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Golfinho fica preso em rio poluído de SC e sofre com infecção
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Desde a semana passada, um grupo de voluntários, pesquisadores universitários e membros da polícia ambiental e da ONG Boto Vivo, de Laguna, no litoral de Santa Catarina, não tem dormido direito.
O motivo é um dos golfinhos —animais que na região também são chamados de "botos"— que há décadas frequenta as águas da cidade (onde foi apelidado de "Caroba"), que resolveu ir embora — mas no sentido oposto ao do mar.
Na semana passada, sem que ninguém saiba explicar muito bem por que (exceto, talvez, a maior oferta de alimento), Caroba resolveu abandonar o local onde sempre viveu, no canal que liga a cidade de Laguna ao mar, e partiu, sem retornar até agora.
Não seria um comportamento nada anormal, já que o golfinho em questão sempre foi um animal livre na natureza, não fosse um detalhe curioso.
Em vez de nadar na direção do mar, seu habitat natural, Caroba, um golfinho da espécie nariz-de-garrafa (a mesma do lendário Flipper, da TV) tomou o rumo contrário, penetrando nas águas doces do Rio Tubarão, que dá forma ao canal de acesso ao porto de Laguna.
O problema é a poluição
Mas esse, também, não seria um grande problema, já que golfinhos são mamíferos que respiram o mesmo ar que a gente (portanto, pelo menos em tese, podem viver tanto na água doce quanto salgada), não fosse uma perversa peculiaridade daquele rio em questão: a poluição.
O Rio Tubarão recebe dejetos in natura de milhares de casas ao longo de suas margens, além de muitos resíduos industriais e agrotóxicos das plantações da região.
Nunca foi tão longe
Mas nem o fato de ter adentrado aquele rio seria um grande problema, uma vez que ele já fez isso outras vezes, não fossem dois detalhes - estes, sim - bastante preocupantes: Caroba nunca avançou tanto rio adentro (está, neste instante, a mais de 35 quilômetros da foz do rio, e não dá o menor sinal de querer voltar), e exibe uma ferida cada vez maior na nadadeira dorsal, potencializada, ao que tudo indica, pela contaminação do rio.
"Não é ferida", corrige professor de biologia marinha Pedro Volkmer de Castilho, da Universidade do Estado de Santa Catarina. "Trata-se de um granuloma cutâneo, causado pela infecção de uma espécie de fungo, cujo crescimento está diretamente associado a ambientes degradados, com altos índices de contaminação, como resíduos industriais e dejetos residenciais", explica o especialista.
"Possivelmente, aquele animal já tinha uma lesão na pele, que piorou ao ter contato com águas poluídas. O tratamento seria simples, com pomadas de uso tópico, mas sendo ele um animal aquático, e ainda por cima livre na natureza, isso é praticamente impossível", lamenta o professor.
'Tem um boto no rio'
O crescimento acelerado da infecção e os sucessivos fracassos das operações que tentam conduzir o golfinho de volta ao canal onde ele sempre viveu, são as maiores preocupações do fotógrafo e membro da ONG Boto Vivo, Ronaldo Amboni, que vem acompanhando - e documentando - o caso desde a semana passada, quando moradores da cidade de Tubarão (que, apesar do nome, fica a quilômetros do mar) deram o alerta de que havia "um boto no rio".
O animal atravessou toda a cidade e seguiu nadando, rumo ao interior do estado, atraído, muito provavelmente, pelos cardumes de peixes que encontrou pela frente.
Tentativas ainda não deram certo
Atualmente, ele está em um trecho do Rio Tubarão que passa rente a Rodovia SC-390, onde já se tornou atração para os motoristas - e não dá sinais de querer voltar para a beira-mar.
"Bem alimentado ele está, porque ali tem muitas tainhas e tilápias, que ele passa o dia capturando, sozinho, como sempre gostou de fazer", diz o fotógrafo-ambientalista Amboni, que de tanto fotografar os botos de Laguna, onde vive, tornou-se um profundo conhecedor do comportamento de cada um daqueles animais que frequentam o canal da cidade - sobretudo o próprio Caroba, que ele conhece há décadas.
