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Histórias do Mar

REPORTAGEM

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Barco de polonês que sumiu no mar segue abandonado no Caribe, 5 anos depois

Youtube/Trinidadexpress/Reprodução
Imagem: Youtube/Trinidadexpress/Reprodução

Colunista do UOL

04/12/2022 04h00

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Os raros visitantes da ilha de Tobago, entre a América Central e o Caribe, costumam ficar intrigados quando chegam à pequena comunidade pesqueira de Lambeau e dão de cara com um grande veleiro espetado na areia da praia, visivelmente abandonado.

Mas o estado do barco é lastimável.

O casco do outrora bonito barco, que um dia fora imaculadamente branco, está áspero, encardido e cinza, os vidros de todas as suas janelas estão quebrados, o mato da beira da praia já o envolve, e, dentro da sua cabine, já não resta um só móvel inteiro.

O mastro do barco ainda está em pé, mas falta-lhe a quilha, componente tão fundamental em um veleiro quanto as velas - que também não existem mais.

Na frente, contudo, ainda é possível ler claramente o nome do barco: Vagant. E, na popa, a sua origem: Gdansky, uma cidade portuária da Polonia, como exibido em um vídeo postado na Internet, na semana passada, pelo portal de notícias Trinidad Express.

Se fosse novo, aquele barco valeria cerca de 1 milhão de dólares. Mas, mesmo naquele estado lamentável, ainda vale algum dinheiro.

No entanto, há cinco anos, aquele grande veleiro, com quase 15 metros de comprimento, segue abandonado naquela esquecida vila de pescadores, apodrecendo na beira da praia e seu proprietário nada faz para resgatá-lo.

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Imagem: Google Earth

Por quê?

A resposta está um trágico fato que aconteceu naquele barco, exatos cinco anos atrás.

Sonho da sua vida

Em novembro de 2017, após uma vida inteira dedicada ao trabalho e à família, o polonês aposentado Stanislaw Dabrowny, então com 74 anos de idade, começou, finalmente, a colocar em prática o sonho de sua vida: dar a volta ao mundo velejando.

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Imagem: Reprodução/Facebook

Na companhia apenas da esposa, Elizabeth, uma pacata dona de casa de 67 anos, ele partiu das Ilhas Canárias com destino ao Caribe, a bordo do veleiro que comprara e batizara com um nome bem-humorado, como ele próprio: Vagant - "Vagabundo", em inglês.

Seria a primeira jornada daquela grande viagem: a travessia do Atlântico.

A vela enroscou e...

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Imagem: Arquivo pessoal

A viagem transcorreu tranquila e sem sobressaltos, até que, 19 dias após a partida, na madrugada de 21 de novembro de 2017 (cinco anos completados na semana passada), quando o casal navegava a cerca de 800 quilômetros da ilha de Barbados, Stanislaw Dabrowny precisou desvencilhar uma das velas do veleiro, que enroscara no mastro.

Ele, então, caminhou até a frente do barco, e, sob o olhar atento da esposa, que nada entendia de barcos, tentou soltar a vela. Mas uma das pontas caiu no mar, encharcou e ficou pesada demais para o septuagenário manuseá-la.

Mas ele não desistiu e continuou tentando puxar a vela de volta para o barco, apesar da apreensão da esposa.

'Não deu tempo de dizer'

"Eu só pensava por que ele não largava aquela vela na água e pronto. Mas não deu tempo de dizer isso", recorda hoje Elizabeth, meia década após a tragédia que marcaria sua vida para sempre.

Com o esforço - um tanto demasiado para sua idade avançada -, o marido de Elizabeth perdeu o equilíbrio, girou no convés e caiu no mar.

Era noite, o mar era uma completa escuridão e Stanislaw Dabrowny sequer vestia um colete salva-vidas.

Era o fim.

Desapareceu na escuridão do mar

Apesar do acidente, o barco seguiu avançando, empurrado pelas velas restantes e pelo piloto automático, equipamento que conduz embarcações de maneira autônoma, que Elizabeth não sabia como desligar.

