haviam passado pelas imediações dos Açores - talvez, eles tencionassem voltar para lá, e por isso tenham levado alguns instrumentos de navegação, como o sextante, que não foi encontrado no barco abandonado.
Todas são hipóteses plausíveis. Mas impossíveis de serem comprovadas.
Nasce a lenda do barco-fantasma
O mistério do Mary Celeste logo se espalhou pela Europa e chegou aos ouvidos do escritor escocês Artur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, que decidiu fantasiar ainda mais a história, transformando-a na de um "navio-fantasma".
Doze anos depois, ele lançou uma novela imaginária, baseada no caso. Era o que faltava para o mais famoso enigma dos oceanos virar, também, lenda.
A lenda do barco sem ninguém a bordo.
Passado tenebroso
Contribuiu ainda mais para isso o próprio passado tenebroso daquele barco, antes de virar Mary Celeste.
Construído em 1861 e batizado com o nome original Amazon, ele teve um histórico curto e tumultuado.
Seu primeiro comandante adoeceu — e em seguida morreu — logo na viagem inaugural. Depois, colidiu e afundou outro barco, quando navegava na costa da Inglaterra. E, menos de três anos depois, quase acabou de vez, ao encalhar na costa da Nova Escócia, no Canadá, mesmo local onde fora construído.
Na ocasião, o Amazon chegou a ser dado como perdido, mas foi resgatado, reformado e rebatizado com outro nome: Mary Celeste.
Mas isso, para os supersticiosos marinheiros da época não foi uma boa ideia, porque pregava a tradição de que mudar o nome de um barco trazia azar.
Coincidência ou não, trouxe mesmo azar. Como revelariam os fatos, sete anos depois.
Barco amaldiçoado
Após o misterioso desaparecimento da sua tripulação, o Mary Celeste foi vendido e mudou diversas vezes de dono e de nome, já que ninguém queria navegar num barco tido como "maldito" ou "amaldiçoado".
Até que, em 1885, foi comprado por um comandante falido, que decidiu afundá-lo de propósito, para receber o dinheiro do seguro. E assim o fez, em algum ponto desconhecido do Caribe.
Não se sabe se foi mesmo encontrado
Por mais de um século, nem o derradeiro paradeiro do ex-Mary Celeste foi conhecido.
Até que, em 2001, uma expedição financiada pelo escritor de aventuras Clive Cussler localizou seus escombros, afundados em uma baía do Haiti.
Era o fim da história do Mary Celeste, mas não do fantasma que, há 150 anos, assombra este nome.
Um século e meio depois, o que aconteceu com a tripulação do Mary Celeste é um mistério ainda sem respostas.
Outro caso misterioso
Embora intrigante a ponto de, até hoje, ser um assunto discutido em todos os portos do mundo, o desaparecimento da tripulação do Mary Celeste não foi o único caso do gênero na história — mas sim, apenas, o mais famoso de todos, feito uma espécie de Titanic dos mistérios marítimos.
Naquela mesma era, outros casos ocorreram.
Quase meio século depois do Mary Celeste, outro grande barco americano apareceu à deriva, na costa da Carolina do Norte, também sem ninguém a bordo.
Era a escuna cargueira Carroll A. Deering, que, em fevereiro de 1921, retornava de uma viagem ao Brasil, também com dez tripulantes a bordo, que jamais foram encontrados.
O caso rendeu uma investigação detalhada, que envolveu até agentes do FBI, mas também terminou apenas com hipóteses, sendo, no entanto, uma delas a mais provável: a de motim, por um motivo sórdido -- clique aqui para conhecer este outro caso e saber o que pode ter provocado o desaparecimento de todos a bordo.
No caso da escuna americana, houve, ao menos, um consenso sobre o que pode ter acontecido.
Já no caso do Mary Celeste, mesmo após 150 anos de especulações, nem isso. É um mistério condenado a ser eterno.
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