"O Caroba é um dos botos mais antigos de Laguna e já deve ter uns 50 anos de idade. Mas o mais curioso é que, até hoje, ninguém sabe se é macho ou fêmea, porque nunca conviveu intimamente com outros botos, nem nunca foi visto com filhotes", diz Amboni, que, no fim de semana, ajudou a montar uma espécie de armadilha no rio, para tentar capturar ou induzir o boto a voltar para perto do mar.
Mas o esforço foi em vão.
Menos de um metro de profundidade
"O Caroba, que é muito inteligente, achou um furo na rede e passou para o outro lado da barreira que nós tínhamos montado de um lado a outro do rio. Também ignorou o aparelho que emitia sons debaixo d'água, para tentar fazê-lo parar de avançar na direção contrária à do mar. É um boto muito esperto, mas não sabe o risco que está correndo, ao nadar em um rio poluído. Nós temos que ajudá-lo a voltar para casa", diz Amboni, cuja preocupação também é com o atual baixo volume de água do rio e os obstáculos que surgem com isso.
"O Caroba entrou no rio durante uma maré bem alta, quando havia bastante volume de água. Mas, agora, o rio está baixo e, em alguns pontos, não passa de um metro de profundidade, o que é bem pouco para um animal de quase dois metros de comprimento", explica Amboni.
"Talvez seja necessário dragar uma parte do rio, para ele poder voltar para perto do mar", diz.
Micose só aumenta
"Além disso, as chuvas dos últimos dias encheram o rio de galhos de árvores, dificultando ainda mais a passagem do boto, em alguns pontos", acrescenta Amboni, que também se preocupa muito com o crescimento acelerado da micose, desde que o animal entrou no rio poluído.
"Venho fazendo fotos diárias dele, e o crescimento da área atingida pelo fungo é visível. Em apenas três dias, aumentou muito" (veja fotos abaixo).
Ele pesca com os pescadores
A popularidade de Caroba em Laguna é grande, porque ele é um dos "botos-pescadores" da cidade, animais que, por iniciativa própria, ajudam os pescadores a capturar peixes no canal, cercando os cardumes entre eles e as redes.
"Eles fazem isso porque se beneficiam das redes, já que elas encurralam os cardumes", explica Amboni, que acrescenta: "O Caroba é um dos melhores botos-pescadores da cidade, daí a sua popularidade".
"Ninguém ensinou os botos a fazerem isso", explica um pescador da cidade. "Eles aprenderam sozinhos e foram passando isso de pai para filho. Acho até que foram eles que ensinaram a gente a pescar assim", brinca.
Fenômeno que só acontece ali
A total interação entre botos e pescadores, em um tipo de pesca solidária que só traz benefícios para as duas partes, é um fenômeno que só acontece em Laguna.
Tanto que os "botos-pescadores" - uma colônia com cerca de 20 indivíduos, dos quais Caroba é um dos mais conhecidos - foram transformados em "Patrimônio Municipal", através de decreto, anos atrás.
Também ganharam a proteção da ONG Boto Vivo, que passou a lutar em favor de medidas que diminuíam a poluição no Rio Tubarão, já que é na parte final dele, junto ao mar, que os botos ficam.
Agora, com a inédita incursão do golfinho tão rio adentro - e os malefícios que a poluição já está causando na pele do animal -, a questão da poluição do Rio Tubarão deverá voltar à tona.
Se isso acontecer, será o único benefício da perigosa jornada que o golfinho solitário vem fazendo, naquele poluído rio.
Habitantes mais famosos da cidade
Depois de Anita Garibaldi, os botos-pescadores são os moradores mais famosos de Laguna. As imagens dos alegres golfinhos decoram quase tudo na cidade e são uma espécie de símbolo informal do município - daí a mobilização que a estripulia de Caroba vem gerando em muitos voluntários, como o próprio Amboni.
Um golfinho que fez história
Popularidade igual envolvendo golfinhos só existe em algumas pequenas cidades da região do Cabo Hatteras, no estado americano da Carolina do Norte, onde, no passado, um certo golfinho albino fez história (e hoje virou marca de tudo), ao guiar, voluntariamente, através de perigosos canais entre bancos de areia, os barcos que chegavam ao porto da cidade — um comportamento tão curioso quanto inexplicável até hoje, que pode ser conhecido clicando aqui.
Assim como aquele lendário golfinho do Cabo Hatteras, o boto-pescador Caroba, de Laguna, também pode entrar para a história da região.
Mas, espera-se, que não por ter acabado os seus dias trancado em um rio poluído.
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