Aterrorizada, ela se viu sozinha a bordo de um barco que seguia navegando, sem saber como manejá-lo, nem como dar meia-volta para socorrer o marido no mar.

O máximo que Elizabeth conseguiu fazer foi atirar na água uma boia e uma vela que jazia dobrada no convés do barco, na esperança de que o marido agarrasse os objetos e ficasse flutuando, enquanto ela tentava deter o avanço do barco - ambos em vão.

Logo, Stanislaw foi ficando para trás, até que desapareceu completamente - e para sempre - dos olhos de Elizabeth, na escuridão do mar.

Nunca mais Stanislaw Dabrowny foi visto, nem seu corpo jamais encontrado.

'Não queria que ele fosse sozinho'

Só bom tempo depois de o marido ter caído no mar, Elizabeth conseguiu desligar o piloto automático e deter o avanço do barco - para, em seguida, descobrir que não sabia como manejá-lo, a fim retornar ao local da queda.

Ficou, então, boiando no mar, sozinha, à deriva e desesperada.

"Eu devia ter aprendido o básico sobre navegação antes de embarcar naquela viagem", admitiria depois Elizabeth.

Eu fui porque não queria que ele fosse sozinho. Mas não pude ajudar em nada.

Não sabia usar o telefone

Sozinha no veleiro, Elizabeth também logo descobriu que não sabia manusear o telefone via satélite que o barco possuía, e que era usado para se comunicar com os filhos, durante a travessia.

Ou seja, ela também não tinha como pedir socorro - e o barco estava longe demais de qualquer ilha para o rádio VHF funcionar, embora ela tampouco soubesse como operá-lo.

Só dois dias depois, quando até a eletricidade do barco já havia se esgotado, obrigando Elizabeth a passar as noites no escuro (porque, de tempos em tempos, era preciso ligar o motor, a fim de recarregar as baterias, mas ela também não sabia disso), é que a polonesa conseguiu fazer funcionar o telefone via-satélite.

E ligou para a filha, Agnieszka, na Polônia.

Algo estava errado

A ligação foi fulminante, durou apenas alguns segundos e logo caiu, porque, sem uma fonte de energia para recarregar as baterias do barco, esgotara-se, também, a carga do telefone móvel.

Mas a filha teve certeza de que algo havia acontecido, porque era sempre o pai, e não a mãe, que ligava.

E ela só berrava ao telefone, desesperada.

Cinco dias à deriva no mar

Mesmo se saber o que poderia ter ocorrido, a filha acionou a autoridade marítima da Polônia, que, após rastrear a origem da ligação do telefone, fez contato com a base de resgates marítimos da ilha de Martinica, no Caribe, que, por sua vez, despachou um avião de reconhecimento para a região.

Logo, o veleiro foi avistado e os navios das proximidades acionados, para executarem o resgate.

Cinco dias depois da tragédia, um grande petroleiro com bandeira da Libéria, que seguia dos Estados Unidos para o Brasil, encostou ao lado do Vagant, e resgatou Elizabeth, já quase em estado de choque.

Só então o mundo — e os filhos de Stanislaw — ficaram sabendo do trágico destino do polonês, que queria realizar o sonho da sua vida, mas não passou da primeira travessia.

Trazida para o Brasil

A bordo do navio que a resgatou, Elizabeth foi levada até o porto de Santos, no litoral brasileiro, onde desembarcou, dias depois.

Mas o veleiro dos Dabrowny, não.

Como determinam as regras internacionais de resgates no mar, apenas a ocupante do barco foi resgatada — não o veleiro, que foi abandonado no mar, para que, com o tempo, a natureza se encarregasse de afundá-lo.

Mas não foi o que aconteceu.

Encontrado por pescadores

Dias depois, quando saiam para buscar suas redes no mar, os pescadores tobaguenses de Lambeau avistaram um bonito barco, sem ninguém a bordo, espetado nos recifes de coral, diante da praia: era o Vagant, o veleiro do capitão polonês que o mar levou.

Sem saber da história que havia por trás daquele misterioso, os pescadores rebocaram o veleiro, já danificado pela perda da quilha no choque com a bancada de corais, avisaram as autoridades, e o deixaram na praia - onde está até hoje, cinco anos depois.

Outro barco abandonado na praia

Mas o veleiro dos Dabrowny não é único barco com uma triste história para contar que jaz, abandonado, em uma praia da região.

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Imagem: Reprodução/nationalgallery.org.ky

Próximo dali, para espanto dos turistas das Ilhas Cayman, no Caribe, repousam também os restos do barco trimarã Teignmouth Electron, que, nos anos de 1960, ficou mundialmente famoso por ter sido usado pelo velejador inglês Donald Crowhurst para executar a maior farsa da história das competições à vela, ao simular uma volta ao mundo que jamais aconteceu.

Descoberto, o velejador abandonou o barco no mar e se suicidou - clique aqui para conhecer esta história, que, quatro anos atrás, virou até filme, estrelado pelo astro inglês Colin Firth.

No caso do veleiro da família Dabrowny, o futuro pode ser o mesmo.

'O barco é o que menos importa'

"Ainda não sabemos o que vamos fazer com o barco", diz a filha Agnieszka, que, desde que perdeu o pai para o mar vem se dedicando apenas a cuidar da mãe, hoje com 72 anos de idade.

"Eu já estive lá, vi o barco, mas não decidimos o que fazer com ele, porque isso é o que menos importa", completa Agnieszka, com surpreendente indiferença para algo que ainda vale um bom dinheiro - mas, por outro lado, lhe traz péssimas lembranças.

'Volte!', 'Volte!'

Já a mãe, Elizabeth, testemunha ocular da tragédia, ainda sofre pelo que aconteceu naquela noite, cinco anos atrás, e por não ter feito nada para evitar a morte do marido.

"Eu devia ter aprendido a usar o barco, o telefone e todas as coisas que envolvem segurança no mar", penitencia-se a viúva do capitão que o mar levou.

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Imagem: foto 5 Reproducao Facebook

"Até hoje, nos meus pesadelos, ouço ele gritando: volte! volte! E eu não sabia como fazer o barco voltar".

Um grão de areia no deserto

Embora possa parecer algo banal, cair na água é a pior coisa que pode acontecer para quem navega em alto-mar.

Na imensidão do oceano, uma pessoa que esteja apenas com a cabeça fora d´água é tão difícil de visualizar quanto uma agulha em um palheiro - quase um grão de areia no deserto.

Pior ainda se estiver sozinha no barco, porque não terá ninguém para tentar resgatá-la.

Numa situação dessas, a queda involuntária no mar é quase como uma sentença de morte - se o barco estiver em movimento, será praticamente impossível alcançá-lo.

Felizmente, porém, existem exceções a esta macabra regra.

Um raro caso que deu certo

Dois anos depois do desaparecimento de Stanislaw Dabrowny, outro velejador, ainda mais idoso - e navegando sozinho no barco -, viveu o mesmo infortúnio de cair no mar, mas sobreviveu para contar o susto que passou.

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Imagem: Arquivo pessoal

O australiano Bill Hatfield já somava 80 anos de idade quando decidiu dar uma volta ao mundo navegando em solitário, para apreensão da família.

O que ele não contava é que, no meio da viagem, durante uma banal troca de velas, tropeçaria nos cabos e cairia no mar.

Bill Hatfield só sobreviveu porque se agarrou à mesma vela que o fez cair na água, e lentamente foi escalando o casco, numa desesperada manobra de vida ou morte.

Se os seus dedos não suportassem o esforço, ou o peso do próprio corpo, ele estaria irremediavelmente condenado a morte.

A aflição durou longos minutos, até que os dedos do australiano conseguiram tatear uma cordinha, que, puxada com vigor, fez baixar uma escadinha no casco.

Só então ele conseguiu voltar a bordo, escapando do terror da morte certa, como pode ser conferido nesta impressionante história, clicando aqui.